quarta-feira, agosto 31, 2005

A Lei de Ferro


"Quem diz organização diz poder, e todo poder é conservador". Assim escreveu há 100 anos o sociólogo Robert Michels, em seu clássico "Os Partidos Políticos: um estudo sobre as tendências oligárquicas da democracia".

Tarso Genro desistiu de ser candidato do Campo Majoritário à presidência do PT. A tarefa passou para Ricardo Berzoini, cujo maior feito como ministro da previdência no governo Lula foi ter mandado velhinhas de 90 anos para a fila de recadastramento do INSS. Genro dera um ultimato para que Dirceu e sua trupe se afastassem do PT, porque não conseguiria reformar o partido com a presença do deputado.

Michels era militante do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), então o maior da esquerda mundial. O SPD nasceu do movimento operário que enfrentou Bismarck e se consolidou como uma das principais forças políticas da Alemanha no início do século XX. Mas os antigos dirigentes sindicais que se tornaram a liderança do partido e se afastaram das bases operárias. Quando a I Guerra Mundial estourou, apoiáram o Kaiser e mandaram seus filiados servir de bucha de canhão nos campos de batalha.

O PT não consegue extirpar suas maçãs podres. Talvez o partido não seja capaz de financiar sua enorme estrutura sem o esquema montado por Dirceu e Delúbio. Com a perda da mobilização da militância, será difícil sustentar o PT só com a venda de camisas e estrelinhas, ainda mais com as dividas milionárias da sigla.

Michels concluiu que a lógica da organização de um partido político exige a formação de um aparato burocrático, de técnicos especializados, que fatalmente leva ao distanciamento da liderança com relação às bases sociais. No limite, a cúpula faz o que for necessário para manter o poder, mesmo que às custas de acordos e conchavos com a elite de direita, abandonando o programa de mudança social do partido. O sociólogo chamou o processo de "a lei de ferro da oligarquia".

Se não conseguir se renovar, o PT corre o risco de virar um novo PMDB: um belo passado de lutas e um presente marcado por clientelismo e corrupção. O partido não acaba. Sempre sobra um ou outro Pedro Simon para lembrar dias mais gloriosos. Mas em vez de mudar o mundo, termina-se amigo do Sarney.

As pessoas a quem o partido dizia representar se desiludem e buscam outras opções políticas - às vezes trágicas. O velho Michels se cansou da burocracia e apostou as fichas em líderes carismáticos que falariam direto às massas. Morreu como o queridinho de Mussolini, lecionando ciência política na Itália fascista. Ah, esses meus colegas de ofício....

terça-feira, agosto 30, 2005

Heroína Nacional


Sou um homem doente. Vejo "América". Não há justificativa para isso: a novela é péssima, com atuações que quase sempre deixam a desejar, personagens esteriotipados, diálogos chinfrins e um núcleo mexicano que deveria ser preso antes de causar incidentes diplomáticos com um país irmão. Mas sou um homem doente. Não esperem racionalidade de meu comportamento.

"América" era protagonizada por uma imigrante brasileira nos EUA, cujo grande amor era um peão do mundo dos rodeios de São Paulo. Quer dizer, acho que é São Paulo, porque o sotaque do interior genérico da Globo não me deixa ter certeza. A trama original foi para o espaço: Deborah Secco não emplacou e Murilo Benício tem menos expressão facial do que o Boi Bandido. Mas a novela precisa permanecer no ar.

Ora, mas aí está o grande barato. Gloria Perez não tem compromisso nenhum com a coerência e isso é divertidísismo para o espectador, porque ela ajusta a história conforme a reação do público, colocando determinado personagem em evidência, mandando outro para escanteio e alterando completamente o eixo da novela.

Se você mora no Brasil (o que não é o caso para alguns dos leitores deste blog) já deve saber que temos uma nova heroína nacional: a Lurdinha. Cleo Pires é muito bonita, mas não tanto quanto Juliana Paes. Ah, OK: na novela Juliana interpreta uma falsa crente (!) e passa a maior parte do tempo mais coberta do que uma religiosa afegã (!!!).

Mas é claro que Cleo virou uma estrela por conta de seu personagem: uma ninfeta espevitada que conquista o coração do tio Glauco (Edson Celulari), fazendo-o abandonar mulher, amante, mudar o visual etc. Podemos argumentar que Cleo Pires é a principal contribuição de seu pai Fábio Jr. à cultura nacional, embora eu aceite as ressalvas de que a performance dele em "Bye Bye, Brasil" merece um segundo lugar honroso.

Todos os quarentões frustrados que assistem à novela devem andar com a libido a mil pelas fantasias despertadas pela Lurdinha. Como diz meu amigo F. (que pediu anonimato em função de exercer importantes cargos acadêmicos e por isso não poder ser flagrado vendo novela), o nome Maria de Lurdes tem implicações Rodrigueanas. As hordas masculinas humilhadas pelo comercial da Sukita agora vivem sua desforra.

Entusiasmo dos homens de meia idade à parte, prevejo sangue e sofrimento para o casal Glauco-Lurdinha. O público feminino quer vingança. A ordem familiar foi perturbada e Glauco terá que perecer no Vale das Lágrimas, até se regenerar. Se bobear, restaura até o topete.

De minha parte, acho a moral familiar muito chata. Viva a Lurdinha!

PS - Hoje à noite tenho uma festa e não verei a novela. Alguém pode assistir ao capítulo desta terça e me contar o que aconteceu?

segunda-feira, agosto 29, 2005

Hotel Ruanda




Durante cem dias em 1994, um milhão de pessoas foram assassinadas em Ruanda, no mais rápido genocídio de um século repleto deles. A maioria dos mortos pertencia à etnia tutsi, minoritária no país. Como contar essa história ao público ocidental, que simplesmente não está muito interessado em um bando de negros e pobres morrendo em algum canto distante da África?

O cineasta Terry George conseguiu. Seu excelente filme "Hotel Ruanda" captura os espectadores através da saga real de um herói em meio à tragédia: Paul Rusesabagina, magnificamente interpretado pelo ator americano Don Cheadle (um dos favoritos do diretor Steven Sordenberg). Paul é o gerente de um hotel de luxo na capital ruandesa e um homem inteligente, cheio de jogo cintura para lidar com a corrupta elite do país.

Quando o genocídio começa, a preoucupação de Paul, que pertence à maioria hutu, é salvar sua esposa tutsi. Mas a velocidade dos acontecimentos o força a assumir responsabilidades e ele acaba protegendo mais de mil pessoas que buscam abrigo no hotel que administra. À medida que os massacres aumentam, Paul precisa usar suas conexões e inteligência para escapar da morte. Sem jamais disparar um tiro, ele é um oásis de humanismo numa terra enlouquecida.

