terça-feira, novembro 30, 2004

Entreatos

No fim de semana assisti a "Entreatos", o documentário de João Moreira Salles sobre a campanha presidencial de Lula. O filme cobre apenas os momentos em que o então candidato está fora da cena pública, conversando entre amigos, colegas de partido e familiares, daí o belo título.

Como todos os documentários de Salles, é muito bom. Lula aparece no filme como um político habilidoso, talentoso em se expressar, articular consensos, sair de situações difíceis. Inteligente, sem dúvida. Suas análises sobre a política brasileira e a história recente são muito boas. Mas não é um homem culto: não há referências a livros ou filmes, o universo cultural se resume à fábrica, ao partido e ao futebol.

Lula mostra uma visão desencantada da vida operária, fala dela como uma época de pobreza, dificuldade e humilhações - não é surpreendente para um homem que, quando metalúrgico, perdeu um dedo no trabalho e ainda viu a mulher morrer de parto por falta de atendimento médico adequado. O arrivismo pode chocar um pouco, como no deslumbramento pelos ternos.

Todo político bem-sucedido é pragmático e Lula não é exceção. Mas me pareceu um pragmatismo de curtíssimo prazo, de um horizonte temporal que não vai além das próximas eleições. E embora se mostre orgulhoso da trajetória e da base social do PT, também parece disposto a usá-la como moeda de troca em negociações de apoio. Em suma, o candidato prenuncia o presidente. Com suas qualidades e defeitos.

Fiz questão de ver o filme no fim de semana porque viajo amanhã para Brasília, para um evento que irá reunir a cúpula do governo. Passarei os próximos dias numa Conferência Internacional sobre Democracia, Participação Cidadã e Federalismo, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e pela Presidência da República. Vários dos ministros darão palestras e o próprio Lula encerrará o evento, embora eu deva sair um pouco antes de sua apresentação.

Expectativa morna. Minha experiência com autoridades é que elas raramente falam algo interessante, estão presas demais à necessidade de fazer pose e manter as posições oficiais. Ainda assim, sempre é legal estar em Brasília e pretendo rever os bons amigos e amigas que tenho na capital.

segunda-feira, novembro 29, 2004

Revolucao!

Por que os homens se rebelam? O que ocasiona uma revolucao? Cuidado antes de dizer as respostas mais comuns: "pobreza", "desigualdade", "injustica".

O estudo academico de revolucoes eh fascinante, nao soh pelas implicacoes do conhecimento, mas tambem por razoes politicas -- alguns querem promove-las, outros querem evita-las. Mas saber o porque, quando e como acontecem ainda eh fundamental para os dois lados. Tambem nao eh surpresa que durante os anos 60 e 70 este tipo de estudo tenha se tornado extremamente popular por estas bandas. Com a Guerra Fria correndo solta pelo Terceiro Mundo, revolucoes pareciam surgir do nada. Para variar, as duas superpotencias, os EUA e a URSS, procuravam evita-las.

Digo que as respostas faceis sao enganosas porque um monte de tinta foi gasta, os numeros foram analisados e sao poucas as certezas. O seu maior proponente, Karl Marx, tentou dizer que seria na Alemanha ou na Inglaterra, por exemplo -- errou por muito. O maior problema eh que, para cada Revolucao bem sucedida, ha varias que falham. Portanto, para analisa-las, precisamos colocar todas as instancias de revolta. No fim, varios estudos empiricos mostram que nenhum dos tres motivos acima leva a uma revolucao por si soh (o caso brasileiro eh um bom exemplo disso). Para usar uma metafora de Lenin, para que aconteca uma Revolucao, eh preciso "chutar portas apodrecidas".

Apesar de fascinante, o tema estah fora de moda por razoes obvias. Ouvi recentemente que revolucoes sao tao raras que estuda-las equivale a "estudar especies raras de ornitorrinco". Serah que este o fim do estudo de revolucoes?

domingo, novembro 28, 2004

Chamem o Ladrão!

Uma das minhas primas percebeu que vinha sendo roubada no trabalho. A cada dia sumia pequenas quantidades de dinheiro de sua bolsa.

Após algumas investigações, ela descobriu que o culpado era seu chefe.

E ela trabalha no PROCON!

Minha prima agora quer prestar concurso para a polícia civil, seguindo os passos do meu irmão. A vocação familiar para fazer parte dos aparatos repressivos do Estado é impressionante. Deve ter causas psico-patológicas.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Conspirando no Dia de Acao de Gracas

Hoje a noite, os EUA estarao celebrando o dia de Acao de Gracas (Thanksgiving) e milhoes de pessoas voltam as suas casas para o tradicional jantar com a familia, composto por peru assado, pure de batatas, molho de cranberry e, para a sobremesa, torta de abobora. Neste dia, instituido pelos peregrinos que chegaram no Mayflower, os americanos dao "gracas a Deus" por terem sobrevivido a mais um ano, terem tido uma boa colheita e para desfrutar do que colheram antes do inverno chegar.

Nao sou americano, nao celebro Thanksgiving. Alias, sempre achei que a data era ofensiva aos indios que viviam por aqui antes da chegada dos peregrinos. Mas isso nao vem ao caso. Escrevi para dizer que os colegas estrangeiros desenvolveram (para alguns, "inventaram") um tradicao que jah dura tres anos: como gostamos muito da parte que diz respeito a comida, todo Thanksgiving nos reunimos para fazer um jantar perfeito (a la Festa de Babette) e para nos despedirmos depois de um ano estudando juntos (uma especie de jantar de fim de ano antecipado). Isto acontecerah hoje a noite e estarei lah como nao poderia deixar de ser.

Falando em "fechar o ano", curiosamente descobri que no dia 10 de dezembro este antro de comunistas, terroristas, existencialistas, entusiastas de cinema e conspiradores de fim de semana (composto por...bem...o Santoro e eu) estarah completando seis meses de existencia!! Quando iniciamos o blog, a ideia era manter uma conversa ativa pela internet e acho que este pequeno lugar no universo internetico cumpriu o seu papel admiravelmente bem.

No mais, a boa noticia eh que estarei voltando ao Brasil para celebrar a data. Se os ceus nao se opuserem a minha ousadia, voltarei no dia 7 de dezembro a Cidade Maravilhosa. Entao, o Thanksgiving vem a calhar: vou agradecer por um ano bastante movimentado, mas recompensador em termos humanos e profissionais, e pela oportunidade de voltar a comer arroz e feijao daqui a dez dias. Jah estarei mais do que satisfeito.

Por la razón o la fuerza

Encerremos esta seqüência de posts sobre o Chile com comentários sobre forças armadas e democracia. Há algumas semanas o comandante do Exército chileno admitiu publicamente, pela primeira vez, que os militares haviam torturado oponentes políticos durante a ditadura de Pinochet.

