Todos os Fogos o Fogo
“Não sei sobre o que é o livro, mas desde que li o título fiquei com vontade de comprá-lo”, me disse uma amiga. Ainda não lhe contei que a expressão significa algo como a “paixão é uma só e tem sempre efeitos devastadores, não importa a época”. Numa descrição mais cotidiana, é como se chama uma pequena coletânea de oito contos do escritor argentino Julio Cortázar, mestre maior das letras latino-americanas.
Instrução aos navegantes: Cortázar não é para todos os gostos. Numa leitura apressada, seus contos podem parecer confusos, ou darem a sensação de que ainda não estão prontos. Por exemplo, “A Auto-Estrada do Sul” soa à primeira vista uma história de realismo fantástico sobre um engarrafamento quase sem fim na rodovia que vai a Paris. Degustando-a com calma, percebe-se que é um canto sobre a fragilidade das relações humanas e como mesmo os sentimentos mais profundos são efêmeros. Espécie de “Sinal Fechado” em prosa.
Em “Senhorita Cora”, talvez o melhor conto do livro, o leitor precisa ficar atento para acompanhar a voz dos múltiplos narradores, que se revezam nos mesmos parágrafos para narrar o jogo de sedução e repulsão entre um adolescente internado num hospital e sua enfermeira, poucos anos mais velha. Tudo com tanta sensibilidade e delicadeza que é impossível não se emocionar e sentir empatia pelos protagonistas.
Em “Reunião”, Cortázar adota a voz narrativa de ninguém menos do que Che Guevara, para celebrar os primeiros dias da guerrilha da Revolução Cubana, quando todos eram jovens, idealistas e os sonhos não pesavam mais do que um fuzil. Mas preferi “O Outro Céu”, no qual um homem preso a um cotidiano de tédio inventa um mundo alternativo feito de cortesãs, assassinatos misteriosos e galerias sombrias.
“A Ilha do Meio-Dia” e o conto que batiza o livro são histórias sobre obssessões. De um comissário de bordo por uma ilhota grega que avista três vezes por semana, da janela do avião, e de dois casos de amor trágicos que refletem o poder destruidor da paixão.
Os contos restantes, “A Saúde dos Doentes” e “Instruções a John Howell” falam sobre a tênue fronteira enfre ficção e realidade. De uma família cujas mentiras a uma mãe enferma acabam por enredar a todos numa trama de silêncios e de um homem preso num estranho jogo em uma peça teatral.
A quem se interessar por Cortázar, recomendo começar pelo livro “As Armas Secretas”, em especial o conto “O Perseguidor” - obra-prima absoluta sobre a queda de um músico de jazz, inspirado em Charlie Parker. Claro, o texto mais famoso de Cortázar é o romance “O Jogo da Amarelinha”, que espero ler no próximo ano, quem sabe em algum café de Buenos Aires.
3 Comentarios:
O "Histórias de Cronópios e de Famas" também é muito bom. Valeu pelas dicas.
Meu véio, eu já não leio mais sobre livros. Porque cheguei à conclusão que já li tanto sobre o assunto que montei na cabeça uma biblioteca de títulos da qual, estou certo, não vou dar conta antes de morrer, mesmo que eu viva 100 anos. Então, fica só o meu Feliz Natal para o querido amigo.
Salve, Vitor.
Entrei numa comunidade do Orkut sobre literatura hispanoamericana e um dos tópicos é "Amo Cortázar". O pessoal tem elogiado vários dos livros dele.
Grande Glauco,
feliz Natal para você também, meu caro. E se resolver abrir exceções na biblioteca, recomendo Cortázar.
Abraços
Postar um comentário
<< Home