segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Do que o Tempo Leva e Traz

Sábado comecei o curso no Instituto Cervantes. É um preparatório de dois meses e meio para a prova de proficiência organizada pelo governo da Espanha, diploma exigido pela CAPES para que eu possa pleitear a bolsa na Argentina. Há anos não ocupava o lugar de aluno - o doutorado não conta, no Iuperj os professores tratam a gente mais como futuros colegas. Engraçado estar do outro lado da sala de aula, depois de 5 anos lecionando. É como ir a um show de mágica e observar o sujeito tirar o coelho da cartola sabendo direitinho que o bicho está escondido na manga.

Há duas colegas de turma que também são jornalistas e, sendo nosso mundinho o que é, descobrimos amigos e experiências em comum. Uma delas cursa a graduação na minha desolada alma mater, a Escola de Comunicação da UFRJ, e a consolei dizendo que a faculdade já era muito ruim no meu tempo. Ela me contou que o lendário professor Saboga (posso sentir o desequilíbrio na Força enquanto escrevo seu nome) está proibido pela direção de reprovar mais alunos.

Minhas colegas queriam saber como é trabalhar numa ONG, esse território ainda inexplorado mas promissor para jornalistas. Contei anedotas da minha viagem à África e a conversa me fez pensar no quanto me aconteceu nos últimos anos, nos sonhos que eu sonhava e nos que vivo agora.

No domingo retrasado vi "Antes do Amanhecer" e nesse belo filme romântico, ao se aproximar o momento de despedida do casal protagonista, o personagem de Ethan Hawke recita "As I Walked Out One Evening", poema de W.H. Auden que trata de maneira tocante dessa espécie de corrida que a gente às vezes aposta com a vida:

"The years shall run like rabbits... But all the clocks in the city / Began to whirr and chime: / 'O let not Time deceive you, / You cannot conquer Time... Time watches from the shadow / And coughs when you would kiss. / 'In headaches and in worry / Vaguely life leaks away, / And Time will have his fancy / To-morrow or to-day."

Naquela noite caminhei lentamente de volta para casa, desfrutando da lua, do cheiro da grama molhada e dos versos de Auden. O Tempo espiava das sombras, mas acertamos uma trégua, pelo menos por enquanto. Neste momento em que grandes mudanças se anunciam na minha vida, quase posso ouvi-lo se movimentar, como a virada das páginas de um grande livro.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Omnia Sunt Communia

"Vaidade das vaidades, diz Qohelet, vaidade das vaidades, tudo eh vaidade." Eclesiastes (1,2)


Hoje terminei de ler um excelente livro. Como jah tinha dito antes, resolvi ler "Q - O Cacador de Hereges", de Luther Blissett, e achei que valia a pena falar um pouco sobre ele por aqui.

Blissett nao existe -- ele eh o pseudonimo escolhido por quatro autores italianos para escrever uma serie de artigos, panfletos e este livro, que virou best-seller na Europa por razoes compreensiveis. Os quatro sao agitadores politicos e culturais (provavelmente anarquistas) e pegaram o nome "Luther Blissett" de um jogador jamaicano que jogou no Milan na decada de 80. Ha pouco tempo eles resolveram "suicidar" Blissett e agora assinam com o nome de Wu Ming.

"Q" eh um livro que deve muito a Umberto Eco, apesar de Blissett negar com todas as forcas. A historia se passa durante os quarenta anos entre a publicacao das teses de Lutero e a Paz de Augsburgo de 1555, onde travou-se na Europa uma das mais sangrentas e continuadas disputas religiosas da Historia. Neste ambiente de guerra entre Catolicos e Protestantes, surgem os dois protagonistas do livro: "Gert" (um Anabatista) e "Qohelet" (um espiao alemao a servico do cardeal Carafa). Durante quarenta anos os dois se enfrentam anonimamente. O livro viaja por grande parte da Europa -- de Munster a Londres, de Veneza a Bologna.

Como em qualquer livro de Eco, aquelas primeiras 70 (neste caso 120) paginas sao mortais -- nada acontece, o que deixa o leitor desesperado por alguma acao. Mas quando se entra no ritmo e entende-se o porque dos flashbacks e flashforwards, tudo faz sentido. Incrivelmente, o livro nao eh sobre religiao, apesar de falar dela em todas as suas paginas. A historia gira em torno das diversas formas de mobilizacao contra o sistema e da constante vigilia do poder constituido. O livro fala mais sobre o mundo atual do que sobre o seculo XVI. Eu diria que eh uma obra-prima de conspiracao, de conspiradores para conspiradores.

O livro jah foi traduzido e editado no Brasil pela Editora Conrad. Seu conteudo (junto com outros livros de Blissett), no entanto estah totalmente disponivel na internet (especialmente apropriado para quem puder imprimir o catatau de graca no trabalho). Recomendo a leitura.

Ah, "omnia sunt communia" era o grito de guerra de Thomas Muntzer, massacrado em 1525. Tudo pertence a todo mundo.