O filme traça muito bem a evolução dos acontecimentos, mostrando como a diferença étnica tutsi/hutu foi em larga medida inventada pelos colonizadores belgas, que se basearam na divisão para governar o país. Narra com realismo a indiferença das potências ocidentais, que inclusive retiraram as tropas de paz da ONU e abandonaram Ruanda à própria sorte, influenciadas pelo fracasso dos EUA na Somália, apenas alguns meses antes. O único defeito da visão do filme é colocar a culpa do genocídio primordialmente na mílicia hutu, deixando de lado o papel essencial que o governo exerceu na tarefa.

Depois de Paul, o personagem de mais destaque na trama é o coronel Olivier (Nick Nolte) inspirado no general canadense Romeo Dallaire, que comandou as tropas da ONU em Ruanda. Dallaire era um militar apaixonado pelas tarefas da paz, um homem digno cuja missão foi impossibilitada pela indiferença do Conselho de Segurança. Dallaire quase enlouqueceu e teve problemas psicológicos sérios em virtude do que presenciou: "Minha alma está em Ruanda, e não sei se um dia ela voltará". Mas parece estar se recuperando: tornou-se senador no Canadá, escreveu um livro sobre o fracasso das Nações Unidas em Ruanda e será tema de um filme.

Dallaire tinha consciência da importância da imprensa para forçar os governos ocidentais a intervir e dizia que um repórter em campo valia mais do que um batalhão. No filme, a mídia é representada por dois jornalistas, um correspondente burocrático que reclama do ar-condicionado com defeito e um cinegrafista ousado vivido por Joaquin Phoenix - bom personagem que merecia aparecer mais na trama.

Enfim, recomendo "Hotel Ruanda" como o melhor filme ocidental sobre a África contemporânea, com uma perspectiva humanista e crítica às injustiças.

domingo, agosto 28, 2005

Uma Carta Aberta e um Até Logo

Caros Amigos e Amigas,

Depois de mais de um ano de escrever n'Os Conspiradores e te-lo criado com meus bons amigos Mauricio e jd, anuncio, infelizmente, meu desligamento do blog por tempo indeterminado.

Apesar de este ser um espaco maravilhoso, uma tese de doutorado estah tomando todo meu tempo util. Porem, nao vou sumir -- prometo. Continuarei um leitor assiduo do blog porque adoro o que o Mauricio escreve, assim como os poucos (mas certeiros) posts do jd.

Ademais, comentarei sempre o que for escrito por aqui. E porque este blog sempre me pareceu ser uma conexao direta com o bom senso, nao importa o assunto tratado.

Um dia, em condicoes melhores, posso voltar a escrever. Torco para que isso aconteca de maneira rapida.

Todas as projecoes indicam que a Katrina nao me atingirah. Mas jah enfrentei tantos furacoes que a milady assassina nao seria pareo para mim se viesse para ca. Portanto, sobreviverei.

Aos que estao no Brasil, abracos fraternos diretamente de cidade de Montanha Fria, Carolina do Norte, e me despeco,

BB.

Mundo, Vasto Mundo

A semana passada foi bem agitada para minha carreira. Impressiona a quantidade de oportunidades e de demanda que está em curso no Brasil para a área de relações internacionais.

Na quinta-feira, participei do programa "Olhar 2005", da TVE. É uma roda de debates comandada pela jornalista Lúcia Leme. São quatro convidados, cada um protagonizando um bloco. Me coube comentar a questão dos imigrantes brasileiros no Reino Unido. O papo foi bom, rendeu uma discussão sobre racismo, xenofobia, terrorismo, globalização etc.

Também fechei um artigo para um concurso do Ministério das Relações Exteriores sobre a América do Sul e a política externa brasileira. O prazo foi curto - apenas um mês para escrever um ensaio de 30 páginas, mas consegui completar o texto. Claro que ficou aquém da qualidade que eu gostaria, dada a limitação de tempo. Entretanto, sempre é bom organizar as idéias na forma escrita.

Outro texto - uma análise do livro "Genocídio", de Samantha Power, um dos melhores que li neste ano - foi aprovado para publicação na Contexto Internacional, a revista da PUC-Rio na área de RI. Tenho me interessado pelo tema por conta da situação na África (comentarei mais em breve, ao falar do filme Hotel Ruanda).

Também por estes dias, dei uma entrevista a uma estudante que queria traçar um perfil dos profissionais de RI. Ela me fez boas perguntas. Uma delas foi o que a carreira havia me trazido de melhor. Com certeza, a ampliação dos horizontes. O mundo é grande, há várias coisas importantes acontecendo lá fora e com freqüência deixamos de acompanhá-las no Brasil, presos demais que estamos ao nossos próprios problemas.

E o outro lado da moeda? Ela também me questionou sobre isso e respondi que era o risco de se afastar demais da realidade brasileira. Os debates sobre RI em geral se dão pela pauta das grandes potências, que têm outra agenda política e econômica.

Quanto optei por escrever minha dissertação de mestrado sobre relações internacionais, ao invés da reforma do Estado como era minha idéia inicial, uma das razões foi o fato da política brasileira ser tão deprimente. À época (2002/3) me parecia um bolero de Ravel repetindo ad nauseam as notas de crise, corrupção e impossibilidade de levar adiante mesmo as mudanças mais simples. Infelizmente, o Brasil não tem me dado motivo de orgulho.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Velhinha de Taubaté (1915-2005)



Os Conspiradores não costumam publicar textos alheios, mas hoje abro uma exceção à regra e reproduzo a coluna de Luís Fernando Veríssimo do Globo desta quinta-feira, devido à absoluta genialidade do escritor:

Velhinha de Taubaté (1915-2005)


Morreu no último dia 19, aos 90 anos de idade, de causa ignorada, a paulista conhecida como “a Velhinha de Taubaté”, que se tornou uma celebridade nacional há alguns anos por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo. O fenômeno, que veio a público durante o governo Figueiredo, o último do ciclo dos generais, levou multidões a Taubaté e transformou a Velhinha numa das maiores atrações turísticas do estado. Além de estandes de tiro ao alvo e de venda de estatuetas da Velhinha e de uma roda-gigante, ergueram-se tendas para vender caldo de cana e pamonha em volta da pequena casa de madeira onde a Velhinha morava sozinha com seu gato, e não era raro a própria Velhinha sair de casa e oferecer seus bolinhos de polvilho a curiosos que chegavam em ônibus de excursão para serem fotografados com ela e pedirem seu autógrafo. A Velhinha sempre acompanhou a política e acreditou em todos os governos desde o de Getúlio Vargas, inclusive em todos os colaboradores dos governos militares, “até”, como costumavam dizer muitos na época, com espanto, “no Delfim Netto!” O presidente Sarney telefonava freqüentemente para Taubaté para saber se a Velhinha, pelo menos, ainda acreditava nele, e Collor foi visitá-la mais de uma vez para pedir que ela não o deixasse só.


