domingo, outubro 31, 2004

Espiões e Bons Filmes

No sábado fui tomar um café com alguns alunos, que acabaram de ser aprovados no concurso para a Agência Brasileira de Inteligência (meu irmão não conseguiu). Conversamos sobre suas expectativas, as preocupações relativas à ida para Brasília e também sobre o lado inusitado. O Correio Braziliense tem um fórum para concursos, que inclui a Abin, e os candidatos aprovados entram em discussões surreais sobre a carreira de espião. Meu favorito é um sujeito de Viçosa que se assina como Jack Bauer (da série 24h). Nossos arapongas são muito mais criativos que os outros.

Tive um bom número de alunos aprovados para a Abin. A matéria do concurso é semelhante a do Itamaraty, só que com um grau de exigência menor. Quer dizer, quem se prepara com seriedade para ser diplomata passa sem grandes dificuldades. A piada entre os professores é que a qualquer momento a agência vai bater lá no curso, querendo saber o que está por trás desse celeiro de espiões. Agüento durante uns 15 minutos (menos, se ameaçarem mexer na minha biblioteca), depois invento uma história qualquer.

Aproveito o feriadão para curtir bom cinema. Assisti a mais um ótimo filme argentino, "O Abraço Partido". É a história de um rapaz obcecado com o pai, que abandonou a família para se alistar no exército israelense. Poderia ser um dramalhão, mas é uma comédia leve e com um tipo de sensibilidade que lembra o trabalho dos mestres italianos, como Ettore Scola ou Mario Monicelli. Sem dúvida, muito se deve ao ambiente: uma galeria de pequenos comerciantes em Buenos Aires, que mistura judeus, italianos, coreanos, enfim, uma grande rua da Alfândega. Roteiro primoroso, excelentes atores, humor sarcástico. O filme recebeu vários prêmios, inclusive no festival de Berlim, e aposto nele como forte candidato ao Oscar.

Também conferi o documentário "Língua - vidas em português", no qual aliás trabalhou uma aluna minha. Reforça minha impressão de que o melhor cinema que se faz hoje no Brasil é justamente na área de não-ficção. Temos neste filme um belíssimo passeio pelo mundo da lusofonia - Goa, Moçambique, Portugal e, claro, Brasil, incluindo os emigrantes no Japão. Há entrevistas com famosos (Saramago, Mia Couto, Martinho da Vila, João Ubaldo, Madredeus) e anônimos, que em geral são bem mais interessantes. Senti falta apenas de presença mais forte dos angolanos, em particular de José Eduardo Agualusa, que para mim é hoje o grande escritor da língua portuguesa.

sexta-feira, outubro 29, 2004

Deixa Estar

Anteontem, conversando com um colega do Departamento, ele me disse "Bruno, estou me desfazendo de alguns CDs. Voce quer dar uma olhada pra ver se nao quer alguma coisa?" Eu, claro, aceitei na hora. Especialmente CDs de graca, eu aprecio muito. Ele me mostra os CDs e nao tem muita coisa interessante: alguns Bruce Springsteen, alguma coisa de blues e muita musica country.

Entretanto, perdido no meio de tudo, eis que encontro o "Let it Be" do Beatles na versao nova ("Naked"). Opa, Beatles interessam. Pergunto pra ele porque estah se desfazendo do disco e ele me diz que ganhou de presente, nunca trocou e ficou jogado em casa. Ganho entao um CD quase novo dos Beatles.

Eh dificil discutir sobre os Beatles -- todo mundo conhece e todo mundo tem alguma opiniao sobre eles, todos tem o seu Beatle preferido, afinal sao mais populares do que JC. Como milhares de pessoas, comecei a ouvi-los por causa dos discos dos meus pais, representantes da geracao anos 60. "Let it Be" sempre foi um dos meus preferidos, mesmo com as versoes acucaradas de algumas musicas. Mas o que dizer de "Get Back", "The Long and Winding Road", "Across the Universe" ou "Let it Be"?

Sem palavras. Mas o que me impressionou de verdade foi como essas musicas nao envelheceram e como as novas versoes, usando a filosofia do "quanto menos, melhor", melhoraram (!) consideravelmente (!!) as versoes anteriores. Sei que eh totalmente bobo dizer isso, mas vale muito a pena ouvir essa nova versao. Recomendo fortemente.

Khadji-Murát

Um império trava uma guerra num país distante, de religião muçulmana, e enfrenta ataques guerrilheiros da resistência local. Iraque? Afeganistão? Chechênia? Sim, Chechênia. Mas não a atual, e sim a de meados do século XIX, descrita pela pena de um escritor que lutou as guerras do Cáucaso, o conde Liev Tolstói. "Khadji-Murát" é uma pequena novela, de pouco mais de 100 páginas, que conta a vida e a morte de um líder checheno. Achei-a por acaso, na Saraiva, enquanto procurava por outros livros.

O enredo é simples: Khadji-Murát tem uma rivalidade de morte com outro checheno, que aprisionou sua família. Ele se bandeia para o lado dos russos, tentando conseguir que eles resgatem suas mulheres e filhos. Mas o império desconfia de seus motivos e o mantém sob vigilância, até o conflito final. O padrão de rivalidades tribais e disputas internacionais não mudou tanto assim no Oriente, provavelmente tramas semelhantes estão se desenrolando em Cabul, Falluja ou Bagdá.

Sendo Tolstói quem é, as descrições dos personagens e dos ambientes são magnifícas. Somos levados de uma cavalgada nas montanhas caucasianas ao Palácio de Inverno em São Petersburgo - o czar Nicolau I é retratado como um homem autoritário, mesquinho e degenerado. Os oficiais do Exército russo na Chechênia aparecem como anti-heróis, mais dignos de pena do que qualquer outra coisa: bêbados, arruinados por dívidas, ou simplesmente aristocratas indolentes disputando prestígio e glória em guerras distantes para ganhar pontos na Corte.