Lembrando Betinho


A Volta do Irmão do Henfil Posted by Hello

Se estivesse vivo, mestre Herbert de Souza faria 70 anos em 2005. Uma das muitas coisas que ele fez na vida foi fundar a ONG em que trabalho, de modo que organizaremos uma campanha em sua homenagem. O foco deve ser nos jovens que não têm idade para lembrar de quem foi o irmão do Henfil.

Por conta disso, nesta semana houve um seminário no IBASE com a publicitária que organizou a campanha contra a fome. Trabalhei com ela na preparação dos Diálogos contra o Racismo e desde então me tornei seu admirador. Ela fez uma excelente exposição, mostrou os principais vídeos do movimento, muitos deles emocionantes, e ressaltou a importância do marketing para os temas sociais, como método de divulgar as próprias idéias e atividades de maneira envolvente.

Essa é uma tarefa na qual as ONGs e movimentos sociais ainda precisamos melhorar muito. Fazemos muitas coisas interessantes, mas falhamos em nos comunicar com o público mais amplo. Claro que isso leva, em diversos casos, a um discurso viciado, de coleguinha para coleguinha. Vi muito disso no Fórum Social Mundial, por exemplo.

A campanha em homenagem a Betinho vem em boa hora. É impressionante ver a mobilização da Ação da Cidadania e notar o quanto ela apostava na força da sociedade civil. Hoje em dia as ONGs estão muito concentradas em (tentar) influenciar o Estado, que é muito hábil em cooptar (um cargo aqui, um almoço com o ministro ali) e bastante lento em apresentar mudanças concretas. A situação é agravada porque os movimentos sociais não sabem se são contra ou a favor do governo Lula, ambigüidade que gera grandes distorções entre um discurso radical e uma prática perigosamente próxima da velha troca de favores clientelistas.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Hunter S. Thompson, 1937-2005

Fiquei muito triste com a morte de Hunter Thompson ontem. Foi encontrado morto por seu filho depois de se suicidar com um tiro. Thompson decidiu deixar o jornalismo.

Digo isso porque acho que foi isso mesmo o que aconteceu. O cara se cansou. Imagino que devia ser muito dificil para alguem como ele viver nos EUA do Presidente Arbusto e cia. E ser chamado de jornalista nos EUA de hoje eh mais um insulto do que um elogio.

Claro que Thompson estava alem do "simples" jornalismo. Ele criou um estilo -- o jornalismo "gonzo". Nao vou tentar explicar o que significa. Quem quiser saber que leia o maravilhoso e genial "Fear and Loathing in Las Vegas" (depois transformado em filme pelo tambem genial Terry Gilliam). Sua narrativa dos "fatos" eh absolutamente anarquica e sem nocao. Sua escrita, movida por sexo, drogas e roquenrol, foi revolucionaria para os padroes do jornalismo considerado "serio" da epoca. Toda uma geracao de jornalistas americanos inspirou-se em Thompson e promoveu uma escrita mais livre e mais critica. Nao digo que todo jornalismo deveria ser "gonzo", mas sem Thompson, perde-se uma voz unica na carreira.

Muito se fala que Thompson pode ser considerado o primeiro "blogueiro" -- talvez nao um "jornalista" per se, mas um "comentarista" voraz de uma realidade bastante complicada e moralista. Seu auge, durante a decada de 70, coincidiu por aqui com o governo Nixon, o Watergate e a contra-cultura revoltada dos Panteras Negras, Abbie Hoffmann e afins. Nao eh a toa que atingiu status cult. Mas seu trabalho justifica plenamente seu status -- Thompson nao era apenas estilo. A substancia do que escreveu ainda causa uma sensacao estranha em quem o le.

Ontem, o jornalismo realmente ficou mais sem graca.

domingo, fevereiro 20, 2005

A Vocação de Todos

"O funcionalismo é a profissão nobre e a vocação de todos. Tomem-se, ao acaso, 20 ou 30 brasileiros em qualquer lugar onde se reúna a nossa sociedade mais culta, todos eles ou foram, ou são, ou hão de ser, empregados públicos, se não eles, seus filhos."

Joaquim Nabuco, político, diplomata e pioneiro das ciências sociais brasileiras, escreveu essas palavras em O Abolicionismo, há uns 120 anos. Me surpreendo em constatar o quanto elas permanecem verdadeiras. Ultimamente, não consigo ir a uma festa, ou passar por uma roda de conversa com mais de quatro pessoas em que não se discuta a oportunidade de um concurso público.

Como leciono num preparatório para o Itamaraty, sempre me perguntam sobre a prova e a carreira diplomática - o chanceler deveria me pagar um pro labore pela quantidade de dúvidas que tiro. É impressionante o quanto meus colegas de pós-graduação estão interessados na possibilidade de ingressar no Ministério das Relações Exteriores, que paga melhor do que as sucateadas universidades públicas, que além disso realizam poucos concursos.