As coisas não andam fáceis para o velho general, uma vez que descobriram suas contas secretas no exterior. A direita está escandalizada. Torturar e assassinar, tudo bem. Roubar, não. Ainda assim, o rapaz que nos recebeu contou que numa prova de sua faculdade (Economia na PUC de Santiago) uma questão pedia para defender o ex-ditador das acusações de corrupção e sonegação de impostos.

Mas a Suprema Corte decidiu que, enquanto os cadáveres dos desaparecidos políticos não surgirem, os crimes serão considerados como "seqüestro permanente" (isto é, em andamento), não sujeitos à lei de anistia. Ou seja: os militares que prenderam ilegalmente essas pessoas poderão ser julgados, condenados e presos. Dá para imaginar a revolução que isso será no país, até porque muitos corpos foram simplesmente atirados ao mar, de helicóptero ou avião.

Disse aos chilenos que seu país pode estabelecer um novo padrão no que diz respeito à relação entre forças armadas e democracia na América Latina, incentivando governos como o da Argentina a fazer o mesmo.

Assisti um ótimo debate na TV chilena entre o general James Hill, comandante militar dos EUA para a América Latina, e uma série de jornalistas de vários países do continente. O tema era a nova política americana para as Forças Armadas ao sul do rio Grande. Basicamente, a concentração em ações policiais, como combate ao tráfico.

Os jornalistas afirmavam que os militares dos EUA querem fortalecer a cooperação com seus pares latinos, para ter um canal de influência política alternativa aos governos de esquerda que proliferam no continente - que já foram rotulados de "populismo radical" pelos burocratas da segurança nacional. Não soa tão assustador como "comunista", mas ainda assim mete medo.

O curioso, como admitiu o general, é que o Pentágono tem 1.100 especialistas em América Latina - mais do que o Departamento de Estado. Por la razón o la fuerza, como reza o lema do Exército chileno (ganha um treinamento para marchar em passo de ganso quem adivinhar o que predomina).

quarta-feira, novembro 24, 2004

Confissões de um Demagogo


Um grande homem Posted by Hello


O evento que organizei em Santiago teve como expositor o ex-ministro da Fazenda de Salvador Allende. A vida política e cultural do Chile parece girar em torno de três figuras: Allende, Pinochet e Neruda. O período em que os três viveram seu auge (o presidente se matou no golpe do general e Neruda morreu dias depois, de tristeza, como cabe aos poetas) foi tão marcante para o país que até hoje sua influência continua. Estava preocupado com a possibilidade de que nosso expositor tivesse ficado preso a esse momento, que foi também o ápice de sua carreira política.

Felizmente, eu estava errado. Ele nos encontrou no hotel, algumas horas antes do evento, e conversamos longamente sobre a situação política no Chile e na América Latina. Nosso interlocutor é um homem idoso, afável e sereno, com uma incrível disposição para se abrir ao novo e tentar entender as transformações deste mundo do início do século XXI. Fez uma bela palestra ressaltando que o Chile vem se afastando da América Latina e investindo no Pacífico, mas que há limites para essa política, os laços que unem o país ao continente são muito fortes.

Minha função era apenas cuidar do aspecto organizacional do debate, mas nosso expositor insistiu para que eu também desse uma palestra, porque os chilenos têm muita curiosidade sobre o Brasil. Falei a respeito da política externa de Lula, em especial das articulações com os países em desenvolvimento, e embora elogiasse a iniciativa, expus as críticas das ONGs a certos aspectos desse processo, destacando a agenda alternativa que propomos, como a conferência que realizamos na África há dois meses.

Nunca gostei de pessoas que tratam da política de modo empolado e abstrato, como se o assunto fosse chato e distante da vida cotidiana. Além disso, a platéia era jovem, quase adolescente. Apostei no humor, contei várias anedotas pessoais e apelei até para a demagogia ("Uma boa parte da atual elite política brasileita exilou-se no Chile nos anos 60 e se casou com mulheres daqui. Isso também é integração regional, e fácil de entender, porque vocês chilenas são muito bonitas"). OK, golpe baixo: mas sincero, elas realmente são umas gracinhas. A platéia gostou, ganhei até beijos no final. Da próxima vez, levarei um violão.

Meus exercícios de demagogia continuaram, porque depois do debate dei algumas entrevistas e participei de um debate numa rede de rádios comunitárias da América Latina. Destaquei questões que tinha abordado na palestra, chamando atenção para a importância dos avanços chilenos na questão dos direitos humanos e forças armadas, que podem se tornar um modelo para o continente (falarei mais sobre isso em outro post). Fiquei impressionado com a força do movimento, eram 150 emissoras e cobriram o fórum na base de trabalho voluntário por jornalistas. É um instumento de comunicação valioso, que ainda precisamos conhecer melhor.

Soube depois que Colin Powell deu uma escapada da APEC e passeou por Santiago à noite. Também atirou beijos às chilenas. Pobre país, eu não era o único demagogo à solta! Mas pelo menos não invadi o Iraque e depois posei de santo de bordel.

terça-feira, novembro 23, 2004

Astronautas da APEC


Buuuush! Posted by Hello

A equipe do Ibase tínha um plano para matar Bush. Mas a causa era nobre. Além de livrar o mundo de ser governado como um rancho texano, pretendíamos chamar a atenção para a mais grave crise humanitária dos nossos tempos: a chance do Grêmio e do Flamengo serem rebaixados para a segunda divisão.

Infelizmente, não conseguimos levar o plano adiante. Bush ficou hospedado num porta-aviões dos EUA, no Oceano Pacífico, e só se locomoveu por Santiago de helicóptero. Seus seguranças trocaram tapas com a guarda do Palácio La Moneda e um jantar de gala foi cancelado porque o cerimonial achou que seria constrangedor apalpar senadores e altos funcionários. Além disso, a imprensa se irritou porque num evento Bush preferiu conversar com a presidente das Filipinas em vez de ouvir música folclórica chilena (será que Júlio César gostava de gaitas gaulesas?).

O governo do Chile apostou muitas fichas na reunião de cúpula da APEC, a associação regional do Pacífico, que reúne países como EUA, China, Rússia, Japão, Coréia do Sul. Para o Chile, fazer parte dela é importante para aumentar os mercados de exportação na Ásia. O peixe foi vendido como inserção na modernidade, quase a entrada do país no primeiro mundo. Até aí tudo bem, o problema é que a economia chilena vive da exportação de commodities ou semi-manufaturados: cobre, vinho, salmão e celulose, principalmente. Isso parece mais o século XIX do que a globalização pós-moderna.

