sábado, dezembro 31, 2005

Retrospectiva

Que diferença faz um ano na vida? Este fez e muita, penso mesmo que 2005 foi o mais importante que já vivi. O ano começou com JD me perguntando na praia de Copacabana qual era meu grande plano para o período. Montar meu apartamento, respondi. E de fato os meses que se seguiram foram a novela de cartórios, classificados, obras, móveis e mudanças. O que não nos mata, nos torna mais fortes, já dizia Nietzsche (e minha avó).

Mas será que o apê novo foi o que rolou de mais importante em 2005? Ou foi ter começado a carreira de professor universitário? Eventualmente, o prêmio do Itamaraty? Ou a ida do meu irmão para Brasília, nos separando pela primeira vez? Difícil dizer. Tudo vem misturado e aos poucos a gente tenta encontrar uma lógica nas imagens do caleidoscópio.

Hoje à noite o círculo vai se fechar e estarei novamente nas areias de Copacabana, para celebrar o ano que começa e agradecer pelo que se encerra. Não foram meses fáceis, mas olhando em retrospectiva até os momentos ruins parecem fazer sentido, nem que seja para marcar o contraste com os bons instantes mais recentes. Depois seguirei para a ceia na casa de uma grande amiga e, condições alcóolicas permitindo, fecho a madrugada na festa dos colegas de Iuperj. Me acordem quando o carnaval chegar.

Planos para 2006? Puxa, são muitos. Acho que nunca me senti tão contente na chegada de um novo ano, tão cheio de expectativas e bons projetos. Viajar pela América do Sul. A vinda do Helvécio, amigo fraterno, para dividir o apartamento e cursar seu mestrado. Livros que quero ler, filmes que quero ver, amigos para paparicar. Aprender a fazer panquecas e quem sabe, gostar de jazz. E que possamos compartilhar essas experiências!

Viva o ano novo!

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Um Índio



Há alguns dias quero escrever sobre a vitória de Evo Morales na Bolívia. Pela primeira vez na América Latina um índio foi eleito presidente. E não se trata somente de uma história pessoal de ascensão, mas de um homem que representa um movimento social importante e que terá repercussões em outros países do continente.

Meu interesse pelos movimentos indígenas nos Andes vem da minha viagem ao Equador, em 2004, quando entrevistei lideranças do Partido Pachakuti, que fez parte da coligação que elegeu Lucio Gutierrez presidente do país. Uma índia, Nina Pacari, foi nomeada ministra das Relações Exteriores e exerceu o cargo por 6 meses, até o Pachakuti romper com Gutierrez no início da crise que levou a sua renúncia.

Na Bolívia, como no Equador, a mobilização política dos índios vem sobretudo da década de 1980, paralela à volta da democracia na América Latina. Contudo, os índios já haviam desempenhado papel importante em grandes eventos da história boliviana recente, como a Guerra do Chaco (anos 30) e a Revolução de 1952.

Outra particularidade da Bolívia é a junção entre sindicatos e índios - a base do Movimento ao Socialismo, partido de Morales. O pacote tradicional de privatizações e abertura econômica atingiu muito duramente as minas de estanho, centrais na Bolívia. Estima-se que dezenas de milhares de mineiros perderam o emprego e vários deles voltaram ao campo, tentando a vida na agriculura. Os sindicalistas trouxeram sua tradição de mobilização e greves e os camponeses, de origem indígena, sua história de lutas pela terra e pela água. O resultado foram protestos sociais de enorme força, entre os quais a campanha contra a privatização da água e o questionamento dos acordos com as empresas transnacionais que exploram o gás.

Além de Morales, há a figura marcante do vice-presidente eleito, o sociólogo Alvaro Garcia Linera. Um intelectual respeitado, ex-líder guerrilheiro de um movimento indígena, com idéias interessantes sobre conjugar a economia informal das grandes cidades com a agricultura comunitária dos índios do altiplano andino. Homem a se observar.

A imprensa brasileira tem destacado muito os conflitos em torno da atuação da Petrobras, responsável por quase 20% do PIB boliviano. Com esse nível de dependência, é difícil imaginar uma ruptura por parte de Morales. O mais provável é negociar um acordo que lhe dê algumas vantagens para que possa manter as aparências diante de sua base social.