Também vamos ao interior das cabanas nas montanhas e a empatia que Tolstói sente pelos chechenos e outros povos do Cáucaso é evidente - o ex-oficial do Czar se tornou um pacifista convicto. Às vezes o mesmo episódio, como a destruição de uma aldeia, é retratado do ponto de vista dos dois lados do conflito. Para os russos, é apenas uma patrulha de rotina. Para seus inimigos, a experiência é outra:

"Ninguém falva sequer do ódio aos russos. O sentimento que experimentavam todos os chechenos era mais forte que o ódio. Não odiavam, mas simplesmente não reconheciam aqueles cães russos como homens. Era uma sensação de asco e estupefação ante a crueldade absurda daquelas criaturas, e o desejo de destruí-las, a exeplo do desejo de destruir os ratos, as aranhas venenosas e os lobos, era um sentimento natural como o instinto de conservação."

Dever Cumprido -- 2a parte

Uma excelente noticia para os amigos: passei nas duas provas escritas que fiz. Recebi o resultado oficial hoje a tarde. Jah sabia extra-oficialmente sobre a prova de Relacoes Internacionais -- um professor tinha me dito cripticamente que eu nao devia "me preocupar em nao passar" na prova de RI.

Agora soh falta a prova oral no dia 5 de novembro. Continuem na torcida, estamos quase lah.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Carter no David Letterman

Na segunda meu irmão me chamou para assistir à entrevista do ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, no programa de David Letterman. Me impressionou pela inteligência, bom humor e coragem. É raro ouvir um político desse calibre afirmar que a guerra do Iraque é injusta, desnecessária, e que esse tipo de ação unilateral deixa os Estados Unidos sem aliados e mais inseguros. Como o programa é gravado em Nova York ("o resto do país acha que nesta cidade só vivem judeus, intelectuais e comunistas, e também penso o mesmo, às vezes", como diz um personagem de Woody Allen) a platéia aplaudiu.

Meu irmão e eu conversamos sobre a presidência de Carter, a ênfase que ele deu aos direitos humanos e o prêmio Nobel da Paz que recebeu em 2002 - o pessoal em Oslo deu um recado sobre o tipo de líder que gostariam de ver nos EUA. Letterman perguntou a Carter se ele toparia monitorar as eleições presidenciais americanas, como fez em vários países e ex-presidente respondeu: "Bem, Dave, para que isso aconteça os dois lados precisam pedir minha ajuda, e francamente acho que isso seria um pouco difícil na Florida."

Por coincidência, na terça foi publicada a edição deste ano da "Cadernos de Sociologia e Política", a revista dos alunos do Iuperj. Ela contém um artigo meu sobre a política externa dos Estados Unidos. O título é "Do Fim da História à Guerra Preventiva", foi o primeiro capítulo da minha tese de mestrado e tenta mostrar como se desenvolveram, ao longo dos anos 90, os conceitos que formaram a Doutrina Bush.


segunda-feira, outubro 25, 2004

Herzog

O Bruno me pediu para comentar o incidente envolvendo as fotos de Vladmir Herzog. Para quem não acompanhou, há uma semana o jornal Correio Braziliense divulgou fotos, tiradas por um ex-cabo do Exército, que mostrariam imagens do jornalista na prisão, pouco antes de ser assasinado pelos militares em meados dos anos 70. Como se sabe, a morte teve uma grande repercussão na sociedade e foi um dos marcos do fim das torturas e do processo de redemocratização. Imagens desconhecidas de um personagem importante: boa notícia, eu a teria publicado sem hesitar.

A polêmica começou quando o Exército reagiu com uma nota inacreditável, chamando a publicação das fotos de "revanchismo" e dizendo que as Forças Armadas tinham salvado o país do comunismo, numa retórica digna dos piores momentos da guerra suja da ditadura. Naturalmente, houve um mar de reclamações vindas de políticos, ONGs e jornalistas condenando a atitude dos militares, algumas exigindo que o presidente demitisse o ministro da Defesa e o comandante do Exército.

Lula adotou uma atitude conciliadora, falou com as duas autoridades, e no dia seguinte o Exército divulgou uma nova nota em termos bem diversos, dizendo que a democracia é uma boa coisa e tudo o mais. E a Abin iniciou uma clássica campanha de desinformação, afirmando que as fotos não de Herzog, mas de um padre. Os dados teriam sido extraídos dos arquivos da agência sobre a ditadura - que o ministro da Defesa disse, na mesma semana, que não existiam, teriam sido destruídos.

No IBASE, atribuímos a nota a um grupelho extremista nas Forças Armadas, que estaria jogando um balão de ensaio para checar a reação da sociedade. Conversei com um colega de doutorado que pesquisa as políticas de segurança nacional brasileira, e escreveu uma tese detalhada sobre o governo Geisel, e ele me deu opinião diferente: haveria disseminado entre os militares um sentimento de cansaço diante das denúncias contra a ditadura, bem como insatisfação salarial.

O incidente reforça os piores esteriótipos sobre o Exército e o serviço de informações como instituições paradas no tempo e incapazes de perceber que o país mudou. Revela também uma incrível ingenuidade política: Herzog é um herói para os jornalistas brasileiros, qualquer coleguinha partiria em sua defesa - minha categoria profissional, entre outras particularidades, não gosta de ser presa, torturada e morta.

Toda essa confusão também chamou a atenção para a péssima política de direitos humanos adotada pelo PT, que consegue ser mais retrógada que a do Chile e está a anos-luz daquela implantada na Argentina. Sequer estabelecemos comissões de verdade e justiça para apurar os crimes ocorridos no período e "sin memória, no hay justicia", como bem disse um recente filme argentino. Acredito inclusive que as fotos de Herzog apareceram por iniciativa do Pinaud, o secretário nacional de direitos humanos, que precisava de um incidente como esse para pressionar o governo a agir.


sábado, outubro 23, 2004

Mudando de Voto

Recomendo uma visita ao site do cineasta e documentarista Errol Morris. Morris dirigiu o excelente filme "Sob a Nevoa da Guerra" e tem sido bastante atuante em questoes politicas ultimamente, especialmente durante esta campanha presidencial.