O país deve ser a economia mais aberta da América Latina. Cresceu bastante durante a ditadura e os anos 90, mas concentrou renda. Na época de Allende, era um país mais igualitário, com perfil próximo à Argentina. Hoje é uma das dez piores distribuições de renda no mundo. No continente, perde apenas para o Brasil. Triste destino para quem sedia a CEPAL e já foi a vanguarda do pensamento desenvolvimentista na América Latina.

O presidente Lagos decretou feriado durante a APEC e as TVs traziam o logo da reunião, que ocorreu num centro empresarial ultra-protegido nos arredores de Santiago. Houve pouco contato com os delegados da APEC, eles cruzavam a cidade em vans em alta velocidade, freqüentemente escoltadas pela polícia. Pareciam astronautas explorando um planeta estranho, os chilenos reclamaram que a cúpula poderia estar acontecendo na Lua. É um pouco difícil acreditar numa economia moderna que parece uma versão globalizada do apartheid.

Marchando por Santiago


Pedindo clemência... Posted by Hello


Cheguei ao Chile acompanhando um economista que é consultor do IBASE, com a tarefa de organizar um debate do instituto no Fórum Social Chileno, cuidando dos detalhes práticos, pagamentos, burocracia etc. Também fui encarregado de escrever algumas reportagens sobre o evento e sobre a reunião da APEC. Como nosso debate só aconteceu no sábado, tivemos quinta e sexta para passear por Santiago - luxo incomum na agenda corrida do mundo ONG.

Na quinta-feira, fomos recebidos no aeroporto por um rapaz carioca, filho de uma ativista chilena de direitos humanos que se exilara em nosso país durante a ditadura Pinochet. Ele deveria nos levar até o hotel, mas a conversa estava tão boa que ele resolveu matar aula na faculdade de economia para nos acompanhar por um passeio por Santiago. Vimos os pontos turísticos: a plaza de armas, a colina de Santa Lucia, o Palácio La Moneda (emoção forte, estar ali não é brincadeira) e batemos papo sobre o Chile em volta de empanadas e cerveja.

Na sexta, foi a marcha de abertura do Fórum Social Chileno. Não tínhamos uma expectativa muito grandiosa com relação a ela: o Chile é um país pequeno, muito conservador. Imaginávamos encontrar apenas um punhado de militantes. Tívemos uma belíssima surpresa: uma multidão, principalmente de jovens, que fez uma bela passeata, marcada por bom humor e alegria. Os cálculos estão entre 40 e 50 mil pessoas, a maior manifestação política do país em 20 anos, desde o plebiscito que encerrou a ditadura de Pinochet. Pouco para os padrões de outras sociedades latino-americanas (um argentino provocou: "Grande coisa, colocamos um milhão de pessoas em Buenos Aires") mas um marco expressivo além dos Andes.

A marcha foi pacífica e muito bonita. Famílias inteiras participavam juntas, levando até os animais de estimação. Das janelas dos edifícios, as pessoas atiravam papel picado, jatos d´água (estava um sol muito forte) e agitavam bandeiras do Chile. Havia alguns grupos de jovens, com lenços cobrindo o rosto, que de vez em quando pichavam os muros, no que eram repreendidos por respeitáveis senhores de classe média: "Quem vai limpar isso?", "Sei lá, o Bush". Claro que o presidente dos EUA foi o alvo principal dos protestos. Uma revista satírica chilena, a The Clinic, chegou a publicar uma edição especial só com cartazes contra ele - fez grande sucesso.

A marcha terminou numa praça, onde aconteceriam shows, discursos etc. Como já era razoavelmente tarde, eu e meu colega de IBASE fomos almoçar e de lá continuamos a passear por Santiago. Somente horas mais tarde, ao conversar com amigos chilenos, soubemos do que se passou. Pouco depois de sairmos da manifestação, um grupo de jovens partiu para a violência. Arrancaram bancos da praça, destruíram o gramado, atacaram um supermercado das redondezas e saquearam o hotel mais próximo, onde estava hospedada a delegação russa à APEC. A polícia reagiu com carros blindados, tropa de choque e houve um grande confronto. De manhã, havia ocorrido outro semelhante, perto de uma lanchonete onde tomamos café - chegamos a ver os blindados dos carabineros passando por nós em alta velocidade. Em suma, nos livramos por pouco de dois encontros com esses senhores, no mesmo dia.

domingo, novembro 21, 2004

Grupo de Irmaos

Queria agradecer ao Sindico d'O Edificio pela excelente recomendacao a respeito da serie "Band of Brothers". Gosto muito de filmes de guerra e, em especial, a Segunda Guerra Mundial. Ha algum tempo queria assistir a serie, bastante aplaudida quando foi exibida pela HBO e vencedora de uma pa de Emmys e Globos de Ouro. Apos os exames qualificatorios e com um pouquinho mais de tempo, decidi que iria aluga-la e acompanhar as aventuras da Companhia "Easy". Por enquanto, assisti apenas aos quatro primeiros episodios (de um total de dez), mas jah estou viciado pela narrativa -- estou torcendo para que nao acabe depressa.

Eh uma serie respeitavel -- a producao eh realmente impressionante, mesmo os pequenos detalhes foram pesquisados (os uniformes, os carros, os avioes, os tanques, sao todos impecaveis). As cenas de batalha impressionam (o realismo eh do mesmo nivel do "Soldado Ryan") e eh impossivel nao se envolver com os dramas da guerra. Mas incrivelmente, o forte da serie nao estah na recriacao da guerra per se, mas em mostrar com franqueza os sentimentos gerados pela convivencia diaria de uma grupo em situacoes extremas. Rapazes de nao mais de 20 anos se veem de repente na Europa, tomando tiros de alemaes e tendo que confiar sua sobrevivencia a outros jovens com a mesma parca experiencia. A relacao entre os oficiais e os soldados eh tambem bem interessante -- a serie mostra como liderar um grupo nessas condicoes requer presenca de espirito e se baseia em um forte contrato nao-escrito: a obediencia vem da confianca, nao da forca.

Assim como o Sindico, recomendo "BofB" para todos que tenham algum interesse pelo assunto. E volto ao tema do meu ultimo post: o importante nao eh fazer um filme ou uma serie sobre "a guerra", mas sim sobre a natureza humana, "os homens na guerra". E essa eh a principal qualidade de "Band of Brothers".

sexta-feira, novembro 19, 2004

"O taxi vai explodir!"

Escrevo de Santiago, cidade que estou adorando, e depois de dois dias bastante puxados e com algumas aventuras. Meu voo para o Chile saiu as sete da manha, de modo que marquei o radiotaxi para bem cedo, 4h30. Ruas vazias, seguia sem problemas para o aeroporto ate passar em frente ao hospital universitario do fundao.