A questão mais séria é a política anti-drogas – destruição de plantações de coca - financiada pelos EUA. Além de ser matéria-prima à cocaína, a coca também é um tradicionalíssimo cultivo na Bolívia, usada na alimentação, na medicina e até em cerimônias religiosas. Não se pode proibi-la. Mas como fiscalizar sua produção e comercialização? No quadro atual, parece impossível, ainda mais sendo o próprio Morales um representante dos plantadores de coca.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

A Revolução será blogada?


Estou de folga no trabalho até semana que vem, mas uma amiga me ligou no celular para anunciar que serei enviado à Venezuela, no fim de janeiro, para desempenhar algumas atividades no Fórum Social Mundial, que ocorrerá em Caracas. Já sabemos que a revolução não será televisionada, mas pode ser que seja blogada.

Espero que meus chefes confirmem a notícia, porque estou muito curioso para ver de perto o que está acontecendo na Venezuela, com todos os conflitos políticos em torno do governo Chávez. Também gostaria de acompanhar seus programas sociais e conhecer em mais detalhes seus projetos de integração para a América do Sul.

A Venezuela solicitou ingresso no Mercosul há poucas semanas. A decisão é polêmica, porque o país já faz parte de outro bloco regional - a Comunidade Andina de Nações (CAN) - e em tese precisaria optar por um, porque ao que me consta as tarifas dos dois blocos são incompatíveis. Mas como a CAN é uma bagunça e o Peru já tinha mandado as normas comerciais para o espaço durante o governo Fujimori, pode ser que Chávez dê um jeitinho.

Com o preço do petróleo na estratosfera, a Venezuela está com os cofres cheios. Chávez tem utilizado esses recursos para implementar políticas sociais, algumas excelentes (como o programa de médicos de família e o combate ao analfabetismo) e para fomentar a integração latino-americana, inclusive através da compra de US$1 bilhão em títulos da dívida pública da Argentina. Na prática, Caracas e Buenos Aires viraram um contraponto às, digamos, tentações hegemônicas do Brasil.

Ao mesmo tempo, a Venezuela se envolveu numa série de conflitos com a Colômbia, que vão desde o apoio às guerrilhas daquele país até a diminuição do comércio bilateral por conta da reformulação de cadeias produtivas da indústria petrolífera. E, claro, há as disputas sem fim com os EUA e toda a tensão resultante disso, ainda mais agora que um político com perfil semelhante a Chávez foi eleito presidente da Bolívia.

Houve eleições legislativas na Venezuela no início do mês. A oposição se recusou a participar e o resultado foi uma tremenda vitória para Chávez no parlamento - mas com uma abstenção altíssima, de 3/4 do eleitorado, que torna a legitimidade da votação bastante frágil. O Fórum Social é um evento de importância internacional e acredito que a oposição vai aproveitar a oportunidade para botar o bloco na rua e fazer barulho, chamando a atenção para suas bandeiras.

Em resumo, não é exatamente o lugar mais tranqüilo do continente. Mas deixei a racionalidade em casa quando escolhi ser cientista político. Nossa diferença com relação a outros colegas, como geólogos, é que nós mergulhamos nos nossos vulcões. Deus nos proteja, caso não esteja muito ocupado com o Iraque.

domingo, dezembro 25, 2005

Apenas um Beijo


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Dias natalinos de grande tranqüilidade, incomum neste ano tão agitado. Quase na surdina entrou em cartaz um drama de Ken Loach, diretor de grande talento, que sempre vale a pena acompanhar. Gosto especialmente de "Terra e Liberdade", um épico sobre a guerra civil espanhola que é um dos meus filmes favoritos - meu irmão e eu costumamos repetir os diálogos de cor, alguns deles servem até para explicar a crise no PT ("You have been betrayed by your own leaders!").

"Apenas um Beijo" segue sua tradição de misturar histórias românticas com tramas políticas e questões sociais, narrando o caso de amor entre uma mulher branca e um rapaz filho de imigrantes paquistaneses. Tudo se passa na Escócia, numa Glasgow cinzenta onde a única coisa luminosa é a paixão do casal de protagonistas.