Sua ultima facanha foi dirigir uma serie de comerciais com pessoas que votaram em Bush em 2000 e se arrependeram amargamente. Os anuncios sao excelentes e vale a pena dar uma conferida. Os comerciais foram produzidos pela MoveOn.org, uma organizacao fundada contra Bush.

As eleicoes entram em sua reta final e eh absolutamente impossivel determinar quem vai ganhar. Ecos de 2000?

sexta-feira, outubro 22, 2004

A Memória da Terra

Um dos projetos nos quais trabalho no Ibase tem como objetivo fazer um balanço da participação da sociedade civil nas políticas públicas do Brasil. Por conta dessas tarefas, tenho participado de reuniões e encontros com movimentos sociais, procurando sentir o pulso das mobilizações que acontecem atualmente em nosso estado. Como tínhamos poucas informações sobre o campo, entrei em contato com uma pesquisadora da Universidade Federal Rural, que acabou me convidando para assistir a um seminário sobre memória camponesa, que aconteceu no início da semana na UFRJ.

O evento reuniu homens e mulheres que formaram a liderança dos movimentos pela reforma agrária no Rio de Janeiro nos anos 50 e 60, antes do golpe militar e da instalação da ditadura. Eu sabia que tinha havido uma grande mobilização no nordeste, com as Ligas Camponesas, mas não fazia idéia da extensão das lutas pela terra em nosso estado, particularmente na Baixada Fluminense.

O seminário foi emocionante, os velhinhos estão na faixa dos 80 anos, mas conservam um bom humor incrível e uma determinação admirável. A maioria tinha pouca ou nenhuma instrução formal, contudo a política é uma grande escola - ensina a falar em público, apresentar idéias, manter a atenção da platéia. Gostei tanto da experiência que escrevi uma reportagem para o site do Ibase, que será publicada também na próxima edição do nosso jornal.

Hoje me reuni com uma indiana que levanta material no Brasil sobre participação, para sua tese de doutorado. Conversamos bastante sobre o cenário político brasileiro e sobre as numerosas semelhanças que encontramos entre nossos dois países, particularmente a dificuldade em transformar uma cultura autoritária numa democrática, e do modo como o Estado por vezes se considera acima da sociedade, etc.

O papo foi ótimo e ela me incentivou a procurar seu orientador nos EUA, que segundo ela é um apaixonado pelo Brasil e gostaria de me receber como estudante num eventual doutorado-sanduíche. Por que não? É caso a se pensar.


quinta-feira, outubro 21, 2004

Dever Cumprido -- 1a Parte

Estou exausto. Completamente esgotado. Ha algumas horas entreguei meu segundo e ultimo exame escrito para os professores da banca. Na segunda-feira, levei exatamente oito horas e vinte minutos para terminar a prova de Relacoes Internacionais e hoje levei exatas nove horas para entregar a prova de Politica Comparada. Uma maratona que nao desejo para ninguem.

Resultados na proxima semana. Se passar, me submeterei a um exame oral com os quatro professores da comissao organizadora da prova. Vamos torcer.

Enquanto isso, preciso de uma noite de sono completa. Minhas ultimas duas semanas foram completamente esgotantes e agora, toda vez que eu me olho no espelho, vejo duas manchas roxas em volta dos olhos. Mas vai melhorar, tenho certeza.

Assim, com uma nota otimista, retomo minhas atividades blogueiras.

quarta-feira, outubro 20, 2004

Alemanha Ano Zero

"Por que ter medo do alemão?", perguntava um anúncio colado no mural da Escola de Comunicação da UFRJ. Ao que meu amigo Franklin respondeu com lógica irrefutável: "Porque os alemão vão invadir o morro." Pois é, mas eis que me torno um germanófilo.

É quase inevitável cursar pós-graduação na área de ciências sociais e não se interessar a fundo pela cultura alemã, o país tem uma quantidade inacreditável de pensadores do mais alto calibre, seja na filosofia (Kant, Hegel, Nietzsche, Heidegger, Hanna Arendt, Habermas), seja nas ciências sociais (Clausewitz, Marx, Weber, Simmel, Adorno, Benjamin). A lista está para lá de incompleta, mas serve como indicativo da riqueza do pensamento alemão.

No curso do Lessa sobre a guerra, estamos no meio de uma discussão sobre o modo como a literatura alemã retratou as tragédias dos conflitos mundiais, em particular a destruição das cidades pelo bombardeio aéreo. Eu sabia que isso tinha ocorrido, mas não fazia idéia da profundidade da catástrofe. A descrição do ataque a Hamburgo, em 1943, parece uma narrativa de punião divina extraída do Velho Testamento (o codinome militar era "Operação Gomorra").

Por conta do curso, comecei a ler o escritor Heinrich Boll. Ontem debatemos "O Anjo Silencioso", seu romance sobre a volta para a Alemanha de 1945, arruinada, de um soldado que lutou na guerra. Também discutimos "German Autumn", uma excelente reportagem de um jornalista sueco, Stig Dagerman, sobre a situação do país em 1946. Não é todo dia que se lê sobre alemães arriscando a vida por uma batata rolando entre os bondes.

O Iuperj agora está num breve recesso, por conta da reunião anual dos cientistas sociais brasileiros, mas retomaremos o curso no início de novembro para abordar os testemunhos dos que viveram durante o nazismo. Leremos o diário de Victor Klemperer, um professor universitário judeu que conseguiu sobreviver a todas as perseguições, e também uma obra menos conhecida, "Diary of a Man in Despair", de um conservador alemão - um aristocrata que desprezava os nazistas porque eles eram gente sem classe, que cuspia no chão.

Meu trabalho final para o curso provavelmente será um ensaio sobre "Alemanha Ano Zero", quer dizer, como a derrota de uma grande potência foi retratada na literatura e no jornalismo. É espantoso ver como a Alemanha se recuperou tão rapidamente.

segunda-feira, outubro 18, 2004

Come te nessuno mai

Havia um tempo em que a Itália ditava regras e modas para o cinema. Falo dos anos 50 e 60, do auge do neorealismo (Visconti, De Sica, Rosselini) e também dos diretores que anteciparam a nouvelle vague (Antonioni) ou enveredaram por caminhos muito pessoais (Fellini). De lá para cá, o cinema italiano perdeu a maior parte de sua importância, mas com um pouco de boa vontade e paciência ainda se descobre o trabalho de artistas interessantes, como o diretor Nanni Moretti (O Quarto do Filho, Caro Diário) e o ator Stefano Accorsi (O Último Beijo, Um Amor Quase Perfeito).