As circunstâncias da morte da Velhinha de Taubaté ainda não estão esclarecidas. Sua sobrinha Suzette, que tem uma agência de acompanhantes de congressistas em Brasília embora a Velhinha acreditasse que ela fazia trabalho social com religiosas, informou que a Velhinha já tivera um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso, em quem ela acreditava muito, mas ficara satisfeita com as explicações e se recuperara. Segundo Suzette, ela estava acompanhando as CPIs, comentara a sinceridade e o espírito público de todos os componentes das comissões, nenhum dos quais estava fazendo política, e de todos os depoentes, e acreditava que como todos estavam dizendo a verdade a crise acabaria logo, mas ultimamente começara a dar sinais de desânimo e, para grande surpresa da sobrinha, descrença. A Velhinha acreditara em Lula desde o começo e até rebatizara o seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no Palocci. Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio.

O ambiente no parque de diversão em torno da casa da Velhinha de Taubaté é de grande consternação.

quarta-feira, agosto 24, 2005

China - o Legado de Tiananmen



Comecei uma série de leituras sobre China e Índia - os atores em ascensão na política internacional. Até agora, o que mais gostei foi "The Legacy of Tiananmen", do jornalista James Miles, que chefiava o escritório da BBC em Pequim.

Miles pinta um panorama sombrio da China de meados dos anos 90. Embora destaque o crescimento acelerado da economia, chama a atenção para os problemas que afetam o país: êxodo rural, aumento do crime e das desigualdades, disputas ferozes no interior do Partido Comunista, corrupção e repressão política.

A pergunta central do livro é se a China conseguirá manter as reformas iniciadas por Deng Xiaoping nos anos 70, após a morte de Mao, ou se as tensões sociais forçarão uma mudança de rumo. O jornalista chega a levantar a hipótese de fragmentação e guerra civil - à maneira da Rússia e da Iugoslávia - devido às diferenças entre Pequim e as províncias do sul, onde o ambiente pró-capitalismo é mais forte.

Miles é britânico e para um brasileiro sua interpretação dos problemas sociais da China parece exagerada. A maioria é bem menor do que aqueles enfrentados pelos países em desenvolvimento da América Latina. Contudo, sua descrição das injustiças e das dificuldades impressiona e ajuda a compreender um pouco os que os marxistas chamariam de "acumulação primitiva do capital" que vem ocorrendo no país.

A reportagem tem boas entrevistas com os principais dissidentes democráticos da China, como Wei Jingsheng, um dos criadores do célebre "Muro da Democracia" que antecedeu as gigantescas manifestações da Praça da Paz Celestial, em 1989. Miles acredita que o desenvolvimento econômico chinês aumenta as possibilidades de movimentos democráticos, ao criar uma nova classe média e empresarial menos disposta a se submeter às decisões do PC. Ele destaca ainda a crescente desilusão ideológica entre os membros do partido e a engrenagem de fazer dinheiro, com freqüência por meios escusos que envolvem governo, Forças Armadas e polícia.

O que achei mais interessante foi a análise de Miles de que há uma liderança democrática em potencial nos chineses de meia idade que fizeram parte da Guarda Vermelha durante a Revolução Cultural dos anos 60. Originalmente foi um movimento de extrema-esquerda lançado por Mao contra a velha máquina do partido, mas muitos dos antigos guardas vermelhos teriam mudado de posição. O argumento é instigante: de fato, o próprio Wei seguiu essa trajetória e deve haver diversas pessoas como ele.

O livro tem apenas um capítulo sobre relações internacionais, com foco pessimista nas tensões entre China, Hong Kong e Taiwan. Gostaria de ler mais sobre as rivalidades com as Coréias e com o Japão. À distância, parece ser um dos principais barris de pólvora da política internacional.

terça-feira, agosto 23, 2005

Um Ponto Positivo



Ha algumas semanas venho escrevendo um paper (jah bastante atrasado) sobre "populismo". Nao vou discuti-lo particularmente, mas varias questoes me vieram em mente, especialmente em relacao a crise por qual passamos. Aqui vao, pois.

Como alguns amigos sabem, quando a crise estourou fiquei indignado, pero nao surpreso. Fico ateh feliz que a discussao esteja passando pela possibilidade de um reforma politica. Ninguem no mundo (repito, ninguem) vive em um pais onde nao haja corrupcao politica de algum tipo. Em qualquer sistema em que politicos tem procuracao para gastar dinheiro alheio, haverah abusos. Eh inevitavel. Como jah diziam os Federalistas norte-americanos no seculo XVIII, somente o poder pode equilibrar o poder. Ponto. O que existem sao diferentes tipos de incentivos para a corrupcao e diferentes sistemas de fiscalizacao, mais ou menos porosos com relacao a corrupcao sistematica.

Politicos precisam se reeleger. De qualquer maneira. Nem que seja para implementar politicas bem intencionadas quando chegarem lah. Isso gera alguns incentivos perversos -- um politico nunca vai economizar o seu dinheiro, por exemplo. Se nao gasta-lo, simplesmente nao se elege. A linha entre dinheiro contabilizado e "nao contabilizado" torna-se tenue diante de tais incentivos. (Nao estou justificando absolutamente nada, estou apenas apresentando um fato bastante comum em qualquer partido com reais ambicoes de poder -- Helmut Kohl que o diga).

Se esta crise tiver algum ponto positivo, este serah a geracao de um ceticismo politico com relacao a solucoes milagrosas ou a esperancas de que, bastando a probidade moral de quem estiver na presidencia, tudo serah resolvido. Se Gandhi, Madre Teresa ou Martin Luther King estivessem na presidencia, precisassem se reeleger e tivessem os incentivos para usar o poder a seu favor, assim o fariam. Ratzinger o fez, assim como Nelson Mandela e como George Washington. Ingenuidade na politica nao existe. O ultimo ingenuo na politica morreu assassinado pelo irmao (um cara chamado Abel).

(John Kerry disse, durante a campanha ano passado, que nao seria possivel "acabar" com o terrorismo, mas apenas chegar a niveis "toleraveis" de ataques suicidas. Foi duramente criticado por isso. Mas ele tinha razao. A afirmacao serve perfeitamente para a corrupcao na politica.)

Como cidadao fiquei muito triste com toda a corrupcao. Preferia que nao tivesse acontecido e que o Brasil tivesse amadurecido. Mas como Cientista Politico nao posso ficar sem notar que os modelos que temos ainda explicam bastante a realidade. Mesmo que esta seja bastante indigesta para nossos padroes. Infelizmente.

(A foto acima eh de Adhemar de Barros, ex-governador de Sao Paulo. Era um cara que roubava mas fazia...)

segunda-feira, agosto 22, 2005

Sandálias da Humildade


Há alguns dias uma amiga me sugeriu escrever um romance sobre a atual crise política. Seu argumento é interessante: se os escândalos não forem retratados na ficção, em breve serão esquecidos. Recusei delicadamente a proposta, argumentando que minha parca imaginação não é capaz de dar conta da galeria de tipos pitorescos e anti-heróis que desfilam por Brasília. Diante da Jeane Mary e do tesoureiro Jacinto Lamas (o pai do rapaz foi profeta!) só posso me recolher à condição de espectador.