Claro que os dois enfrentam todo tipo de preconceito e obstáculo. A família do rapaz não aceita o romance e quer que ele siga os planos de um casamento arranjado. A namorada trabalha numa escola católica e alguns de seus superiores não vêem com bons olhos seu envolvimento amoroso com um muçulmano.

O filme é de 2004 e se eu o tivesse visto há um ano, talvez não tivesse gostado tanto. Alguns personagens são esteriotipados e o roteiro força a mão em vários pontos, caindo no melodrama barato. O que tornou "Apenas um Beijo" muito interessante foi a explosão da revolta dos banlieus franceses e os tumultos raciais na Austrália. Este novo contexto dá outra força às situações retratadas no filme, como o diálogo em que o pai paquistanês do rapaz lhe diz que ele se ilude achando que encontrará um lugar na sociedade européia, mesmo que namore uma branca: "Daqui a 25 anos ainda chamarão você de negro sujo". Temo que ele tenha razão.

O rapaz é DJ e a moça, professora de música. Não entendi porque o roteiro não explorou melhor a possibilidade de usar essa linguagem universal para falar do relacionamento entre os dois. O que é mostrado, e bem, é o amor como aposta - arriscar uma paixão intensa, mas que pode ser breve, em contraste com a segurança e estabilidade de um casamento arranjado unicamente com o propósito de garantir paz familiar.

Que diabos, melodrama à parte, todo amor que houver nesta vida àqueles que desafiam convenções estúpidas e opõem seus sentimentos ao racismo e às discriminações que dividem este mundo. Neste dia de Natal, paz na terra aos homens e mulheres de boa vontade.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Artêmio Cruz não morreu


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Uma das preciosidades que garimpei na feira do livro foi o romance "A Morte de Artêmio Cruz", de Carlos Fuentes. Nunca havia lido o famoso escritor mexicano e estou deslumbrado pela beleza do estilo e pela riqueza das observações humanas e sociais do livro. O personagem-título é um empresário e político que, prestes a morrer, embarca num turbilhão de lembranças nas quais sua vida se entrelaça e se confunde com a história recente do México, em particular com as promessas frustradas da Revolução.

Artêmio era um rapaz criado no campo, filho bastardo de um fazendeiro morto nas guerras civis. Jovem impetuoso, alista-se nas tropas da Revolução, onde sobe na hierarquia do exército por uma mistura de coragem e de talento para se aliar ao lado vencedor nas múltiplas mudanças de rumo da turbulenta política de então. Casa-se por interesse com a filha de um grande senhor de terras e ele mesmo se torna um magnata: fazendeiro, empresário, político.

O romance não segue a ordem cronológica, as lembranças de Artêmio vão e vem conforme seus delírios de moribundo. O resultado é um caleidoscópio no qual somente aos poucos vamos reconstruindo a vida de um homem, conhecendo seu grande amor (uma moça que amou quando soldado e que foi fuzilada na Revolução), sua dura relação com a esposa e amantes, o filho que adora e que falece na Espanha, lutando pela República na guerra civil.

Quanto mais Artêmio enriquece e se torna poderoso, mais se acentua sua decadência espiritual e física. Ao fim do livro, o rapaz impulsivo é uma massa de carne doente e fraca, totalmente corrompida, que mesmo em seus últimos momento ainda trama contra os sindicatos que controlam uma de suas ferrovias.

Fuentes é filho de diplomatas e ele mesmo seguiu a carrière, tendo vivido em vários países da América do Sul e da Europa. Escreveu "A Morte de Artêmio Cruz" no início dos anos 60, quando morava na Havana revolucionária. Talvez àquele momento parecesse que a elite mexicana cambaleava moribunda, mas hoje sabemos a História seguiu outro rumo. Os descendentes de Artêmio estão aí vivos e fortes e nestes tempos de Nafta em que um ex-CEO da Coca Cola preside o México, quiçá nem precisem mais pagar o
tributo simbólico de respeito à Revolução.

Fuentes continua inquieto, seu livro mais recente é o libelo "Contra Bush", que escreveu para tentar influenciar o voto hispânico nos EUA.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

A Cerimônia de Premiação

Ontem passei o dia em Brasília, para a cerimônia de entrega do Prêmio América do Sul. Cheguei cedo e fui visitar meu irmão no Ministério da Saúde. Depois de vermos a atração turística local - o empresário Sebastião "Mensalinho" Buani, do restaurante do térreo - fomos fazer hora na Praça dos Três Poderes. Vimos um vídeo bizarro e divertidíssimo no memorial da cidade, que afirmava que os moradores de Brasília são a reencarnação dos Antigos Egípcios (!!!) e conversamos sobre as guinadas que nossas vidas deram nos últimos dois anos.