Comecei a sentir um cheiro parecido com borracha queimada e logo depois saiu fumaca do capo. Pensei "bom, deve ser um problema no motor e o carro vai parar, vou ter que tomar outro taxi". O motorista parou no canto da pista e desceu para examinar a situacao. Logo em seguida, a fumaca atingiu proporcoes dantescas. Olhei para o lado e vi a porta do carona em chamas!

Sendo o instinto de autopreservacao o que e´, levou menos de dois segundos para que eu pulasse para fora do carro, pela porta do motorista, agarrado a minha mochila e a mala, que por sorte estava no banco de tras, e nao no porta malas.

Em menos de um minuto, o taxi estava completamente em chamas. O motorista entrou em estado de choque e conseguia apenas murmurar que precisava pegar os documentos no porta luvas. Eu disse a ele que podiamos nos considerar com sorte por sair sem um arranhao e o puxei pelo braco: "Esse carro vai explodir, vamos sair de perto!".

Arrastei minha bagagem por uns 100 ou 200 metros, ate uma distancia que me pareceu segura. Um outro taxi parou e o motorista perguntou se eu queria seguir viagem. Apos uma cena surreal na qual perguntei o quanto devia e o taxista me respondeu, muito espantado, que nada (OK, mas eu nao podia simplesmente sair sem pagar) entrei no segundo carro.

Teriamos que passar ao lado do taxi em chamas, com um incendio que pegava metade da pista, e com risco de explosao. O taxista, que mais tarde me confessou ter bebido umas a mais, virou para mim e disse "Te segura!". Passamos a cem, e mesmo assim meu rosto ficou muito quente por uma boa meia hora.

O voo foi tranquilo. O unico ponto inusitado foi algum tipo de conferencia de anoes acontecendo algumas fileiras depois de mim. Nunca vi tantos deles juntos. Hoje escapei por pouco de um encontro com a divisao blindada da policia chilena, mas esta deixo para o proximo post.

Morris e Moore, Kane e Trump

Nao existe nada mais chato do que entrar em um blog e ver que um dos caras que o escrevem recomendam o mesmo site pela terceira vez. (In?)felizmente, nao posso deixar de recomendar isso.

Tenho a impressao de que Errol Morris eh o melhor documentarista dos EUA atualmente. Como alguns podem imaginar, esta eh uma declaracao polemica -- "e o Michael Moore?" diriam alguns. O Moore eh mais um polemista do que um documentarista, acho. Seu estilo eh legal, mas eh pouco intrigante. Gosto de documentarios que me deixam pensar nas implicacaoes do que foi dito e tracar minhas proprias conclusoes sobre o que aconteceu. Moore tende as vezes a tratar seu publico com um ar de superioridade que, por vezes, me incomoda.

Morris, ao contrario, raras vezes intervem no que mostra na tela. Mas ele participa o tempo todo, entrevista todos, edita, seleciona o mais interessante das pessoas. Eh um documentarista da natureza humana. Eh tambem eh um homem renascentista: alem dos filmes, produz comerciais (produziu toda a campanha norte-americana da Apple), programas para a televisao (varios documentarios para a PBS, a TVE daqui) e eh um ativista politico (criou uma serie de comerciais para a campanha de Kerry).

Ateh os seus projetos abortados sao interessantes. Atualizada no seu site, estah uma secao em que personalidades famosas discutem grandes filmes. O primeiro da lista eh Donald Trump discutindo "Citizen Kane" de Orson Welles -- mais ironico, impossivel.

Vamos fazer o seguinte -- eu paro de colocar links para o site do Errol Morris, mas os interessados criam um bookmark e passam a visita-lo com frequencia. Que tal?

quarta-feira, novembro 17, 2004

Madredeus em Reflexao

Ha uns tres dias que eu venho ouvindo direto o disco "Antologia" do Madredeus. Ha uma qualidade impressionante na musica que o grupo faz e sempre que eu ouco qualquer coisa deles me bate uma sensacao de felicidade misturada com melancolia. Isso pode parecer meio paradoxal, mas eh esse o efeito que a voz da Teresa Salgueiro tem em mim.

Ultimamente venho pensando muito em como eu reajo as coisas, ando em uma fase extremamente reflexiva, pensando muito sobre a vida, sobre suas ironias, suas incertezas, sobre como geralmente somos folhas carregadas pelo vento enquanto achamos que controlamos o tempo. Quando tentamos olhar de cima e tracar padroes e continuidades, fica muito dificil. Mas o trabalho do cientista eh esse: a partir de aparentes descontinuidades procuramos padroes, formas que duram, leis que operam sob determinadas condicoes. Por incrivel que pareca, o Madredeus sempre me faz pensar nessas coisas.

As pessoas tendem a achar que eu sou um pessimista por natureza. Enquanto estava no onibus ontem ouvindo a musica "O Sonho" do Madredeus, me veio na cabeca a formulacao perfeita do que eu sou: "O fato de ser tao idealista me transforma em um realista."

Aos que estao acostumados com os posts "normais," peco desculpas pelo post reflexivo. Se a vida fosse somente acao sem reflexao estariamos perdidos. E nao estamos.

terça-feira, novembro 16, 2004

O melhor cineasta do mundo?

Assisti ontem à "Má Educação" de Almodovar e adorei. O filme é muito bom, um noir estilo anos 40 plenamente adaptado para os dias de hoje. Um noir com as cores de Almodovar, por assim dizer. Esqueçam a história dos abusos sexuais em colégios católicos: esse é apenas um detalhe numa trama sobre mudanças de identidade, e como sempre no diretor espanhol, sobre o desejo. E embora os protagonistas sejam gays, não é um filme a respeito de homossexualismo. Se os personagens fossem hetero isso não alteraria em nada o desenrolar do enredo.

"Má Educação" é apenas mais um numa seqüência de filmes excelentes de Almodovar - "Carne Trêmula" e "Fale com Ela" para ficar só nos mais recentes. Domínio absurdo da narrativa, da música, das imagens. Fiquei pensando se existe algum cineasta hoje capaz de rivalizar com ele. Acredito que poucos: Zhang Yimou, Scorsese. Que outros vocês sugerem?

De resto, viajo depois de amanhã para o Chile. Vou participar de um seminário do IBASE em Santiago, no Fórum Social Chileno. Nosso palestrante será o ex-ministro da Fazenda do governo Allende. Ao mesmo tempo, ocorrerá no país a cúpula da APEC, bloco econômico do Pacífico, e uma visita de Bush. Em suma, promete ser interessante.


segunda-feira, novembro 15, 2004

Globalizacao do Terrorismo? Ou Terrorismo da Globalizacao?