A resposta de Palocci às acusações de corrupção feitas por seu ex-assessor Rogério Buratti foi a auto-defesa mais competente realizada por um membro do governo Lula. O ministro convocou a imprensa e falou de modo tranqüilo e sereno, calçando as sandálias da humildade ao dizer que não é insubstituível, que a economia do país é sólida etc. Deu a entrevista num domingo e evitou o medo no mercado financeiro na segunda-feira.

À parte a competência política do ministro em se defender, as denúncias de Buratti são bastante sérias. O ex-assessor foi secretário de governo quando Palocci era prefeito, cargo de confiança que dá acesso aos meandros da administração. As acusações envolvem propinas de empresas de lixo sendo desviadas para o caixa 2 do PT, o que já rende dores de cabeça ao partido desde o governo de Marta Suplicy em São Paulo. Em suma, há fumaça. Cabe às investigações descobrir se existe fogo.

A oposição tem se mostrado muito temerosa em envolver Palocci na crise: PSDB e PFL não querem o risco de turbulências na economia, ainda mais podendo levar o Planalto em 2006. Dirigentes empresariais, aqueles mesmos que defenderam a dona da Daslu, também falaram a favor do ministro. Como diria Jeane Mary, em casa de tolerância não existe donzela. Já sinto pizza.

domingo, agosto 21, 2005

Dois Filhos de Francisco


Não sofro da nostalgia pelo Brasil profundo. Quando alguém coloca forró numa das festas moderninhas que costumo freqüentar, peço que troquem para rock britânico. Mas adorei "Dois Filhos de Francisco", a história da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano.

Começa com um grande personagem, Francisco, numa interpretação magnífica de Angelo Antônio, que dá vida ao agricultor fanático por música e que sonha em montar uma dupla caipira para tirar ao menos alguns de seus meninos da pobreza e da falta de perspectivas do campo.

Roteiro, direção e produção nos levam com sensibilidade para esse mundo tão diferente da nossa rotina de cidade grande, nos apresentando ao universo das feiras quase medievais onde os lavradores vendem seus produtos, escutam música, comem algodão doce e tiram fotografias, dos bailes em galpões com chão de terra ou dos clubes das periferias das cidades.

Mas o interior de "Dois Filhos" não está parado no tempo. É a fronteira de um país em processo de modernização acelerada, nos anos 60-80. O rádio, o ônibus, e mais tarde a televisão, quebram as expectativas tradicionais da vida caipira e introduzem sonhos, formas de consumo e até a influência cultural dos EUA. A política acontece em outro planeta, como fica claro na seqüência primorosa em que os meninos cantam uma canção "subversiva" sem saber. E quando perguntam ao pai "O que é uma nação?", ele não tem resposta.

Um cientista político citaria Benedict Anderson e diria que uma nação é uma "comunidade imaginada", e que no Brasil essa imaginação compartilhada sempre esteve restrita a, no máximo, os trabalhadores urbanos. O mundo rural ficou à margem, como depósito de mão-de-obra barata para a indústria e os serviços do país que crescia sem parar. Impossível para nosso cientista não pensar também na bela obra sobre as transformações da cultura caipira, "Os Parceiros de Rio Bonito", de mestre Antônio Candido, ou mesmo em "Tudo o que é Sólido Desmancha no Ar", de Marshall Berman, sobre as aventuras e perigos do desenvolvimento do capitalismo .

A modernidade é uma máquina de fazer sonhos e triturar ilusões. No filme, a família Camargo deixa o interior e vai para Goiânia em busca das condições para lançar a carreira artística dos meninos. A cena em que chegam deslumbrados com as luzes da cidade grande ao som de "Poeira Vermelha" é uma das mais bonitas que vi no cinema brasileiro, talvez porque ela reproduza com espantosa semelhança uma passagem da vida de meu pai, que ocorreu quando ele trocou sua Marabá natal por Belém do Pará.

Os dois filhos de Francisco realizaram o sonho e se tornaram astros da música sertaneja, estrelas de uma indústria que vende milhões de discos para migrantes com uma história parecida - como observou meu amigo Mario, nossas empregadas são o público alvo. Espero que possam pagar o alto preço dos ingressos para cinema, certamente muitos brasileiros pobres irão se identificar com os problemas enfrentados pelos protagonistas: falta de dinheiro, doenças, a fome à espreita. O que fez a diferença? Talento e perseverança, mas creio que o essencial foi a família sólida, unida mesmo diante das piores circunstâncias. Rede de proteção que impediu a queda nos abismos mais perigosos desta vida. Destaque para a mãe coragem de Dira Paes, que administra a casa com os pés no chão e censura os sonhos do marido: "Criei meus filhos acordada".

Zezé di Camargo e Luciano fizeram campanha para Lula, ele mesmo um fruto do Brasil profundo retratado no filme. O que é uma nação? O presidente nos deve sua resposta. Digo apenas que uma nação é muita coisa, inclusive uma comunidade - e sonhos - compartilhados. Os meus não cabem nas malas do PT.

sábado, agosto 20, 2005

Paglia Implacavel

"The reason why the real threat is the far right is that they have the Bible. And the Bible is a masterpiece.(...) The people who all they have is the Bible actually are set up for life. Not only do they have a spiritual vision given to them but artistic fulfillment."

"We are getting worse writing, worse art. Part of the reason for the much worse writing is that young people have so many other distractions in terms of their time—so many things to do, that reading books has just shriveled."

"There is a kind of humanitarian do-gooder mentality abroad in the public schools these days, which is like, “We all get along. Here’s our quota. We are going to read the poem by the African American, the poem by the Native American. The poem by the Chicano.” Like that. There is no more quality."

"Leftists are supposedly speaking for the people. But they have disdain for the people.(...) The people vote. So the leftist claim that what they are doing is for the people but when the people show what’s on their mind, [in a scolding voice] “Oh no, you are so ignorant.” So all we have are armchair leftists. There is no real leftism. In the ‘60s I knew real leftists. Real leftists were truly proletarian."

"You don’t have that small, factory-town complex anymore. What’s nauseating is the way our executive class has been looting the companies. So I blame—I don’t blame capitalism, I blame the passivity of the boards [of directors] that have permitted this incredible millions and millions of remuneration and golden parachutes of people at the top and there is such a gap from people actually doing the work."

Trechos da entrevista (indignada) de Camille Paglia para a "The Morning News". Imperdivel.

sexta-feira, agosto 19, 2005

A Perda do Consenso


Dado o debate para lá de interessante nos comentários ao post sobre Nabuco, decidi responder com um novo texto, principalmente a partir das questões levantadas pela Claudia e pelo BB sobre Nabuco e as dificuldades da atual política externa.

Antes de ser embaixador em Washington, Nabuco vivera nos EUA como secretário diplomático e seus diários da época acabam de ser editados: a Veja publicou trechos bem interessantes. O barão do Rio Branco acertou na mosca - como ele, Nabuco tinha sensibilidade para entender os Estados Unidos e perceber que a Velha Europa não era mais o centro do mundo, o que não era assim tão claro no início do século XX.