O prêmio foi entregue no Palácio do Itamaraty, pelas mãos do secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, por coincidência um velho amigo do meu orientador no doutorado. Tiramos as fotos tradicionais recebendo os certificados - posei com o embaixador ao lado de um busto de José Bonifácio, patriarca da Independência.

Assinamos o contrato com o Itamaraty cedendo por três anos os direitos autorais dos textos. A embaixadora Maria Stella, que preside a Fundação Alexandre de Gusmão - o órgão do MRE que cuida das pesquisas acadêmicas - disse que nossos ensaios serão publicados em livro no primeiro semestre do próximo ano. Irão inaugurar uma nova coleção a ser editada pela fundação.

Conversei com os diplomatas sobre as iniciativas de aproximação entre o Itamaraty e as universidades. O ministério está implantando alguns programas muito interessantes, de contratar acadêmicos para fazer levantamentos de campo sobre a situação de alguns países. O primeiro será uma nação que me é especialmente querida: a África do Sul.

Fui o único homem entre os premiados, o que mostra que as mulheres entraram com força no campo das relações internacionais. Nada surpreendente, pois elas dominarão o mundo - melhor para o mundo. Uma das premiadas é jornalista e professora da UFMG, a outra é advogada e especialista em relações internacionais, e trabalha no Ministério do Desenvolvimento. Descobrimos que já nos conhecíamos, pois havíamos participado de um seminário em São Paulo sobre política externa brasileira.

Almocei no Congresso com meu irmão e amigos cariocas que agora trabalham no MEC. O papo foi principalmente sobre as vantagens e desvantagens de morar em Brasília. Há poucas semanas fui sondado por uma consultoria na capital. Em outras circunstâncias teria sido uma forte tentação, mas recém-mudado e com o doutorado ainda pela metade, nem pensar. Mas no futuro, quem sabe? Do modo como minha carreira se desenvolve, cedo ou tarde terei que considerar a sério a opção de ir para Brasília.

À tarde, fiz a visita guiada pelo Itamaraty e aproveitei para passar na livraria da Funag e fazer a festa. Comprei várias obras importantes para minhas aulas e pesquisas, estudos sobre as relações do Brasil com Alemanha, França, Portugal e com a Comunidade Andina das Nações.

Hoje é meu último dia de trabalho de 2005, ano que foi certamente o mais intenso da minha vida. Quando conseguir descansar um pouco a cabeça, arriscarei um balanço dele.

domingo, dezembro 18, 2005

Todos os Fogos o Fogo


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“Não sei sobre o que é o livro, mas desde que li o título fiquei com vontade de comprá-lo”, me disse uma amiga. Ainda não lhe contei que a expressão significa algo como a “paixão é uma só e tem sempre efeitos devastadores, não importa a época”. Numa descrição mais cotidiana, é como se chama uma pequena coletânea de oito contos do escritor argentino Julio Cortázar, mestre maior das letras latino-americanas.

Instrução aos navegantes: Cortázar não é para todos os gostos. Numa leitura apressada, seus contos podem parecer confusos, ou darem a sensação de que ainda não estão prontos. Por exemplo, “A Auto-Estrada do Sul” soa à primeira vista uma história de realismo fantástico sobre um engarrafamento quase sem fim na rodovia que vai a Paris. Degustando-a com calma, percebe-se que é um canto sobre a fragilidade das relações humanas e como mesmo os sentimentos mais profundos são efêmeros. Espécie de “Sinal Fechado” em prosa.

Em “Senhorita Cora”, talvez o melhor conto do livro, o leitor precisa ficar atento para acompanhar a voz dos múltiplos narradores, que se revezam nos mesmos parágrafos para narrar o jogo de sedução e repulsão entre um adolescente internado num hospital e sua enfermeira, poucos anos mais velha. Tudo com tanta sensibilidade e delicadeza que é impossível não se emocionar e sentir empatia pelos protagonistas.