Gabriele Muccino é uma dessas promessas, um jovem cineasta na faixa dos trinta anos que tem se destacado por comédias românticas espertas. "O Último Beijo" fez algum sucesso por aqui contando as aventuras de uma turma de amigos que estão, meio a contragosto, largando a liberdade da juventude para se tornar respeitáveis pais de família. Agora está em cartaz um filme anterior do mesmo diretor, ainda melhor, que em português virou "Para Sempre na Minha Vida" (Come te nessuno mai no original, algo como "Nunca vai haver outro como você").

O filme foca alguns dias na vida de adolescentes que estão descobrindo o amor e a política, pegando uma série de encontros e desencontros que acontecem durante a ocupação de uma escola num protesto estudantil. O protagonista (e co-roteirista) é também o irmão de 16 anos do diretor.

Dada a qualidade do gênero "comédia adolescente", eu tinha ficado de pé atrás em ver este filme, só mudei de idéia depois que uma amiga do trabalho me recomendou entusiasmada. E, realmente, eu teria perdido uma belíssima história, com um roteiro inteligente que combina hormônios, idéias e sensibilidade. O filme é de uma leveza impressionante, até ingênuo algumas vezes, mas que faz a gente sair do cinema com o sentimento de uma felicidade tranqüila.

Há pelo menos três seqüências primorosas: a invasão da escola, a noite insone e uma bela cena de amor que é também um hino à vida e à liberdade. As discussões dos rapazes e moças com seus pais também são ótimas. E uma característica dos filmes italianos, ao contrário dos americanos, é que muitos dos problemas dos personagens não se resolvem. A vida continua, mas a distância entre pais e filhos permanece.

domingo, outubro 17, 2004

O Homem e a Lenda

Na sexta-feira recebi a visita de uma conhecida que está terminando o mestrado em relações internacionais na PUC e veio ao Ibase para uma reunião de trabalho. Conversando sobre professores e amigos comuns, lá pelas tantas ela me pergunta se já ouvi falar num tal de Bruno Borges.

Ao lhe explicar que, sim, conheço o referido indivíduo, ela me disse: "Dizem que ele é muito inteligente.... As funcionárias da PUC falam direto nele". (O que diabos você andou aprontando, Bruno? O velho truque de levar flores e chocolates para as secretárias?).

Boa sorte nos exames de qualificação, meu chapa. Todos aqui estão torcendo por você. Para o caso de você ter lido o "Jogo do Exterminador", do Orson Scott Card, fica meu conselho: "Aconteça o que acontecer, lembre-se de que o portão do inimigo é para baixo."

Hasta la victoria, siempre!

sexta-feira, outubro 15, 2004

Provas

Amigos, segunda-feira comecam as provas mais dificeis que jah fiz na vida. Elas decidirao o meu futuro por aqui e minha situacao academica pelos proximos dois anos, pelo menos. Sao duas provas escritas (uma na segunda, outra na quinta) seguidas de uma prova oral, no caso de passar nas duas primeiras.

Vou ficar completamente fora de orbita digital por uma semana. Este serah o meu ultimo post ateh lah.

Desejem-me sorte e pensem positivo durante a proxima semana. Desde jah agradeco pelo apoio e forca que varios amigos e pessoas queridas me deram durante todo o tempo de preparacao. Eh aquela velha historia: mesmo que tudo saia errado, nao tenho como perder. Os amigos estarao lah, "no matter what".

Grande abraco para todos e obrigado.

Dia do Professor

Me surpreendi ao abrir o e-mail hoje de manhã e encontrar uma mensagem de um ex-aluno me dando parabéns pelo dia do professor. Apesar de lecionar há quatro anos, e da enorme alegria e realização pessoal que isso representa para mim, me considero primordialmente um jornalista e cientista político, que entre outras tantas atividades, também dá aulas. Tanto melhor, tenho mais dias profissionais para comemorar.

Lecionar é uma experiência transformadora. A gente aprende a ficar mais atento às leituras, aprimora a capacidade de resumir um argumento, apresentar uma idéia ou uma seqüência de eventos. Ganha uma certa capacidade improvisação, porque os alunos sempre fazem perguntas surpreendentes, ou iluminam as aulas com perspectivas inesperadas. Fora as amizades que se formam em sala, o papo bem-humorado e inteligente depois de uma discussão. Em suma, o fato de que se aprende ensinando já era um provérbio na Roma Antiga, e continua tão verdadeiro agora quanto naquela época.

Tive bons professores nas várias escolas por onde passei, mas sem dúvida minha grande referência é o Iuperj. O próprio contexto da pós-graduação permite um convívio mais próximo, e a qualificação de meus mestres é inacreditável. Sem contar o exemplo de dedicação à profissão, o cuidado na seleção da bibliografia e no preparo das aulas. E, claro, as excentricidades que fazem a alegria da vida acadêmica.

Para o próximo ano, darei mais um passo nessa trajetória. Começarei a dar aulas em universidades, mais especificamente na pós-graduação em relações internacionais da Cândido Mendes. Tenho certeza de que será legal e faço meu o conselho do Talmude: “A gente nunca deve estudar sozinho, senão corre o risco de ter certeza”.

quinta-feira, outubro 14, 2004

A vida como ela é

Meu tio saiu da UTI e foi para um quarto no hospital. Mas não tem conseguido dormir, está agitado e fica repetindo que está louco de saudades da rua Monte Alegre. Sim, ele ainda não sabe do que aconteceu.

E adivinhem: nem a ex-mulher nem suas duas filhas querem recebê-lo em suas casas. As mesmas que, semana passada, estavam brigando pelo carro e pela aposentadoria.