Hoje tive uma aula interessante que me fez pensar sobre a Historia mundial e mudanca (aquela aula que venho fazendo no Departamento de Politicas Publicas sobre "Globalizacao e Governanca Global"). O tema era terrorismo e ameacas globais a seguranca.

Uma coisa que eu acho engracadissima (alguns diriam tragica) sobre os norte-americanos eh a sua total falta de apreco pela Historia. Depois do 11/09, eles acham que tudo mudou e que o mundo mudou radicalmente. Acham que o terrorismo virou global, que apareceram mais fanaticos, que apareceram atores transnacionais, que boa parte do mundo passou de repente a nao gostar deles, que o Exercito norte-americano nunca torturou ninguem antes de Abu-Ghraib, entre muitas outras "surpresas" e "novidades".

Meninos e meninas, tenho noticias: Nao mudou coisa nenhuma -- nao ha absolutamente NADA de novo sobre a situacao pos-ataques. "Terrorismo" existe desde o Imperio Romano e em varias ocasioes a atuacao de militantes foi global (alguem se lembra do movimento anarquista, por exemplo); fanaticos o mundo sempre teve -- aos montes; atores transnacionais -- que tal o comunismo?; a America Latina (soh pra ficar por ahi) jah nao gosta muito dos EUA ha algum tempo...; quanto a tortura, bem...tres letras: CIA.

"Mas BB, outras coisas mudaram." Bom, tem a internet, diriam alguns. Mas acho que culpar a internet por problemas politicos no Oriente Medio e na Asia Central eh um pouco de exagero. Talvez o petroleo e a geopolitica tenham algo a ver com o problema...

Varios alunos ficaram assustados quando falei tudo isso. Mas tenho pensado ultimamente no que realmente mudou depois do 11/09 e fico abalado por nao saber exatamente o que. Confesso que tenho esse germe cetico implantado em meu cerebro, algo realista, algo cinico. Quando comecam a me dizer que as coisas mudaram muito, me vem imediatamente na cabeca o Fabrizio: "Mas titio, as vezes precisamos mudar para que as coisas continuem as mesmas..." Talvez essa seja a logica global do pos-11/09.

domingo, novembro 14, 2004

Viagem pelo Cinema Americano

Na Folha de S. Paulo deste domingo há uma resenha de "Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano", livro em que Martin Scorsese faz um balanço de 100 anos de filmes nos EUA - é a versão impressa de uma série de TV que ele apresentou e foi inclusive exibida no Brasil.
Os trechos comentados pelo jornal dão água na boca e a série era bem interessante.

Sérgio Rizzo, o resenhista, comenta que Scorsese aborda poucos filmes recentes - nenhum nos anos 80 e apenas "Os Imperdoáveis" nos anos 90. Rizzo se pergunta: "Todos os bons filmes americanos já foram feitos?". Isso me fez pensar nos comentários ao post sobre a suposta morte do cinema de autor nos EUA.

Acho que ele sofreu um baque violento, mas ainda existem nos Estados Unidos criadores capazes de dar um inconfundível toque pessoal a seus filmes - Woody Allen e o próprio Scorsese, por exemplo. De uma leva mais recente, penso em Spike Lee e no ótimo desempenho de Clint Eastwood como diretor - "Sobre Meninos e Lobos" é um dos melhores a que assisti no ano passado.

Ainda assim, o cinema que hoje realmente me fascina é feito em outros países. A Argentina fervilha com um ciclo extraordinário de bons diretores. Cineastas da Europa e da China, como Pedro Almodóvar ou Zhang Yimou estão no topo do talento. Com todo seu estrelismo, Lars von Triers também tem produzido dramas interessantíssimos, como "Dogville". Enfim, ao menos no cinema, o declínio do império americano está para lá de avançado. Pena que não em Falluja.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Easy Riders, Raging Bulls

Era uma vez um país em crise, dividido por conta de uma guerra injusta, sacudido por tensões raciais, por uma revolução nos costumes e na sexualidade e por um brutal conflito de gerações. Os grandes estúdios de cinema amargavam prejuízos e perdiam o público jovem. Resolveram então apostar numa nova leva de diretores e roteiristas, que injetaram ânimo, vitalidade e ambições de independência e autonomia para produzir filmes como “Sem Destino”, “O Poderoso Chefão”, “Taxi Driver”, “Touro Indomável”, “A Última Sessão de Cinema” etc.

Essa história, imperdível para quem gosta de cinema, é o tema do documentário “Easy Riders, Raging Bulls”, em exibição no GNT. Deixando de lado a questão de onde foram parar os tradutores do canal, é um programa inteligente, bem-humorado, esperto cheio de anedotas curiosas sobre Spielberg, Scorsese, Coppola, George Lucas, Denis Hopper, Richard Dreyfuss, Roger Corman, Warren Beaty, entre outros.

O subtítulo - “how the sex, drugs and rock and roll generation saved Hollywood” - diz muito sobre o enfoque, que pega principalmente o período entre 1968 e o fim dos anos 70, um dos mais ricos e criativos do cinema dos EUA. O filme defende a idéia de que essa safra teria morrido com o surgimento dos blockbusters como “Tubarão” e “Guerra nas Estrelas”, que explodiram as bilheterias e encerraram a breve era dos “filmes de autor”.


quarta-feira, novembro 10, 2004

Um Dia na Vida

Ontem recebi um e-mail de um amigo argentino que participou comigo de um programa de intercâmbio na Itália. Ele agora vive no Rio, faz mestrado no IPPUR e namora uma amiga minha, brasileira, que também estava na bolsa e por acaso é irmã de um ex-colega de trabalho. Na mensagem, falou de projetos sociais nos quais está envolvido, acreditando que interessariam ao IBASE (estava corretíssimo). E me convidou para assistir a uma palestra que fez hoje pela manhã, num seminário sobre condições de trabalho organizado pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Dei aula de manhã e depois fui para o seminário. Meu amigo apresentou uma pesquisa sobre empresas recuperadas, isto é, fábricas semi-falidas na Argentina que foram ocupadas por trabalhadores, que passaram a administrá-las. Isso começou a acontecer no início dos anos 90, mas se multiplicou depois da quebradeira de 2001. Alguns dos casos são muito interessantes, na medida em que as empresas mudaram de produção para se adaptar ao novo contexto social na qual passaram a operar.

Almocei com o pessoal do seminário e começamos a articular uma colaboração com o projeto de diálogo sul-sul do IBASE - o IPPUR montou um grupo de pesquisa sobre movimentos sociais nos países em desenvolvimento, focando em África do Sul, Índia e Tailândia. Trocamos experiências sobre o que rola mundo afora, os uruguaios cheios de expectativa com a eleição de seu novo presidente. O diretor do CLACSO queria pagar meu almoço como se eu fosse conferencista do seminário, mas o generoso tíquete-refeição do IBASE me permitiu recusar a oferta, as ciências sociais na América Latina não estão com grana para desperdiçar.