Em “Reunião”, Cortázar adota a voz narrativa de ninguém menos do que Che Guevara, para celebrar os primeiros dias da guerrilha da Revolução Cubana, quando todos eram jovens, idealistas e os sonhos não pesavam mais do que um fuzil. Mas preferi “O Outro Céu”, no qual um homem preso a um cotidiano de tédio inventa um mundo alternativo feito de cortesãs, assassinatos misteriosos e galerias sombrias.

“A Ilha do Meio-Dia” e o conto que batiza o livro são histórias sobre obssessões. De um comissário de bordo por uma ilhota grega que avista três vezes por semana, da janela do avião, e de dois casos de amor trágicos que refletem o poder destruidor da paixão.

Os contos restantes, “A Saúde dos Doentes” e “Instruções a John Howell” falam sobre a tênue fronteira enfre ficção e realidade. De uma família cujas mentiras a uma mãe enferma acabam por enredar a todos numa trama de silêncios e de um homem preso num estranho jogo em uma peça teatral.

A quem se interessar por Cortázar, recomendo começar pelo livro “As Armas Secretas”, em especial o conto “O Perseguidor” - obra-prima absoluta sobre a queda de um músico de jazz, inspirado em Charlie Parker. Claro, o texto mais famoso de Cortázar é o romance “O Jogo da Amarelinha”, que espero ler no próximo ano, quem sabe em algum café de Buenos Aires.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Vocação do Poder

Outro dia li uma entrevista de Eduardo Coutinho se queixando de que quase 1/3 dos filmes produzidos no Brasil são documentários e que não há capacidade de os espectadores absorverem tanto. Temo que ele tenha razão. Embora eu adore o gênero e veja quase tudo, em geral as sessões estão vazias. Velha história: ingresso caro, temas que abordam problemas sociais e às vezes as pessoas só querem descansar a cabeça após um dia duro. Mas para quem gosta de documentários, há um imperdível em cartaz: “Vocação do Poder”, de José Joffily e Eduardo Escorel.

Os diretores acompanharam a rotina de 6 candidatos a vereador na última eleição municipal. O resultando é um dos painéis mais interessantes da “política como ela é”, num retrado revelador e bem-humorado de como se dá a relação dos políticos com os potenciais eleitores. Os personagens do filme são um compositor de rap (PV), uma pastora evangélica (PL), um advogado (PT), um empresário e administrador regional (PSDB), um estudante ligado ao grupo do prefeito Cesar Maia (PFL) e outro estudante, herdeiro de dois políticos da zona oeste (PMDB).

O grupo eclético cobre muito bem as várias faces de uma campanha a vereador. Há os que têm boas máquinas partidárias, com direito a carreatas, santinhos, showmícios. Os que precisam do corpo a corpo com os eleitores, suando para distribuir alguns panfletos. Em comum, a extrema carência da população que buscam representar. Os candidatos e seus cabos eleitorais são assediados com pedidos de emprego, cadeiras de roda, obras básicas de saneamento e infraestrutura. Alguns eleitores reagem com raiva e desfilam queixas por seus direitos não-atendidos, outros aproveitam a chance para esculhambar os políticos.

A bem da verdade, muitos dos candidatos também parecem não saber muito bem para que serve um vereador e vêem o cargo como uma espécie de fornecedor de serviços assistenciais para a população, de intermediários entre o Estado (distante das demandas sociais) e os cidadãos.

O filme realmente cria um bruto suspense entre quem foi eleito e quem perdeu e me peguei torcendo para alguns candidatos – e rezando para que outros não fossem eleitos. Adianto que há surpresas.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Projeto MAPAS

Ontem realizamos um seminário de divulgação do relatório final do projeto MAPAS - Monitoramento Ativo da Participação da Sociedade. Foi uma atividade na qual estive envolvido ao longo do último ano e meio. A princípio focamos nos espaços de participação do governo Lula (Conselhos, acompanhamento do orçamento, conferências de políticas públicas) e depois abordamos conflitos sociais.

O relatório final foi distribuído em CD-ROM e é bastante crítico ao governo e foi destacado com tal pela imprensa, principalmente por Merval Pereira que dedicou duas de suas colunas no Globo para tratar do que analisou como o distanciamento dos movimentos sociais do governo Lula. Em termos. A equipe do projeto, incluindo eu, estamos muito decepcionados com o presidente, mas esta não é de modo nenhum a opinião majoritária no campo da sociedade civil, onde a maioria apoiará Lula, apesar dos pesares.