Conversando com acadêmicos, diplomatas e empresários, o que observo hoje em dia é uma forte desconfiança dos EUA, ou pelo menos a opinião de que as principais oportunidades políticas e comerciais para o Brasil estão no mundo em desenvolvimento, em particular na Índia e na China, embora às vezes se mencione também a África. A excelente pesquisa realizada pelo CEBRI com a comunidade de política externa brasileira também segue essa linha.

É uma agenda muito diferente daquela do barão do Rio Branco e de Nabuco. O que podemos aprender com eles é a necessidade de estar atentos às mudanças na política internacional (como a ascensão de novas potências) e a implementação de uma estratégia de política externa coerente com os objetivos e possibilidades concretas do Brasil. No caso deles, a delimitação das fronteiras e a promoção das exportações do café e da borracha.

Neste segundo ponto é que me parece que o governo Lula cometeu muitos erros - o embaixador Rubens Ricupero foi um dos se queixou em sua coluna da perda do consenso sobre a diplomacia, em função do Itamaraty buscar prestígio simbólico na esfera multilateral de um modo que exagera as possibilidades do Brasil ser uma liderança para o mundo em desenvolvimento. Em boa medida é uma maneira de tentar compensar as frustrações com a estagnação econômica, mas só existe boa diplomacia quando ela se faz de acordo com as bases reais do poder nacional.

Soube há pouco das novas denúncias de corrupção envolvendo Palocci. Será que a crise vai finalmente atingir a economia? Acompanharei os acontecimentos e depois escrevo a respeito.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Nabuco


Em geral se comemoram os 100 anos de nascimento de personalidades ilustres, mas desta vez ocorre algo que nunca vi: a celebração do centenário da nomeação de Joaquim Nabuco como o primeiro embaixador do Brasil nos EUA. A atividade diplomática do político e escritor será tema de um seminário da fundação que leva seu nome . Costumo falar sobre Nabuco nas aulas de política externa brasileira, destacando seu papel na estratégia do barão do Rio Branco em buscar o apoio dos Estados Unidos para a ação brasileira na América do Sul, em particular na delimitação das fronteiras e na contenção da Argentina, então um colosso econômico.

Contudo, para mim a importância maior de Nabuco é como um cientista social pioneiro, autor de "O Abolicionismo", que apesar do título é na realidade um excelente estudo sobre a escravidão no Brasil e suas terríveis conseqüências para a vida econômica e social do país. O político foi coerente com o escritor e se tornou um dos líderes da campanha pela libertação dos escravos.

Outra obra de destaque de Nabuco é "Um Estadista do Império", a biografia de seu pai - um dos mais importantes políticos brasileiros do Segundo Reinado - que é também uma crônica detalhada das reviravoltas e turbulências do período. Tem até mensalão - pago pelo governo a jornalistas e deputados amigos - com direito a choro na tribuna e o argumento de que todos agiam assim. Também se repetem os debates sobre reforma política, tentando tornar as eleições mais próximas ao país real, mais representativas da opinião pública. Como dizia Tancredo Neves, os problemas do Brasil não mudam, apenas se agravam.

Por coincidência, neste semestre o professor Ricardo Benzaquen está dando no Iuperj um curso sobre a obra de Nabuco, com um programa bem interessante. Benzaquen é um mestre no pensamento social brasileiro, o fato de ter escolhido o autor de "O Abolicionismo" para tema de suas reflexões indica a atualidade e a importância de Nabuco como um intérprete deste país meio torto.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Sem Olhos em Gaza


Há poucas semanas dei aulas sobre os conflitos no Oriente Médio e fiquei impressionado com o interesse dos alunos pelo tema. Comecei com a desintegração do Império Otomano no século XIX e prossegui até os dias atuais. Foram muitas perguntas sobre os resultados de cada guerra e os diversos acordos de paz na região. Com freqüência, queriam saber se eu acreditava na possibilidade de se chegar a um entendimento entre árabes e israelenses. Em geral respondo que a política não é capaz de resolver tudo. Longe disso. Se conseguir amenizar os efeitos mais catastróficos dos conflitos humanos, já podemos nos dar por satisfeitos.

A retirada de Israel da Faixa de Gaza é a maior esperança para a paz na região desde os acordos de Oslo, de 1993. Foi uma decisão corajosa do primeiro-ministro Ariel Sharon, tomada em meio a profundas divisões na sociedade israelense, inclusive em seu próprio partido. Creio que só foi possível porque o histórico de linha dura do premiê – entre outras coisas, responsável pela invasão do Líbano e pelos massacres dos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila – lhe deu força para enfrentar os radicais que se opõem a qualquer negociação com os árabes.

A retirada tem se dado de forma razoavelmente pacífica, simbolizada por imagens emocionantes como os soldados abraçados aos colonos, em lágrimas. A saída de Israel de Gaza é um passo importante no Mapa da Paz, o precário acordo costurado em 2003 por intermediação dos EUA, Europa, Rússia e ONU. Agora o desafio recai sobre a Autoridade Palestina, que terá que conter os terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica e administrar um território empobrecido após os anos turbulentos da Segunda Intifada.

Muitas questões permanecem em aberto, inclusive os pontos explosivos da soberania conjunta sobre Jerusalém e o direito de retorno dos refugiados palestinos na Jordânia, Síria e Líbano, estimados em 3,7 milhões. E, claro, o que irá ocorrer na Cisjordânia, onde se concentram a maioria dos colonos e quase todos os locais sagrados citados no Velho Testamento. Gostaria de estar lá, acompanhando os fatos. Sem olhos em Gaza, sigo os acontecimentos pelo excelente blog da Daniela Kresh, que escreve direto do front.

terça-feira, agosto 16, 2005

Refletindo com a História




Com a morte de Miguel Arraes se vai o último líder político da República de 1946, a geração que viveu a primeira grande experiência democrática do Brasil e que levou adiante o que foi até agora nossa mais promissora tentativa de conciliar desenvolvimento econômico e reforma social. Arraes, talvez mais do que qualquer outro expoente da época, foi o responsável por implantar os direitos trabalhistas da Era Vargas na zona rural, então sob ebulição das Ligas Camponesas e do método Paulo Freire. Ele nos ensinou que alfabetização e salário mínimo são medidas revolucionárias, sobretudo no interior. Continuam a ser.

Gostaria que seu velório não tivesse sido contaminado pelo clima de polarização política que se espalha pelo país, mas isso era quase inevitável. Os aplausos a Lula e as vaias a Serra e Alckmin mostram que o presidente continua a desfrutar de apoio entre os movimentos sociais e creio que esse sentimento está presente em boa parte do eleitorado mais pobre e de menor instrução. Não é à-toa que a oposição maneja o impeachment cautelosamente, mais como um mecanismo para pressionar o governo no rumo de um acordo de bastidores.

Ainda falando sobre história do Brasil, conversei com militantes de esquerda com vários anos de estrada e lhes perguntei se a derrota que sentiam agora era pior do que a do golpe militar de 1964. Foram unânimes em me dizer que sim. Na queda de João Goulart foram vencidos por inimigos políticos, com um projeto que claramente se contrapunha ao deles. O clima era de raiva e revolta, de partir para o enfretamento. Hoje, eles se sentem confusos e desorientados - acharam que haviam conquistado o poder e deram de cara com os escândalos de corrupção e com uma agenda política muito diferente da trajetória do PT.

