quarta-feira, dezembro 28, 2005

Um Índio



Há alguns dias quero escrever sobre a vitória de Evo Morales na Bolívia. Pela primeira vez na América Latina um índio foi eleito presidente. E não se trata somente de uma história pessoal de ascensão, mas de um homem que representa um movimento social importante e que terá repercussões em outros países do continente.

Meu interesse pelos movimentos indígenas nos Andes vem da minha viagem ao Equador, em 2004, quando entrevistei lideranças do Partido Pachakuti, que fez parte da coligação que elegeu Lucio Gutierrez presidente do país. Uma índia, Nina Pacari, foi nomeada ministra das Relações Exteriores e exerceu o cargo por 6 meses, até o Pachakuti romper com Gutierrez no início da crise que levou a sua renúncia.

Na Bolívia, como no Equador, a mobilização política dos índios vem sobretudo da década de 1980, paralela à volta da democracia na América Latina. Contudo, os índios já haviam desempenhado papel importante em grandes eventos da história boliviana recente, como a Guerra do Chaco (anos 30) e a Revolução de 1952.

Outra particularidade da Bolívia é a junção entre sindicatos e índios - a base do Movimento ao Socialismo, partido de Morales. O pacote tradicional de privatizações e abertura econômica atingiu muito duramente as minas de estanho, centrais na Bolívia. Estima-se que dezenas de milhares de mineiros perderam o emprego e vários deles voltaram ao campo, tentando a vida na agriculura. Os sindicalistas trouxeram sua tradição de mobilização e greves e os camponeses, de origem indígena, sua história de lutas pela terra e pela água. O resultado foram protestos sociais de enorme força, entre os quais a campanha contra a privatização da água e o questionamento dos acordos com as empresas transnacionais que exploram o gás.

Além de Morales, há a figura marcante do vice-presidente eleito, o sociólogo Alvaro Garcia Linera. Um intelectual respeitado, ex-líder guerrilheiro de um movimento indígena, com idéias interessantes sobre conjugar a economia informal das grandes cidades com a agricultura comunitária dos índios do altiplano andino. Homem a se observar.

A imprensa brasileira tem destacado muito os conflitos em torno da atuação da Petrobras, responsável por quase 20% do PIB boliviano. Com esse nível de dependência, é difícil imaginar uma ruptura por parte de Morales. O mais provável é negociar um acordo que lhe dê algumas vantagens para que possa manter as aparências diante de sua base social.

A questão mais séria é a política anti-drogas – destruição de plantações de coca - financiada pelos EUA. Além de ser matéria-prima à cocaína, a coca também é um tradicionalíssimo cultivo na Bolívia, usada na alimentação, na medicina e até em cerimônias religiosas. Não se pode proibi-la. Mas como fiscalizar sua produção e comercialização? No quadro atual, parece impossível, ainda mais sendo o próprio Morales um representante dos plantadores de coca.

2 Comentarios:

Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Pois é. Mas, meu caro... Depois que um cowboy foi eleito nos Estados Unidos para fazer faroeste no oriente... tudo pode acontecer.

dezembro 31, 2005 11:41 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Meu caro,

pelo que vejo na CNN, o clima nos EUA com relação ao Evo Morales está mais para Forte Apache do que para Dança com Lobos. Vem chumbo grosso pela frente.

Abraços

janeiro 02, 2006 1:37 PM  

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