O seminário foi muito bom, contando com a participação de políticos como Carlos Lessa, Plínio de Arruda Sampaio, Luíza Erundina, Jandira Feghali e Saturnino Braga. O clima predominante era de perplexidade, "e agora, o que fazemos?". A pergunta é difícil e acho que a resposta ainda irá demorar. Temos um longo ano eleitoral pela frente.

Quanto a mim, acredito que o que está acontecendo de mais interessante na política brasileira se dá a nível local, como grupos culturais ou pré-vestibulares comunitários. Tenho visto excelentes mobilizações nesse sentido, a questão é como articulá-las às instituições representativas nacionais, como os partidos e os sindicatos, ambos bastantes desgastados. O caminho é longo e é feito ao caminhar.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Prêmio América do Sul


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Fui um dos vencedores do Prêmio América do Sul, promovido pela Fundação Alexandre de Gusmão, do Ministério das Relações Exteriores. Escrevi um ensaio sobre integração regional como um novo modelo de desenvolvimento, que ficou em terceiro lugar no concurso.

Foi muito bom ter recebido o prêmio. Uma boa parte do meu trabalho como professor é preparar candidatos à carreira diplomática, de modo que sempre ajuda o respaldo do Itamaraty. Além disso, o tema da América do Sul é central nas minhas atividades de pesquisa como cientista político. O estímulo incentiva a continuar nesse caminho. O texto é uma mistura de várias coisas importantes na minha vida: a prática de ensino, os eventos de trabalho, inquietações, expectativas, conversas com amigos, sonhos.

Além disso, também ganhei uma quantia em dinheiro que vem bem a calhar nestes tempos de gastos pesados por conta do novo apartamento. Os planos são gastar quase em tudo em cachaça, mas deixar um tanto para realizar uma viagem a Machu Picchu. Há justiça poética em usar um prêmio sobre América do Sul para conhecer o coração simbólico do continente, fora uns dias de féria a que tenho direito e a milhagem acumulada na Varig. Só falta agora arranjar companhia, alguém se habilita?

Devo ir para Brasília na sexta da semana que vem, para a cerimônia oficial de entrega do prêmio. Vou aproveitar para rever os amigos na capital e dar um abraço no meu irmão.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Breve Romance de Sonho


A feira do livro está no Largo da Carioca, há alguns passos de onde trabalho, de modo que com freqüência passeio por lá e cisco por entre as barracas. Encontrei ótimas ofertas e comprei muitos livros interessantes, principalmente de ficção, como "O Lobo da Estepe" e "Nosso Homem em Havana". Escolhi comentar "Breve Romance de Sonho", do escritor austríaco Arthur Schnitzler, por ser o menos conhecido deles, e por ter sido uma obra que me impressionou bastante.

Nunca tinha lido Schnitzler, mas sabia que ele havia sido um artista brilhante e um dos mais importantes representantes da vida cultural da Viena do início do século XX, com relações estreitas com a psicanálise - reza a lenda que Freud relutou em ser apresentado a ele, de tão parecidas que eram suas idéias. De fato, "Breve Romance de Sonho" é uma jornada fascinante pelo que um pitoresco político brasileiro chamaria de "instintos primitivos", e que o dr. Freud preferiu batizar de "pulsões".

Se você viu o filme "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick, já conhece a trama básica de "Breve Romance de Sonho". Um jovem casal de classe média vai a um bale de máscara e se excita com as fantasias. De volta à casa, mais animados do que de costume, acabam fazendo confidências e a mulher confessa que pensou em trair o marido com um rapaz que conheceram nas férias de verão.

A revelação deixa o homem perturbado. Ele inicia então um passeio pela Viena noturna, onde por baixo da respeitabilidade do cotidiano se esconde um mundo de prostituição, orgias e desejos reprimidos. Após essa jornada, retorna para sua mulher e ambos resolvem tentar esquecer os estranhos acontecimentos pelos quais passaram, mantendo a fachada de um "casamento normal".