Ninguém sabe como dar a notícia a ele e o pobre coitado só está com 40% da capacidade do coração (me lembrei dos versos de Drummond: "Meu coração não é maior que o mundo / Ele é menor, muito menor / Nele não cabem nem as minhas dores").

A vida é dura, meus caros, e a realidade sempre supera a arte. Morra de inveja, Nelson Rodrigues.


terça-feira, outubro 12, 2004

Card for Bush

Alias, fans de ficcao cientifica, uma noticia: Orson Scott Card votarah em Bush.

E uma penca de escritores norte-americanos votarah em Kerry.

Mudei

Eu mudei. Depois de anos sofrendo com HDs queimados, virus devastadores, programas que nao funcionam, computadores que travam, bancos de dados que simplesmente desaparecem, decidi que era hora de tomar vergonha na cara, gastar algum dinheiro e comprar minha tranquilidade.

Sou usuario de PCs desde 1994 (reparem no tom de confissao, como usuario de drogas). Depois de dez anos tenho um recorde: perdi todos os meus dados por causa do Windows em seis ocasioes, tive tres (!) HDs carbonizados e cansei da famosa "tela azul da morte".

Vou ficar marginalizado? Vou. Vai ser dificil conseguir programas? Vai. Eu me importo? Nao.

O meu precioso vai ter tudo o que eu preciso. E vai durar pra caramba.

Ópera Familiar

Contemos o caso em italiano, língua em que até "Quero dois tomates" soa como frase dramática. Se trata, evidentemente, do único idioma capaz de dar conta da situação. Descontando as entradas orquestrais, os diálogos estão razoavelmente fiéis. Só tiveram que ser postos um tanto mais sóbrios, a realidade soaria inverossímil. Pequeno glossário: zia = tia; uscire = sair; ospedale = hospital; voglio = quero; dove = onde; malato = doente; piangere = chorar; più = mais; senza = sem.

Ato V - Il Grande Finale

Allegro con brio.

MADRE - E ora, tuo marito uscirà dell´ospedale e ritornerá a nostra casa. Sono tan felice!

CORO - Tan felice! Tan felice!

ZIA - Ma non!

CORO - Oh! Oh!

ZIA - Non! Non!

Entra a orquestra em tom sombrio.

ZIA - Non voglio il suo ritorno. Non!

CORO - Oh! Ma perchè?

PADRE - E l´amore? Dov´ è andato l´amore?

Os pratos imitam o som de trovão.

ZIA - L´amore è finito!

CORO - È finito! È finito!

MADRE - Ma quando lui era malato, tu piangevi tutto il giorno! Eri tristi, i tue lacrime...

Entra o tema de amor, flautas e liras. ZIA caminha ao centro do palco e encara a platéia.

ZIA - Sì, ma no l´amo più. Per me, la cosa più importante ora è... la Libertà! Senza marito, senza obrigazione!

CORO - Libertà, Libertà!

Cai o pano.

segunda-feira, outubro 11, 2004

Uma Noite Feliz na Lapa

No sábado foi aniversário de um colega de doutorado e comemoramos com um chope na Lapa, vendo o jogo da seleção contra a Venezuela e contando com a presença de vários amigos de intercâmbio - o Iuperj é um ponto de passagem quase obrigatório para quem vem do exterior e está interessado em política brasileira. Ficamos de papo sobre o Iuperj, a carreira acadêmica, os bastidores do Itamaraty (o programa nuclear está fervendo!) , enfim, essas coisas que cientistas políticos conspiram juntos, em especial quando a cerveja está gelada.

Havia um grupo de advogados e advogadas argentinos que estão cursando o mestrado em política na Universidade Torquato di Tella (uma espécie de FGV de lá) e conversamos sobre as relações entre nossos países, sobre o estupendo cinema deles, etc. Uma delas, que está pesquisando a identidade latino-americana, me perguntou o que eu achava de seu tema, se isso era viável em nosso continente: "Escute, aqui estamos nós conversando, um brasileiro falando em espanhol e uma argentina respondendo em português. Se isso não é identidade latino-americana, o que é?".

O mais curioso da noite foi ter conhecido uma economista da Estônia que mora no Rio há cerca de um ano e meio, fazendo alguns trabalhos no meio ONG. Eu já tinha ouvido a respeito dela por intermédio de uma ex-estagiária e nossa conversa foi excelente. Não é todo dia que conheço alguém que enfrentou um tanque russo, nas barricadas pela independência de seu país.

O papo foi sobre um mundo sem fronteiras, e talvez sem muita raízes. Como disse a ela, me sinto mais próximo a muitos dos estrangeiros que tenho encontrado por aí do que em relação às pessoas de minha própria classe social no Brasil. Vinda de um pequeno país com forte tradição igualitária, minha amiga estoniana compreendeu imediatamente: ela também se chocara com o modo como a classe média brasileira vive em seu pequeno e estreito círculo, sem dar a mínima para o que se passa fora dele.

Nosso grupo multinacional fechou a noite no Rio Scenarium, ao som de bom samba. A paz mundial é possível, ao menos por algumas horas felizes na Lapa.

domingo, outubro 10, 2004

"Era Um Documentario!!"

Estamos celebrando este ano o 40o aniversario de um dos filmes mais brilhantes de Stanley Kubrick, "Doutor Fantástico ou Como eu aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba". O filme -- uma comedia de humor muito negro sobre a Guerra Fria e a possibilidade de uma "guerra termonuclear total" -- eh uma licao em humor caustico e personagens inesqueciveis. Os tres personagens interpretados por Peter Sellers e o general maluco interpretado por George C. Scott sao absolutamente impagaveis.

Mas nao eh que entendemos errado o filme? De acordo com um artigo no NYT de hoje, o filme eh bem mais assustador do que seu humor deixa transparecer.

Para quem nao viu, eh referencia obrigatoria. Especialmente agora que vao relancar uma nova versao do DVD, com dois discos recheados de extras.

sexta-feira, outubro 08, 2004

Politica Externa Brasileira

Tenho uma recomendacao maravilhosa para fazer no caso de alguem se interessar por politica externa brasileira. Acabou de ser lancado o livro "Politica Externa Brasileira (1889-2002)" de uma das minhas grandes mestras, Prof. Leticia Pinheiro, com quem trabalhei e tive minhas primeiras aulas sobre o assunto. Nao eh pouca coisa.