De lá segui para a PUC, onde fui dar uma entrevista no canal da TV universitária. O programa era sobre voluntariado e a apresentadora me pediu para distinguir esse tipo de envolvimento do assistencialismo. Respondi baseado no Putnam, a importância da participação social, etc. O curioso foi que ela perguntou sobre a missão institucional do IBASE - fortalecer a democracia - querendo saber como isso se dá na prática. Tive que me segurar para não rir, porque entre nós, no instituto, é sempre motivo de brincadeira os objetivos para lá de ambiciosos do nosso querido local de trabalho.

No bloco em que participei falou também a coordenadora de um projeto comunitário da PUC chamado Unicom. Depois de nós entraram duas professoras do Serviço Social que se espantaram conosco: "Meu Deus, mas como eles são jovenzinhos"; "Puxa, mas que bom, legal ver a juventude envolvida". Elas sorriram e eu também, parecia cena de musical. Mesmo neste mundo de bowling alone, a gente ainda consegue viver momentos Broadway.

A Batalha de Fallujah

Assim que as ultimas urnas fecharam na noite do dia 2 de novembro, os marines jah estavam a postos nos arredores da cidade de Fallujah para promover um ataque "decisivo" contra as forcas de guerrilha iraquianas. Enquanto escrevo este post, a batalha segue incansavel -- com os americanos vencendo pelas ultimas noticias das agencias internacionais.

Enquanto a guerra do Iraque transforma-se cada vez mais em um novo Vietnam, algumas questoes sao centrais: "conquistar" o tal triangulo sunita vai adiantar alguma coisa? Uma boa maneira de se perder uma guerra eh se concentrar nos detalhes enquanto o grande esquema vai se decompondo.

Um dos argumentos que ouco repetido a todo momento como uma forma de consolo pela derrota democrata eh que a vitoria dos republicanos deixa-os sem ter para onde fugir. A responsabilidade pelo resultado do debacle no Iraque eh totalmente deles. E, a medida que o tempo passa, as opcoes diplomaticas para essa crise diminuem profundamente. As forcas armadas norte-americanas estao tao comprometidas no Iraque, que vejo poucas possibilidades no futuro proximo de outras intervencoes militares. E, se eu fosse um moleque americano na faixa dos 16-25 anos estaria com medo. Muito medo.

terça-feira, novembro 09, 2004

Previdencia Social

Durante a campanha presidencial, Bush mencionou diversas vezes o seu plano para privatizar a previdencia social norte-americana ("Social Security"), criada pelo democrata Franklin Roosevelt na esteira do "New Deal". Para quem nao sabe como eh importante, o "Social Security" aqui eh tao profundo que funciona como uma especie de certificado de cidadania -- para conseguir um cartao de credito ou preencher qualquer documento oficial, o seu numero de identificacao no programa eh exigido.

Claro que Bush nao usa esses termos ("privatizacao"), mas sim algo que podemos traduzir como "sociedade de propriedade" ("ownership society") para resumir o seu plano de acao nesta area.

Jah estou cansado de discutir sobre as eleicoes norte-americanas (pelo menos por enquanto), mas resolvi escrever algo a respeito da previdencia social americana porque li um texto interessantissimo na New Yorker que trata do assunto e que, de alguma maneira, resume muito bem os argumentos dos dois lados do debate sobre o futuro da previdencia social. Esta discussao interessa ainda mais porque se aplica bem ao Brasil e as nossas preocupacoes sobre a reforma da previdencia e do tipo de auxilio da sociedade que queremos quando envelhecermos. Acho tambem que o tema fala diretamente com o topico do Mauricio sobre a progressiva desarticulacao da solidariedade e confianca na populacao dos EUA.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Boliche Sozinho

Sábado, início da noite, chuva fria caindo. Estava sozinho em casa quando a campainha tocou. Fui até a porta e era uma mulher de meia idade, com uma garotinha. Bem-vestida, branca, aparência de classe média. Ela diz que mora na rua do Riachuelo, ao lado da minha, e que acabara de perder uma filha. Precisava de ajuda para deslocar o corpo do bebê até o cemitério do Catumbi. Ela falava muito calmamente - talvez até demais. Não entendi ao certo o que pedia: dinheiro? Uma carona? Disse a ela que não compreendia, ela se irritou e foi embora. Continuei confuso. A Riachuelo é uma rua movimentada, com muito comércio. A minha é uma rua residencial, quase deserta à noite. Por que pedir ajuda nela?

Minhas desconfianças e hesitações ilustraram de maneira clara o tema do livro que li durante o fim de semana, "Bowling Alone - the collapse and revival of American community", de Robert Putnam. Ele é um dos cientistas políticos mais importante dos EUA e o livro provocou um grande debate no país ao tratar do modo como os cidadãos estão se tornando mais isolados, deixando de participar da vida comunitária e associativa, seja em associações de pais e professores, reuniões de vizinhança, sindicatos, ou mesmo clubes de boliche - daí o título poético, incomum em estudos acadêmicos.

Putnam ajudou a popularizar o conceito de "capital social", que procura analisar a interação e contatos entre pessoas. Ele está intimamente ligado à confiança. Você acredita em seus vizinhos? Está disposto a fazer pequenos favores por eles (e vice-versa?). A tese é de que onde o capital social é mais forte, tudo prospera: a democracia, a economia, a qualidade de vida. Nos locais em que ele é fraco, a sociedade degenera num estado de suspeita, onde as pessoas relutam em se importar com qualquer coisa além da esfera privada da família e dos amigos. Esperam que o Estado faça o serviço por elas.

Soa familiar? Não é para menos, nas pesquisas internacionais o Brasil aparece como um dos países com menor índice de confiança - nas pessoas e nas instituições. Que o diga a senhora que bateu em minha porta na noite de sábado e não recebeu ajuda.

domingo, novembro 07, 2004

Guerra nas Estrelas

Gente da minha faixa etaria tem fixacao pela trilogia inicial da saga de "Guerra nas Estrelas". Me lembro de como "O Retorno de Jedi" me impressionou e de como eu achava que nao podia haver nada mais assustador do que o Darth Vader.

Anos depois, quando eu jah estava na Universidade, George Lucas decide "completar" os filmes e lancar mais tres. Putz, que decepcao. Os complementos aos primeiros filmes foram ridiculos e os novos filmes foram a maior enganacao da historia do cinema, na minha sincera opiniao (apesar de achar que o Episodio II foi melhor do que o I). Alguem mais riu quando o Yoda comecou a lutar contra o mago Saruman usando um sabre de luz?