Disse a eles que ao menos tinha um consolo: em 2045, quando o Brasil estiver na sua milionésima crise política, poderei me gabar afirmando que dura mesmo foi a época dos escândalos no governo Lula. Meus futuros ouvintes irão me encarar espantados, como a testemunha da História.

domingo, agosto 14, 2005

O Monopolio da Violencia?

Quebrando um pouco o acompanhamento da crise politica no Brasil, hoje saiu um artigo no NYT com uma analise interessantissima sobre o processo de privatizacao do Exercito norte-americano pelo mundo e, especialmente, no Iraque. Sem conseguir recrutar rapido e treinar seus soldados, as Forcas Armadas e o Departamento de Defesa estao terceirizando os servicos. Verdadeiros exercitos mercenarios estao sendo criados para poder fazer frente a crescente ofensiva guerrilheira da insurgencia iraquiana.

Este processo nao eh novo na Historia ou mesmo na guerra do Iraque. Durante a CPI que apurou o caso de Abu Ghraib, um dos temas centrais foi a crescente privatizacao de forcas especiais e a falta de controle ("accountability" no termo em ingles) que elas representavam.

O artigo do NYT aborda a crescente "economia de guerra" e os numerosos incentivos para a criacao de mercenarios. E, para quem tem interesse no assunto a partir de uma perspectiva historica, nao posso deixar de recomendar um livro essencial: "Mercenaries, Pirates, and Sovereigns" de Janice Thomson.

Corações Ingratos



Toda sexta-feira parlamentares do PT prestam contas de seus mandatos no Buraco do Lume, uma espécie de pequena arena no centro do Rio de Janeiro. Anteontem meu irmão estava na platéia e me contou que a população hostilizou abertamente os deputados, xingando-os e fazendo piadas com o mensalão. Ao ponto que alguns parlamentares perderam o controle e começaram a bater boca com os espectadores. Se tivessem demonstrado o mesmo ímpeto para enfrentar a cúpula do partido, a situação hoje em dia seria outra.

No mesmo dia, tive dificuldades para encontrar a "Época" com a entrevista com o presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Neto. Quando finalmente encontrei um exemplar, o jornaleiro me dizia animado que ia colocar mais revistas à mostra, porque estavam vendendo bem. As denúncias não chegam a ser novidade, o cerne é que a aliança com o PT foi costurada à base de dinheiro de Caixa 2, operado por Delúbio e Marcos Valério. A questão é que Valdemar acusa diretamente Lula e José de Alencar de participarem da montagem da operação. Corações ingratos, cantaria Roberto Jefferson em uma de suas óperas.

Também perdi o pronunciamento de Lula, porque estava numa reunião de trabalho, mas li a transcrição na Internet. Decepcionante sob todos os aspectos. Assume postura defensiva, focando na economia, insiste na Tese Jatobá ("Não sabia, fui traído") e sequer pede desculpas diretamente, afirmando que "o governo deve desculpas". E quem chefia esse troço? O mais impressionante é a declaração de que puniria os culpados, se pudesse. Como assim?

Uma amiga querida, colega de doutorado, costuma dizer que muitas pessoas insistem em tratar Lula como uma espécie de Sassá Mutema, um ingênuo que foi manipulado pelos malandros de plantão. Repito o que o cientista político César Benjamim escreveu em seu excelente artigo sobre como o "ovo da serpente" da corrupção no PT vem desde os anos 90:

"Lula sempre compartilhou da intimidade do grupo e foi o principal beneficiário de suas ações. Garante, porém, que nada sabia. Respeito quem acredita nisso, assim como respeito quem acredita em duendes. Seja como for, pelo número de conexões já descobertas e de instituições envolvidas, estatais e privadas, parece claro que estava em curso, em seu governo, a montagem de uma rede de corrupção poucas vezes igualada."

sexta-feira, agosto 12, 2005

Rinha de Galo


Vocês se lembram de uma época em que o maior escândalo político do Brasil era o marketeiro do presidente gostar de rinha de galo?

O que deu em Duda Mendonça? Numa crise desse porte, envolvendo dezenas de pessoas, há sempre o risco de que uma delas exploda, caia em dilemas de consciência, pense nos filhos, na posteridade, sei lá o quê. A política está longe de ser só cálculo racional: o que a torna fascinante é o espetáculo das paixões humanas, que sempre dão espaço para o inesperado.

Duda disse à CPI que as campanhas do PT foram financiadas com dinheiro de caixa 2 levantado por Marcos Valério, envolvendo um esquema de lavagem de dinheiro em bancos estrangeiros e paraísos fiscais. Duda chorou. Os deputados da esquerda do PT choraram. O presidente chorou (segundo os jornais). Está mais emocionante do que rinha de galo.

Ok, todo mundo faz caixa 2, todo mundo sonega imposto - vide o apoio da Fiesp a "bonitinha, mas ordinária" Daslu. Ainda assim, convém lembrar que Al Capone foi para a cadeia por causa do imposto de renda. A oposição se vira com as provas que tem.

Com uma linha sucessória que passa por José de Alencar e Severino Cavalcanti, a oposição só fala em impeachment com muita, muita cautela. Mas não descarto a estratégia da sangria: abrir o processo e conduzi-lo com lentidão ao longo de 2006. Sem pressa de completá-lo, apenas para mutilar a campanha à reeleição de Lula.

No meio da confusão, a velha raposa que é ACM ainda aprova o aumento no mínimo para R$384. O Ministro do Planejamento disse que o valor é absurdo e provocará “um rombo nos cofres públicos” – diante das cifras milionárias mencionadas na CPI, soa quase uma provocação.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Enquanto isso, no Chile...



A justiça chilena mandou prender a mulher e um dos filhos do ex-ditador Augusto Pinochet. A esposa foi solta por sua idade avançada (82 anos) mas o rebento do casal continua detido - a Corte de Apelações de Santiago o chamou de "um perigo para a sociedade". A família está sob acusação de fraude bancária, depois que foram descobertas mais de 150 contas secretas de Pinochet no exterior, totalizando quase US$20 milhões. Além do processo por sonegação de impostos, o clã do ex-ditador ainda precisa explicar a origem do dinheiro.

No ano passado, quando estive no Chile para o Fórum Social local, fiquei impressionado com o impacto que as denúncias de corrupção contra Pinochet tiveram na sociedade chilena, em especial nos fãs do ex-ditador. O bom desempenho da economia na ditadura deixou o país com um parcela considerável da população, em torno de 1/3, que continua a apoiar e venerar o general. Mas as acusações de fraude corroeram rapidamente sua imagem, ao ponto de que a nova geração de políticos da direita já faz um esforço para se desvincular de Pinochet.