Ela me deu a oportunidade de ler o manuscrito final para fazer alguns comentarios no inicio do ano, quando estive no Brasil, e a qualidade da leitura eh a melhor possivel. Para quem nunca teve contato com a historia da PEB ou para quem jah eh calejado no assunto, o livro traz uma combinacao de profundidade analitica e boa escrita sempre caracteristicas da Leticia. Posso recomendar com todo entusiasmo.

E para os amigos que conhecem ou tiveram aula com a Prof. Leticia, o lancamento oficial do livro eh no dia 19 de outubro, as 20:00, na Livraria da Travessa de Ipanema.

O Segundo

Hoje a noite, as 9:00 horas (10:00 no Rio de Janeiro), acontece o segundo debate dos candidatos a Presidencia dos EUA. Desta vez o formato eh diferente -- o que eles chamam de town hall. A ideia eh que os candidatos fiquem no centro de um auditorio e possam se movimentar livremente enquanto respondem perguntas formuladas pela plateia, composta de "eleitores indecisos", nao de jornalistas.

Este formato eh interessante porque flexibiliza a preparacao e a decoreba inerentes aos debates presidenciais. Apesar da "plateia" ser geralmente inofensiva, volta e meia algum engracadinho faz uma pergunta mais provocante. O candidato tem entao que parecer respeitoso e nao se desesperar. Bush precisa se sair muito bem hoje a noite se pretende manter sua posicao nas pesquisas. Jah Kerry tem a chance de virar o jogo no caso de ir bem pessoalmente e no caso do W se atrapalhar nas respostas.

Vamos esperar. Depois do debate eu deixo minha opiniao nos comentarios.

quinta-feira, outubro 07, 2004

As Armas, As Armas!

O post vai ser curto, mas nao poderia deixar de falar sobre a noticia da semana: um relatorio oficial da CIA diz que Saddam comecou a desmontar o seu arsenal de armas de destruicao em massa desde o final da Primeira Guerra do Golfo e que terminou em 1996. E o Saddam acaba de declarar que ele soh ficou fazendo marola para os inspetores da ONU por causa do Iran, i.e., ele precisava fingir que tinha as armas para segurar o pais vizinho!

Bom, se isso nao eh suficiente...Essa campanha vai ficar interessante no final.

À meia-noite encarnarei no teu caixa automático

Hoje se completam duas semanas do infarto do meu tio. Como ele foi desenganado várias vezes pelos médicos, tínhamos feito todos os preparativos para sua morte, inclusive as filhas que ele teve do primeiro casamento já estavam brigando com minha tia pela herança. Enfim, tudo normal. Confesso até que só esperava que ele não morresse na contramão, atrapalhando o sábado.

A questão é que ele sobreviveu. Começou a melhorar e deve sair hoje da UTI. Penso que seu humor se desenvolveu sensivelmente ao saber que pode ganhar uma bela grana do hospital por conta do processo, que inclui danos morais.

O problema agora é a briga da minha tia com as filhas do tio Ricky e delas com a ex-mulher (mãe das duas) pela herança. Nem sei quem ficou com as chaves do carro, mas está rolando uma guerra pelo controle da conta bancária, com um grupo bloqueando as senhas do outro. Parece que a aposentadoria dele chega hoje à noite e minha tia faria plantão junto ao caixa automático. A conferir.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Maos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Carlos Drummond de Andrade
(Ler junto com o Noturno em Mi Bemol Maior de Chopin, op.9, n.2)

terça-feira, outubro 05, 2004

O que está em jogo no Rio?

Bruno, respondendo a sua pergunta e examinando a eleição municipal no Rio, minha conclusão é que não estava em jogo a disputa de um projeto político para a cidade (a não ser talvez no caso do Crivella) e sim uma briga entre três redes de clientela pelo controle dos cofres do município.

A de Cesar Maia é formada pelas alianças que ele montou em seus dois mandatos como prefeito, com o apoio dos vereadores, das administrações regionais e dos grandes grupos empresariais da cidade. Todo mundo sabe o quanto a NET (leia-se Globo) lucrou com as obras que ganhou dele. E houve outras. Qualquer um que, como eu, tenha coberto como jornalista a política municipal no Rio sabe do mar de lama que envolve o governo Maia. O entusiasmo da grande imprensa não custa barato. Enfim, um político clássico de direita, que vende a imagem de administrador moderno em oposição a um Garotinho ou Maluf.

A candidatura de Crivella era mais um passo no projeto de poder da Igreja Universal e foi de longe a que teve mais militância autêntica. Pessoas que acreditam nele, e não simplesmente o sujeito que ganhou R$10 e um sanduíche de mortadela para agitar uma bandeira. Foi especialmente impressionante a quantidade de idosos que ele mobilizou, porque essa é uma categoria difícil de colocar nas ruas. Mas apesar do apoio da Universal ele não fez uma campanha voltada para os evangélicos, quando muito tinha um certo discurso de solidariedade cristã.

Por fim, Conde correu como o homem do casal Garotinho e se saiu surpreendentemente mal. É claro que a base dos Garotinhos está no interior, e não na capital, mas ainda assim fiquei espantado com a baixa votação do ex-prefeito. Será que o voto personalista na família do sr. Anthony Matheus é difícil de ser transferido, mesmo para seus apadrinhados? Parece que sim. Os Garotinhos têm usado um discurso religioso mais forte, sobretudo na baixada, onde o candidato deles está perdendo para o Lindberg.

A maioria dos líderes comunitários com quem o Ibase trabalha teve uma atitude bastante pragmática com relação às eleições, que pode ser resumida em um lema: votar em quem trouxer mais recursos para o bairro/favela/comunidade. É uma população assustada, empobrecida e desencantada, que se contenta com migalhas. A tal escolha do síndico, de que falei, e a própria esquerda caiu nessa arapuca. Não se discute outra forma de organização política da cidade - por exemplo, orçamento participativo, a questão da urbanização das favelas.