O ponto para Schnitzler é que a "normalidade" só existe como uma espécie de máscara, porque as pessoas são cheias de sentimentos e paixões não muito compatíveis com o decoro público. O filme de Kubrick é uma boa adaptação, mas fica tudo muito glamouroso, a começar pelo elenco estelar (Tom Cruise e Nicole Kidman). O melhor de "Breve Romance de Sonho" é justamente a transição quase imperceptível entre o mundo cotidiano da classe média vienense, onde tudo é aparentemente limpo, claro e bem organizado, e as zonas sombrias dos desejos ocultos. Alguns dos personagens parecem saídos dos casos do dr. Freud. Em suma, grande livro. Vou procurar mais obras do mesmo autor.

sábado, dezembro 03, 2005

A Queda de Dirceu


A cassação de Dirceu era esperada há alguns meses, desde que renunciou ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Respeito a trajetória de Dirceu, representativa de uma tradição importante da esquerda brasileira, ainda que autoritária demais para meu gosto. Seu papel no governo Lula reflite as dificuldades que discutimos no seminário de Recife sobre participação social país.

Após a redemocratização, foram criados no Brasil cerca de 27 mil conselhos de políticas públicas, em todos os níveis de governo. Esses espaços reúnem representantes oficiais, dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil. Supostamente, seriam os fóruns de interlocução de onde nasceriam políticas públicas mais includentes e sensíveis aos problemas brasileiros.

Claro que houve avanços nos conselhos, mas de modo geral há frustração disseminada de que sua grande promessa não se cumpriu, de que eles têm pouco impacto efetivo na vida da população, embora exijam muito tempo e recursos das organizações que participam de suas atividades.

Havia uma expectativa na esquerda de que a eleição de Lula iria mudar isso e promover uma transformação nesse campo. Evidentemente, não foi o que ocorreu. Foram criados alguns conselhos e espaços, mas o modo tradicional de fazer política - a troca de favores entre elites - continua predominante.

Dirceu iniciou sua militância política no movimento estudantil dos anos 60, em organizações dissidentes do Partido Comunista e defensoras da luta armada. O projeto dessa turma podia ser baseado em nobres intenções de mudar o Brasil, mas não era democrático nem aberto à participação - a liderança do processo era em moldes leninstas, de uma pequena "vanguarda" que deveria representar a maioria da população.

Esse tipo de postura é bem característico dos setores principais do governo Lula, embora eu abra exceções para pessoas como Olívio Dutra e Marina Silva, vindos de uma tradição de movimentos sociais muito mais aberta e democrática. Claro que uma vez no poder, a vanguarda muitas vezes age da mesma maneira que a elite contra a qual ela dizia estar lutando. Daí aos mensalões da vida, é menos do que um passo.

A história poderia ser diferente? Acho que sim. O governo Lula fez suas opções porque esclheu m projeto de poder - manter-se na presidência - e não uma agenda de transformações e mudanças sociais, que implicam um risco maior. Não estou triste por Dirceu: ele teve o que merecia e o que procurou. Lamento apenas que sua queda não represente a ascensão de uma corrente mais democrática, mas somente uma guinada mais intensa do presidente a um discurso populista e eleitoreiro, indigno de sua trajetória de vida.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Em Recife

Falei tanto sobre o Nordeste no post anterior, e eis-me aqui. Cheguei em Recife na segunda-feira e fico até amanhã. Vim para um seminário sobre participação social no governo Lula, com representantes de todo o Brasil.

Como estou na organização do evento, o trabalho está muito puxado, com várias reuniões e discussões. Ontem apresentei ao seminário uma síntese dos debates sobre participação ocorridos nas oficinas regionais que serviram de preparação a este encontro nacional.

O tema é difícil e há um clima de desencanto e frustração com o governo Lula. Embora a retórica seja pró-participação, na prática a gestão das políticas públicas continua muito fechada e pouco transparente. Claro que isso contribuiu para os atuais escândalos de corrupção.

Apesar disso, as pessoas estão de bom humor e a confraternização está ótima. Só estou um pouco cansado por causa do ritmo intenso de trabalho, e com muitas providências me esperando no Rio por causa do apartamento e das obrigações acadêmicas.

Soube pela TV da cassação de José Dirceu e do atentado contra o ônibus no Rio. Imagino como deve estar a cidade, gostaria de ter mais informações.
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