Essa posição de não tolerância com a corrupção me chamou a atenção. Um rapaz chileno que havia morado no Rio de Janeiro e foi meu guia em Santiago me deu o conselho de jamais tentar subornar um policial, porque os caribineiros eram conhecidos pela honestidade. Com algum esforço, refreei minhas tendências criminosas e não cometi nenhum delito durante minha permanência do outro lado dos Andes. Será que existe mesmo uma cultura anti-corrupção no país? Não sei, mas me pareceu que nesse aspecto o Chile está bem à frente do Brasil.

Um detalhe interessante e promissor do caso Pinochet: uma das principais fontes de investigação foi um dossiê do Senado dos EUA sobre as operações financeiras do ex-ditador no país. A Lei USA Patriot, parte da legislação pós-11 de setembro, abriu novas possibilidades no monitoramento das contas de políticos estrangeiros nos Estados Unidos. Essas informações podem ajudar a justiça em diversos casos - inclusive no Brasil. Quem sabe o Bush ainda nos dá uma mãozinha para botar a turma do Mensalão na cadeia.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Idéias de Moço




Ontem vi na TV a palestra de Roberto Jefferson aos estudantes de Direito da USP. O deputado foi vaiado quando tentou se defender (gritos de “Picareta! Picareta!”) e aplaudido quando criticou o presidente, a quem chamou de preguiçoso por entregar a administração do país a José Dirceu. O que mais me impressionou foi o coro dos estudante, num auditório lotado: “Fora Lula! Fora Lula!”

A Faculdade de Direito da USP é a tradicionalíssima escola que foi criada logo após a Independência. Seus estudantes tiveram participação de destaque em todos os movimentos políticos desde a Abolição e a República. Idéias de moço, dizia um escritor da época. Será que irão iniciar outro? Nestes dias de início de semestre, em que as ruas estão cheias de estudantes levando trote, tenho pensado com esperança no papel que eles podem desempenhar – talvez sejam os catalizadores do movimento de reação à crise, mesmo que a UNE continue a apoiar o governo.

Talvez a grande incógnita para o futuro imediato do Brasil seja saber como irão pensar, votar e agir os jovens que iniciam sua vida como eleitores e cidadãos sob a decepção com o governo Lula. Na minha própria história de vida, foi muito marcante ter começado a me interessar por política com a primeira eleição direta para presidente, e depois participando dos protestos do Fora Collor. Ambas foram experiências que deixaram uma herança positiva, de mobilização, de fazer acontecer.

O que sentirão os adolescentes de hoje? No domingo eu conversava com uma prima de 17 anos, que por coincidência presta o vestibular para Direito, e ela defendia uma ditadura como solução para os problemas brasileiros. Espero que o nível de idéias e de expectativas ande melhor do que isso.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Corações e Mentes


No fim de semana assisti a "Corações e Mentes", de Peter Davis, o clássico documentário sobre a guerra do Vietnã realizado ainda em meio ao conflito e que está de volta ao circuito. Muitos dos meus professores na pós elogiavam bastante o filme e por isso estava curioso para vê-lo. Fiquei um tanto decepcionado. Imagino que deve ter sido uma bomba atômica quando foi lançado, mas 30 anos depois perdeu muito do que tinha de inovador, embora continue a ser um testemunho impressionante do período.

O documentário não tem narrador: a história é contada através da sobreposição de entrevistas com políticos e soldados dos EUA e civis do Vietnã. "Corações e Mentes" é um libelo contra a guerra e as opiniões de seus defensores são freqüentemente desmentidas pela edição. Por exemplo, uma seqüência de vietnamitas chorando desesperados por seus mortos é contraposta por uma declaração do general Westmoreland, que comandava as tropas americanas no país, afirmando candidamente que "os orientais não dão o mesmo valor à vida do que nós."

O filme é muito forte, com imagens de morte, tortura, degradação e destruição - a platéia ficou perturbada em vários momentos. Me pergunto se hoje seria possível realizar um documentário vencedor do Oscar que causasse tanto incômodo nos espectadores. "Ah, mas tem Michael Moore", dirão alguns. Em termos. A obra de Moore tem temas semelhantes, mas a linguagem é muito mais ágil, leve e bem-humorada. Em comparação com o dinamismo pop de "Tiros em Columbine", "Corações e Mentes" tem o peso de um avô um tanto ranzinza ao mundo da MTV.

Outra característica que me desagradou no filme - e que também ocorre nos documentários de Moore - é a manipulação das emoções e opiniões do espectador. Eu gostaria de ouvir as posições das pessoas favoráveis à guerra, para tentar entender porque pensam assim, mas elas são sistematicamente ridicularizadas como ingênuas ou cínicas. Oxalá o mundo fosse tão simples, mas com freqüência pessoas boas tomam decisões ruins, ainda que baseadas nas melhores intenções. Nesse ponto, uma obra de ficção como o romance "O Americano Tranqüilo", de Graham Greene, me diz muito mais sobre os erros dos EUA no Vietnã.

domingo, agosto 07, 2005

Um Ônibus para a América


Há um mês aconteceu uma discussão neste blog sobre se a novela "América" influenciou no aumento do número de imigrantes brasileiros nos EUA. Na semana passada, o Globo Repórter teve como tema a vida dos nossos compatriotas no exterior - o gancho foi o assassinato de Jean Charles pela polícia britânica. Os repórteres do programa mostraram histórias de problemas, trabalho excessivo, dívidas e discriminação, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

Meu irmão acredita que as pessoas caem na ilusão vendida pela novela, de achar que é só chegar em Miami, dançar num balcão de boate e tudo vai se resolver. Para ele, o Globo Repórter foi o resultado de uma crise de consciência da emissora, espécie de "mea culpa" por vender sonhos que não são realizáveis. Eu me mantinha cético: a TV influi no modo de cortar o cabelo ou na escolha da sandália. Mas mudar de país?

Conversei sobre isso com uma amiga que viaja com freqüência aos EUA e ela discordou de mim: "Você não imagina a força que a televisão tem no imaginário das pessoas. O pedreiro que estava fazendo a reforma lá de casa, por exemplo, quer ir para os Estados Unidos por causa da novela.... E ele quer ir de ônibus, porque acha que é logo ali, como São Paulo!"

Bem, e como ele pensaria o contrário? Afinal, se ele assiste ao folhetim, sabe que na América se fala português, tanto entre os gringos quanto entre os mexicanos e os cubanos. Será que devemos mandar a polícia britânica atrás da Glória Perez?

sexta-feira, agosto 05, 2005

Diálogo do Sul


Nos últimos dois dias estive num seminário do Itamaraty e do Ipea sobre o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (IBAS). O palestrante mais importante foi o Nobel de Economia Joseph Stiglitz (foto), que teve cargos de liderança no governo Clinton e no Banco Mundial. Ele destacou o IBAS como a oportunidade para criar uma nova agenda de desenvolvimento para ser implementada pelas organizações internacionais.