O Rio de Janeiro já foi uma caixa de ressonância para o resto do país, com líderes de expressão como Lacerda e Brizola. Hoje viramos um canteiro de obras de fachada, de uma mesquinharia provinciana e sonolenta. Conseqüência, acredito, da decadência econômica da cidade e do estado.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Perdeu a eleição e foi ao cinema

O que você faria se fosse um dos principais deputados do partido governista no Rio de Janeiro, no dia da eleição em que seu grupo político sofreu uma derrota histórica, retrocedendo para um número de votos que havia superado há dez anos?

Bem, encontrei um dos próceres do PT fluminense (ou do que sobrou dele) no Odeon, por volta das 18h. Vagava pelo café do cinema, com ar de perdido. Talvez estivesse ali só de passagem, ou para encontrar alguém, mas essa cena meio surreal ficou para mim com um marco do péssimo desempenho do PT nas eleições municipais do Rio.

Não acredito que se trate do fato da oposição ter vindo pulverizada em várias candidaturas, porque o mesmo ocorreu com a direita, dividida em três blocos (César, Crivella, Conde) e todos eles com número de votos superiores ao da esquerda (Jandira, Bittar, Nilo).

Se no Brasil, de modo geral, a disputa foi entre o PT e o PSDB, no Rio os dois partidos saíram muito enfraquecidos, os tucanos sequer tiveram candidato próprio, e os primeiros colocados foram políticos clientelistas tradicionais, com as máquinas da prefeitura, da igreja universal e do governo estadual.

O nível do debate eleitoral foi, claro, muito baixo. Parecia disputa para escolher síndico, quem vai fazer mais obras, reformar a piscina ou pintar a garagem. Pouca ou nenhuma discussão sobre a política municipal, a questão da reforma urbana (assunto quente no plano federal), do modelo de cidade que queremos etc. Com tão pouca coisa em jogo, apatia é uma atitude racional.

"The Red, White, and Blue"

Acompanho as eleicoes norte-americanas de maneira erratica. Sou completamente viciado em politica (como meus amigos sabem), mas minhas atividades como "cientista" politico estao tomando quase todo o meu tempo no momento. Entretanto, (1) esta eh a primeira eleicao presidencial que acompanho NOS Estados Unidos, o que eh uma experiencia unica; e (2) dentro de um Departamento de Ciencia Politica com alguns dos melhores analistas de politica norte-americana do mundo. Nao eh pouca coisa. A cada dia aprendo mais sobre a politica deste pais e suas idiossincrasias.

A ultima semana foi bastante agitada politicamente e esta semana promete. Aqui vao algumas impressoes minhas sobre o processo NESTE momento e de como estah se desenrolando. Nao pretendo assumir nenhuma postura de conhecedor profundo porque realmente nao sou. Para aqueles que me conhecem, gosto de Relacoes Internacionais e minhas posicoes geralmente beiram o que a disciplina chamaria de "realistas." Entao vamos.

(1) O carisma de Kerry -- questao profunda essa. Sou weberiano para isso: acho que politico tem que ter carisma e burocrata tem que sentar a bunda e trabalhar. Gosto de politicos negociadores, gosto de posicoes decisivas, gosto de magnetismo pessoal. Nao estou pregando "culto de personalidade" (longe de mim!). Durante a campanha, assisti a inumeras entrevistas de Kerry, assisti aos debates das primarias, assisti aos discursos feitos de improviso e aos discursos feitos por "speech-writers." Kerry nunca me chamou a atencao. Ele tem fala mansa, leva um tempao pra pensar, suas respostas sao cuidadosas, assim como os termos que utiliza. Inegavelmente eh um aristocrata ("Bostonian"), daqueles com os quais os americanos tem uma relacao de amor e odio. Numa comparacao a brasileira: Kerry eh o Suplicy dos EUA. Eu gosto do Suplicy, gosto do que ele diz, gostaria que ele fosse central, eh uma cara moderado e tudo. Mas dah um sono...

Nessa ultima semana, no entanto, o santo de Winston Churchill baixou em Kerry (estou exagerando, eu sei...). Especialmente no debate o cara me surpreendeu. Ateh porque eu e a torcida do Dallas Cowboys nao esperavamos nada. Ele foi conciso, preciso, decisivo, se superou. Como dizem os analistas: "ele achou o tom certo." As pesquisas pos-debate imediatamente reagiram, especialmente nos "swing states." Se continuar assim nas proximas semanas, o W nao fizer nada de especial, e nao pegarem o Bin Laden, os democratas ainda estao dentro da parada.

(2) As diferencas -- triste questao. Como escrevi neste blog anteriormente, nao ha muitas. Alias, nao ha quase nenhuma. Quem assistiu ao ultimo debate (especialmente sobre questoes de politica externa) e prestou atencao aas propostas em vez da encenacao teatral, sabe do que estou falando. Primeiro, a diferenca: sao dois TONS diferentes. Enquanto um eh a favor do unilateralismo descarado, o outro diz que a ONU eh importante. Meus colegas americanos dizem que isso eh importanTISSIMO. Eu diria, eh importANTE, mas a ideia eh: "posso dar uma paulada na sua cabeca, por favor?"

No Iraque, nao ha quase diferenca. O plano de saida ("exit strategy") eh o mesmo: esperar pelas eleicoes "democraticas," torcer para que a violencia diminua, que o pais nao se desintegre e que o novo governo iraquiano consiga dar conta do recado (i.e., ficar quietinho). Retirar os soldados depende de situacao futura. E ha uma ameaca velada de reintroduzirem por aqui o alistamento obrigatorio (o "draft") em que os filhos da elite e da classe media podem ser chamados para bronzear no deserto. Na Coreia do Norte, a ideia eh a mesma. Envolver a China um pouquinho mais ou pouquinho menos nas negociacoes de nao-proliferacao. (Alias, Brasil cuidado! Escreverei sobre isso depois)

O Iran. Jah pensei nisso varias vezes, mas acho sinceramente que se a situacao no Iraque continuar como estah, os americanos terao poucas chances de enfrentar o Iran. O Iran nao eh cachorro morto como era o Saddam, eles sao o proverbial "osso duro de roer." Jah li papers de "think-tanks" conservadores que dizem que invadir o Iran eh MUITO perigoso. Em outras circunstancias, eu concordaria com a possibilidade de invasao. Mas do jeito que estah a sociedade norte-americana neste momento, acho pouco provavel. Posso estar redondamente enganado, mas...