Agora, aparentemente, o Episodio III estah a caminho. Mando aqui o link para o trailer (.mov) que acabou de estrear nos cinemas americanos.

No fim, soh perdoo o George Lucas por tres coisas: (1) ter cedido os direitos de filmagem do roteiro de "Apocalypse Now" para Coppola na decada de 70; (2) ter vendido a Pixar para o Steve Jobs na decada de 80; e (3) ter botado dinheiro na trilogia do "Indiana Jones". E tenho dito.

sábado, novembro 06, 2004

Cryptonomicon

Depois de passar por meses sem ler quase nada que nao fosse relacionado a Ciencia Politica, prometi a mim mesmo que assim que isso tudo terminasse, precisaria ler alguma coisa para a "descompressao". Nada que fosse muito serio ou literario, mas pura diversao sem culpa. Entao peguei um livro que estava na minha estante ha algum tempo esperando para ser lido.

O livro eh "Cryptonomicon", de Neal Stephenson. Por que esse livro? Acho que o livro apresenta alguns dos meus temas favoritos em uma soh historia maluca: Segunda Guerra Mundial, criptografia, internet, hackers, personagens historicos misturados com personagens ficcionais, cultura asiatica, tesouros escondidos, piratas e agentes secretos (eh, eu sei, mais maluco impossivel).

O livro eh um calhamaco de 1200 paginas, mas desde ontem de tarde, devorei facil 170. Bom sinal. Estou me divertindo pra caramba. Se eu tiver tempo no futuro, vou tentar ler seus novos livros sobre o Newton e Leibniz ("The Baroque Cycle"). Se eu tiver tempo...

sexta-feira, novembro 05, 2004

A Arte da Derrota

The art of losing isn´t hard to master
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster

of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn´t hard to master.

Elisabeth Bishop, “One Art”

A eleição de Bush é uma derrota violenta para todos os ideais políticos em que acredito. Não apenas no diz respeito às relações internacionais, mas também na separação entre Estado e religião. Os jornais nos indicam que questões como a proibição do aborto e do casamento gay foram fatores decisivos no apoio da “América profunda” aos republicanos, os tais valores morais citados pelos eleitores como principal causa da escolha de Bush.

Aparentemente, a Casa Branca foi ganha graças a um grupo de caipiras mais preocupados em regular a vida sexual dos vizinhos do que com o rumo da economia e da guerra no Oriente Médio. Como Pedro Doria escreveu no NoMínimo: “Mas talvez pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, o ideal americano descolou-se do ideal de civilização do resto do Ocidente. Os EUA não representam mais o mundo criado pelo Iluminismo. São outra coisa, outro mundo, outra gente.”

Tenho me perguntado o que posso aprender dessa derrota. Conversamos muito sobre isso no trabalho, tanto nos papos informais no corredor quanto nas reuniões a respeito de projetos e eventos. Nosso diretor acha que a esquerda pode levar 20 ou 30 anos para oferecer uma plataforma política alternativa. Digo que pode ser uma boa oportunidade para promovermos um aggiornamento de nossas crenças, abandonar dogmas e pensamentos ultrapassados, renovar nossa linguagem para se adaptar a um mundo que se transforma rapidamente. Perder é uma arte como outra qualquer.

É preciso também conhecer melhor a nova direita americana. Quem são eles? O que pensam? Como se articulam? Pensemos, por exemplo, na influência das rádios conservadoras, de talk shows como o de Rush Limbaugh. Não adianta ficarmos eternamente presos a Chomsky ou Michael Moore, nossa necessidade é mapear o terreno do adversário, saber onde estão seus pontos fracos e suas linhas de fissura.


Carta Aberta aos Amigos

Caros,

Acabo de passar na prova oral. A emocao eh enorme e agradeco de coracao a todos que torceram e me apoiaram no processo.

Voces merecem uma salva de palmas.

Um enorme abraco,
BB
(agora Mestre em Ciencia Politica/Candidato Oficial ao PhD pela Duke University)

quinta-feira, novembro 04, 2004

Ainda as Eleicoes

Aqui reproduzo uma entrevista publicada ontem n'O Globo com nosso conspirador de plantao, Joao Daniel. Concordo com quase tudo -- no entanto acho que alem de votar com medo, o americano votou em "valores morais" (para eles uma mistura de fundamentalismo cristao e obscurantismo social).

***

Terror e guerra pesaram mais no voto americano, diz analista

Denise Marinho, Globo Online

RIO - As eleições presidenciais dos EUA registraram um comparecimento recorde às urnas. Mas em que pensava o eleitor americano na hora de votar: na política externa. Esta é a opinião do professor de Política Externa Americana, João Daniel Lima de Almeida, do Instituto de Relações Internacionais, da PUC-RIO.

- Os americanos foram votar com medo. Como essa foi a primeira eleição desde o 11 de Setembro e em meio à guerra, ao meu ver, eles acharam que (o democrata) John Kerry não era um líder à altura dessa tarefa internacional - disse ele, em entrevista ao GLOBO ONLINE.

Apesar de a Casa Branca considerar George W. Bush reeleito, ainda falta apurar os votos de Ohio, estado que com 20 delegados no Colégio Eleitoral, ainda pode mudar os números e dar e tornar o democrata John Kerry o próximo presidente dos EUA.

GLOBO ONLINE: A Casa Branca foi precipitada ao anunciar a reeleição de George W. Bush quando a eleição não está definida em Ohio?

Profº JOÃO DANIEL LIMA DE ALMEIDA: Com os resultados provisórios, mas quase definitivos, Bush já venceu nos principais estados. Ele venceu Flórida, e tudo indica que irá vencer em Ohio, então, com isso, ele seria o novo presidente no colégio eleitoral.

Além disso ele teve uma vitória expressiva do ponto de vista do voto popular, isso o legitima. Ao contrário do que aconteceu em 2000, a legitimidade dele não é mais questionada. Ele foi eleito pelo povo americano. Acho que é uma avaliação razoável a Casa Branca.

GLOBO ONLINE: Em que o eleitor americano mais prestou atenção ao votar para presidente este ano?

Profº JOÃO DANIEL: Na política externa. Desde a eleição de (Jimmy) Carter, (presidente democrata de 1977-1981), a política externa não vinha tendo um peso tão grande em uma eleição. A política externa foi essencial para a vitória do Bush, se tivesse sido a questão da economia, da geração de empregos, ele teria sido derrotado.

Além disso, há o fato medo. Eu acho que (o vídeo do líder da Al-Qaeda, Osama) Bin Laden ajudou um pouco nisso e o fato é que os americanos foram votar com medo.