Stiglitz acredita que essa articulação diplomática pode resultar em políticas favoráveis aos países do sul no que toca à comércio, finanças, dívida, propriedade intelectual e uso dos recursos naturais. Criticou duramente o governo dos EUA e chamou a atenção para a necessidade de outros indicadores além do PIB, que dêem conta da eqüidade social e da qualidade de vida, relegadas a planos secundários no debate atual. Falou com inteligência e humor, um bom contraste com o John Snow, a quem ouvi na terça-feira, e que tratou apenas da perspectiva usual de liberalização econômica.

No segundo dia os participantes se dividiram em grupos - participei do que discutiu desenvolvimento econômico. Houve boas apresentações sobre microcrédito, mercado de trabalho, fontes alternativas de energia e políticas de combate à pobreza, comparando as experiências dos três países do IBAS. A Índia se saiu melhor, seus representantes tinham resultados impressionantes para mostrar em todos os campos.

Não havia espaço na programação para um encontro de ONGs, mas conseguimos nos reunir nos intervalos das sessões principais. Fiquei responsável por fazer a articulação no Brasil com os representantes da sociedade civil sul-africana. Há boa vontade e entusiasmo de todas as partes, estou na expectativa de que consigamos implantar parcerias e projetos comuns.

Outro ponto muito bom do seminário foi ter visto a nova geração de diplomatas - incluindo amigos e ex-alunos - em ação. O Brasil pode se orgulhar deles, ou ao menos este professor pensa assim.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Absolutamente Inocêncio


Freud explica Posted by Picasa

O esperado duelo entre José Dirceu e Roberto Jefferson foi um anticlímax que pouco acrescentou em termos de informações, a não ser a denúncia envolvendo o governo e a Portugal Telecom.

O melhor momento do longo depoimento de Dirceu à Comissão de Ética da Câmara foi quando o relator lhe perguntou se ele era inocente. Pergunta tão ingênua que desconcertou o veterano deputado:

"Eu me considero absolutamente inocêncio", respondeu Dirceu. Quem diria! Os demônios inconscientes do líder petista o levaram a se comparar ao coronel do PFL, acusado inúmeras vezes de corrupção e de crimes que vão da exploração do trabalho escravo ao desvio de verbas destinadas ao combate à seca.

Jefferson decepcionou quem esperava uma performance arrasadora. Sua declaração mais bombástica foi a de que Dirceu lhe desperta "os instintos mais primitivos". Convenhamos, a frase ficaria melhor num filme estrelado por Alexandre Frota, Rita Cadillac e Fernanda Somaggio.

terça-feira, agosto 02, 2005

Um Defensor de Lula


Nesta manhã assisti à palestra do secretário do Tesouro dos EUA, John Snow. Ele se derramou em elogios a Lula e a Palocci. Foram tantos os cumprimentos que cometi um ato falho nas minhas anotações, e escrevi que Snow defendera a política econômica de "Bush e Palocci".

Snow ressaltou que enquanto a estabilidade macroeconômica for mantida, os Estados Unidos não vêem problemas no que toca à crise de corrupção. Significativo que Washington tenha mandado o titular do Tesouro, e não a encarregada da diplomacia, nesta viagem de apoio ao governo Lula. O eixo são as finanças.

As últimas semanas foram bastante movimentadas nas relações entre EUA e América Latina, com mobilizações contra a emissora de TV criada por Chávez e Kirchner e a nomeação de um encarregado da mudança do regime cubano após a morte de Fidel. O mais importante: foi escolhido o novo diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento e o vencedor foi o colombiano Luis Moreno, que ocupava o cargo de embaixador daquele país junto aos Estados Unidos. Moreno foi um dos criadores do Plano Colômbia e sua única experiência no mercado financeiro, à frente do mexicano Banco do Pacífico, resultou no seu indiciamento por fraude.

Snow o elogiou, dizendo que espera que o BID seja capaz de investir fortemente em infra-estrutura na América Latina, através das Parcerias Público-Privadas (PPP). Obras grandiosas, créditos a juros baixos, pouca transparência... claro que as empreiteiras estão adorando. Inclusive as brasileiras, como mostra meu colega de instituto Carlos Tautz, em seu artigo: "Imperialismo" Brasileiro.

O secretário do Tesouro também destacou a aprovação do acordo de livre comércio dos EUA com a América Central (Cafta), afirmando que o tratado ajudará nas negociações da Alca e da Rodada de Doha, da OMC. O diplomata que presidia a cerimônia, embaixador Botafogo Gonçalves, retrocou lembrando que o Cafta foi aprovado por uma margem muito pequena no Congresso americano, e a própria população estava muito receosa de mais abertura na economia.

De fato, Snow tem enfrentado muitas críticas de sua gestão. Ele substituiu Paul O´Neil, que saiu do governo Bush atirando. Está às voltas com uma dívida pública gigantesca, oriunda da guerra do Iraque e do corte de impostos dos ricos e das grandes empresas, e com o dólar desvalorizado. Mas a economia cresce e ele citou projeções que apontam para uma redução do déficit, de US$400 bilhões para US$300 bilhões, ainda em 2005. Aguardemos.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Nos Braços do Povo


Nos últimos dias a agenda de Lula adotou um caráter bastante popular, como um candidato em campanha. O presidente se concentra em visitas a operários e trabalhadores. Seus discursos ressaltam sua identificação com essa camada social, abusando das metáforas que comparam o país a uma família – o grande pai, evidentemente, é Lula. Um retrocesso de 50 anos na linguagem de esquerda. Parece que não existiram os movimentos sociais de fortalecimento da cidadania, como a campanha da legalidade, as Ligas Camponesas, as Diretas-Já etc.

Para a platéia popular de Lula, os debates da CPI se passam em Marte. Continuam a apoiar o presidente, a deterioração de sua imagem se dá no meu mundinho de classe média. Afinal, corrupção sempre existiu no Brasil e agora quem está no poder é um homem vindo de baixo. “O povo perdoa a quem se parece com ele”, já observava Joaquim Nabuco há mais de 100 anos.

A outra ponta de apoio de Lula é o mercado financeiro. Fala-se muito na esquerda de atitudes golpistas e conspiratórias por parte da “elite”, mas me parece que as pessoas confundem os colunistas da Primeira Leitura, que preferem um presidente que fale francês, e os líderes do PSDB e do PFL, que querem um lugar no Planalto, com o círculo das altas finanças e das grandes empresas. Para estes, tudo está ótimo: a taxa de juros, o pagamento da dívida, a manutenção do superávit. Talvez lhes seja até melhor ter um governo como o do PT, capaz de conter os movimentos sociais e sindicatos e aprovar reformas como a da previdência.

Em suma, Lula não busca o confronto, como Chávez. Inclusive se afastou da organização partidária e apela cada vez mais a um discurso personalista. A culpa da corrupção seria de elementos no PT e em outros partidos.

Difícil discordar da análise de Cesar Maia: “O objetivo único é conservar o poder num segundo mandato. Para isso, vale tudo. O PT está sendo dilacerado como forma de proteger o mandato do presidente. Em outras palavras, Lula entregou a cabeça do PT na bandeja, para livrar a dele. “
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