(3) O americano medio -- Empregos, empregos, empregos! Para o famoso "median voter," politica externa eh coisa pra especialista. Enquanto os meninos nao morrerem em escala consideravel, a questao central ainda eh "serah que vou manter o meu emprego?" Quem assistir a TV por dez minutos, pode achar que a guerra nao eh contra o Iraque, mas contra a China. TODOS os candidatos repetem o mantra: "nao permitirei que os empregos americanos sejam roubados pelos chineses! Votem em mim para o senado. Votem em mim para a Camara." Kerry tem um discurso afiado sobre politica domestica e os proximos debates serao sobre isso. Alias, esta eh A grande diferenca entre os dois: enquanto o W eh completamente voltado para as questoes das corporacoes, Kerry tem uma proposta interessante para o Sistema de Saude, Educacao e outras coisas.

Desculpem pelo post longo. Se houver interesse posterior, escrevo mais.

sábado, outubro 02, 2004

Perseguicao

Jah estao perseguindo blogs. Liberdade de expressao em perigo. Seriamente. (Via Cora Ronai)

Resolvendo os Problemas do Mundo

Esta semana tive a experiencia academica mais estranha em muito tempo. Estou tendo uma aula sobre os efeitos da globalizacao no mundo. Ateh ahi nada de original. No entanto, a aula nao eh no meu departamento -- quem a estah oferecendo eh o Dept. de Politicas Publicas, que eh muito mais voltado para a parte pratica do negocio ("vamos criar lideres!" e essas coisas). O professor eh um democrata convicto que trabalhou algum tempo no Congresso Americano fazendo consultoria de negociacoes para os senadores. Agora, ele estah estudando o funcionamento da OMC e todo o processo de negociacao da questao da agricultura.

Pois bem, o cara decidiu organizar uma simulacao da OMC. Eu achei que ele ia me escolher para representar o Brasil, mas surpresa: ele me escolheu para ser um dos tres negociadores chefes. "Bruno, como voce eh aluno da Ciencia Politica, vou te dar mais trabalho do que os meus alunos." "Muito obrigado. professor. Agradeco de coracao que eu tenha mais trabalho. Quase nao faco nada da vida, mesmo..."

Minha missao: negociar com trinta e cinco alunos um acordo para a questao da agricultura (enfim, resolver um dos principais problemas do mundo atualmente). Meu papel era redigir um documento e fazer com que ele fosse aprovado por consenso entre os "paises". Passei a semana inteira redigindo versoes e mais versoes do documento, com noites sem dormir revisando posicoes dos paises. Sem surpresas, os que queriam travar o processo eram a Uniao Europeia, os Estados Unidos e o Japao. No entanto, o G-20 estava afiado e o Brasil foi representado por uma garota esperta, excelente negociadora.

Depois de passar ontem o dia inteiro em "plenario" discutindo detalhes do texto final, consegui fechar o acordo. No final (pelo menos na simulacao), os paises do Primeiro Mundo acabaram cedendo as exigencias do Terceiro Mundo e a agricultura eh nossa (ah-ha-uh-uh)!! Depois de chegar em casa exausto e com uma dor de cabeca horrorosa, deitei na cama, olhei para o teto e pensei: "voce as vezes acerta as coisas, hein cara? Mais uma semana vencida."

sexta-feira, outubro 01, 2004

Conexões Indianas

As últimas semanas têm sido bem puxadas no trabalho e esta não foi exceção. Passei metade do tempo num treinamento de informática (estamos migrando para software livre) e o resto fechando relatórios e avaliações de projetos, agora que o ano se aproxima do fim. Hoje o dia foi mais interessante, porque o Ibase me pediu para recepcionar e servir de intérprete para um indiano chamado Jagadananda, que dirige uma ONG bastante ativa na área de segurança alimentar, e estava no Rio com a esposa, ambos de passagem para uma reunião no Uruguai.

Mostrei-lhe o Ibase, falei a respeito dos projetos que tocamos por aqui e, claro, respondi a pergunta que não pode faltar - “Como está o governo Lula?”. O motivo principal da visita dele foi uma conversa com o nosso diretor de programas (licenciado), que agora preside o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), um órgão que reúne membros do governo e da sociedade civil, e que aconselha o presidente nas políticas públicas desse tema.

A fome também é um problema bastante sério na Índia, houve morticínios terríveis durante a época colonial. Mas até por isso, a área de segurança alimentar se tornou uma das prioridades para os governos desde a Independência. Jagadananda queria saber como o tema se desenvolveu no Brasil, desde a campanha contra a fome do Betinho (o fundador do Ibase) até os atuais programas do governo Lula.

A conversa entre ele e nosso diretor foi interessantíssima, um apanhado do que a sociedade civil brasileira aprendeu sobre o tema nos últimos dez anos, os erros e acertos do governo, os desafios que se colocam etc. Os brasileiros vamos enviar material a respeito para os indianos, que irão nos retribuir com pesquisas que fizeram na mesma área. Descobrimos que temos muito a aprender uns com os outros.

Na saída, Jagadananda e a esposa queriam comer alguma coisa e para não deixá-los a sós numa cidade perigosa, fui com eles. Ele me perguntou sobre o que eu havia estudado na universidade, que tipo de carreira pretendia seguir, essas coisas. Reforçando o que senti na África do Sul, me fica uma excelente impressão dos ativistas sociais indianos, homens e mulheres: inteligentes, articulados, com um incrível compromisso ético com suas atividades. Eles têm também um tipo de gentileza, de boas maneiras, que é cativante e contrasta com o jeito algo rude de muitos militantes brasileiros. Minha aposta é que a Índia será (se já não é) uma das grandes nações deste século XXI.
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