GLOBO ONLINE: O candidato independente Ralph Nader atrapalhou os democratas este ano também?

Profº JOÃO DANIEL: Não acho que Nader atrapalhou os democratas. É só ver que nos estados importantes como Ohio e Flórida, John Kerry não venceria com os votos de Nader.

GLOBO ONLINE: Os resultados apontam para uma reeleição de Bush em uma nação dividida, mas onde os republicanos dominam as duas casas do Congresso. O que se pode esperar de um segundo possível governo Bush?

Profº JOÃO DANIEL: O Senado e a Câmara são suportes que o presidente tem que levar em consideração. Se John Kerry tivesse sido eleito, o governo dele seria muito complicado. O presidente Bush tem agora uma margem muito maior agora. Há duas previsões possíveis entre os analistas internacionais: a de que o Bush vai aquietar-se ou, por causa de sua legitimidade popular, vai tomar medidas mais ousadas.

Eu acredito na segunda hipótese, até por causa do vice-presidente de Bush, Dick Cheney. Tradicionalmente na política americana, em um segundo mandato, o vice-presidente tem uma força maior porque ele é o possível sucessor do presidente. Então, o presidente leva mais em consideração as opiniões de seu vice. Mas não é esse o caso.

Nessa eleição, Cheney não se destacou, ele é fraco politicamente, não tem apoio popular e é um homem doente. Ele não vai ser candidato à sucessão de Bush. Eu acho que Bush ouvirá mais a (assessora de Segurança Nacional) Condoleezza Rice, que ele já ouvia. Ela vai sair fortalecida. O secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, vai sair e eu tenho quase certeza de que ela assumirá a pasta.

GLOBO ONLINE: Voltando à questão do que se pode esperar de um possível segundo mandato Bush, o que o senhor considera ousadia?

Profº JOÃO DANIEL: Vai haver uma ousadia internacional ainda maior, com guerra preventiva, maior déficit interno e corte de impostos. O Irã pode ser a "bola da vez", a Coréia do Norte ainda não. Mas há fatos por trás disso que precisam ser considerados, como questões econômicas, décifit do Estado e o alistamento militar obrigatório para se travar três guerras ao mesmo tempo.

GLOBO ONLINE: O senhor acha que Bush possa reintroduzir o alistamento militar obrigatório?

Profº JOÃO DANIEL - Acho muito difícil. O alistamento militar obrigatório é uma medida muito impopular, mas por outro lado Bush não tem muito a perder Ele já fez várias promessas que não cumpriu. No segundo mandato, se for o caso, por exemplo, de um novo ataque terrorista aos EUA, ele tem legitimidade e apoio no Congresso para adotar medidas impopulares e passá-las ao povo americano como medida necessária. Mas eu não acredito nisso.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Marcha Imperial

Escrevo com os sites de notícias dando a vitória de Bush. Permanece a indefinição quanto à situação em Ohio mas Kerry já teria reconhecido a derrota em telefonema ao presidente reeleito. Minha chefe me ligou de São Paulo (onde discute a crise no Fórum Social Mundial, que talvez saia de Porto Alegre por conta da derrota do PT na cidade) e pediu para que eu acrescentasse uma análise das eleições americanas num projeto que discutiremos amanhã com financiadores alemães. Trata-se de um ciclo de seminários, já realizamos quatro este ano. Vínhamos discutindo a hipótese de incluir os temas do terrorismo e da guerra e agora me parece que isso se tornou urgente.

A maioria das pessoas com quem converso acredita que os americanos foram manipulados e enganados para eleger Bush, no contexto da “cultura do medo” pós 11 de setembro. Claro que a propaganda fez seu efeito, mas temo que a resposta seja mais assustadora. Há muitos americanos que realmente acreditam nas idéias defendidas pelo presidente. Não foram logrados. Votaram sabendo muito bem o que querem.

Se olharmos os momentos de belicismo e nacionalismo extremado de outras grandes potências – Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Japão – veremos que todos contaram com amplo apoio popular, mesmo quando não haviam sofrido um ataque do porte daquele perpetrado por Bin Laden. Os pacifistas são em geral minoria, pelo menos a princípio, até que fileiras de caixões comecem a aparecer. A ideologia legitimadora da expansão pode assumir a forma de “guerra contra o terror”, “missão civilizatória”, “fardo do homem branco”, “defesa da fé” (ou da democracia e dos direitos humanos, esses credos seculares). Pouco importa. Os EUA não são diferentes nesse aspecto de outros países.

No fim da minha tese de mestrado sobre a política externa de Bush, escrevi que a diplomacia americana alternava ciclos de poder duro (força militar) com medidas moderadas envolvendo pressões político-econômicas e instituições internacionais. Contudo, o dado fundamental é a ausência de uma superpotência rival que possa conter as possibilidades de ação dos EUA. Nas palavras do cientista político Stephen Walt: “Grande poder pode ou não corromper, mas ele certamente é uma tentação; e auto-restrição não é uma virtude cardeal dos Estados Unidos. “ Ou de qualquer grande potência.


terça-feira, novembro 02, 2004

Dia de Finados

O dia 2 de novembro tem um significado muito especial no Mexico. O famoso "dia de los muertos" eh celebrado com muita festa, comida e alegria -- com um sentimento positivo por aqueles que se foram e pela graca de estarmos vivos, apesar de sabermos que eh apenas temporario e que, um dia, encontraremos novamente aqueles que amamos um dia e se foram.

O dia dos mortos tambem eh o dia das eleicoes norte-americanas. Especialmente no dia de hoje, o futuro do mundo estah nas maos de 100 milhoes de norte-americanos que se mobilizarao para votar. A democracia global nao eh aberta para todos -- tal qual o sistema de voto censitario, em que apenas uma oligarquia com posses tinha o poder de definir o futuro da maioria da populacao. Conversando com o Mauricio por e-mail, chegamos a conclusao de que o mundo atual parece muito com o mundo dos anos 30 e estamos muito preocupados com o que acontecerah, qualquer que seja o resultado da eleicao na superpotencia unica.

Sejamos um pouco como os mexicanos nesta data. Celebremos o pouco que alcancamos, a graca de estarmos vivos, a garra para continuar sobrevivendo. Que isso nao seja piegas, mas que seja genuino, de coracao.

O mundo, mais do que nunca talvez, precisa que sejamos otimistas e que pensemos em "cultivar nossos jardins" com entusiasmo e vontade de contribuir para o bem comum, qualquer que seja ele.

Os pequenos atos de coragem e perseveranca mudarao o mundo. Que o proximo dia 2 de novembro seja melhor do que o dia de hoje e assim sucessivamente.
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons License. Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com