O entusiasmo com o funcionalismo vem, claro, dos problemas econômicos do país e de uma certa saturação no mercado de trabalho de várias profissões. O lado bom dessa situação é que o serviço público está atraindo uma juventude com alta escolarização, recrutada por mérito. No futuro, quando essa geração chegar a cargos de chefia, o impacto sobre a eficiência do Estado será grande. Meu irmão fala com admiração dos jovens juízes, preocupados com temas sociais e outro dia conheci uma moça muito simpática e inteligente numa festa, que lá pelas tantas me contou que é agente especial da Polícia Federal, encarregada da segurança do embaixador dos EUA em Brasília!

Com boas oportunidades de treinamento e formação, o funcionalismo continua a desempenhar o papel identificado por Nabuco: "abriga todos os pobres inteligentes, todos os que têm ambição e capacidade, mas não têm meios, e que são a grande maioria dos nossos homens de merecimento." Troquemos "pobres" por "pessoas da classe média" e creio que teremos um retrato razoavelmente preciso.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

GG & JB

Tem coisas que voce soh consegue ver e ouvir depois de sair do seu pais. E as duas envolvendo o Ministro da Cultura/Compositor/Pensador/Entertainer Gilberto Gil. Acho que as duas valem a pena, por motivos diferentes.

A primeira delas eh a mais recente: ontem (dia 17 de fevereiro), Gil deu uma palestra em Berkeley para uma plateia lotada, entusiasmada e com a maior paciencia pra aguentar o ingles complicado e artistico do Ministro. Falou de muitas coisas: desenvolvimento, ecologia, direitos autorais, cultura digital, entre outras coisas. Quem tiver uma conexao rapida a Internet, tempo a disposicao e interesse, pode assisti-la na integra atraves de RealVideo.

A segunda: descolei essa semana um disco das antigas que jah nao existe mais no Brasil e que soh existe por aqui (lancado pela Verve). Em 1975, nosso atual Ministro e o grande Jorge Ben beberam todas, fumaram todas e tiveram a incrivel ideia de fazer uma "jam session" no sotao da casa do Gil. Pegaram dois violoes, um bongo e um famoso gravadorzinho portatil. Mais insano, impossivel. Mais legal, tambem impossivel. As musicas tem todas uns 10 minutos em que os caras ficam improvisando letras e variacoes em torno de algumas coisas consagradas deles. As versoes de "Nega" (em ingles embromation/junkie) e "Taj Mahal" sao antologicas. Quem vier aos EUA, compre. Quem passar pelo Centro da Cidade, tente conseguir em sebo. Vale a pena.

Vai dizer que morar no exterior nao eh legal as vezes?

Um Santoro em Brasília

Como se não bastasse a eleição de Severino, mais um terremoto promete sacudir Brasília: meu irmão foi aprovado no concurso para a Advocacia-Geral da União e com toda probabilidade irá trabalhar na capital federal. Ele está, claro, felicíssimo. Seria uma bela conquista para qualquer um, é uma vitória extraordinária para um rapaz de 24 anos, que se formou em 2004.

A semana também me trouxe novidades. Após 6 meses de peregrinação por cartórios e burocracias, consegui vender o pequeno apartamento que herdei da minha madrinha. Somando a venda com minhas economias, tenho o suficiente para comprar meu próprio imóvel, contanto que pesquise bem e com calma - o mercado carioca é uma mistura de Banco Imobiliário com War, com preços que às vezes fazem a gente se sentir em Manhattan ou Tóquio.

A família Santoro mora quase toda no mesmo bairro, e isso há 100 anos. Na verdade, moramos quase todos no mesmo prédio, construído pelo meu avô. Com os dois rebentos fazendo planos de vôo autônomo, o ambiente anda menos do que entusiasmado lá em casa. Como psicóloga, minha mãe tenta disfarçar. Como filha de italianos, isso é uma impossibilidade cultural, senão genética.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Uma Eleição do Barulho


"Mediocridades do Brasil, eu vos represento!" Posted by Hello

Por tradição, a presidência da Câmara dos Deputados cabe ao partido majoritário no Congresso. Atualmente, o PT, que indicou ao cargo Luiz Eduadro Greenhalg, respeitável advogado defensor de direitos humanos. Mas eis que um colega de sigla, Vírgilio Guimarães, resolve concorrer por conta própria. Aproveitando a confusão, um aventureiro do PP, Severino Cavalcanti, lança sua candidatura e após um processo turbulento, é eleito.

Os bastidores da disputa estão muito bem cobertos no blog amigo BSB News, nossos olhos em Brasília, cuja identidade deve permanecer oculta por razões de Estado. Me limito a uma análise dos resultados - como isso interfere na minha, na sua, na nossa vida, leitor(a).

Cavalcanti fez metade da carreira política (sete partidos em 40 anos) apoiando a ditadura e a outra parte em jogos fisiológicos com seu eleitorado no interior de Pernambuco. Sua principal bandeira pública é a oposição ao casamento gay. A plataforma para os coleguinhas é mais sedutora: equiparar o salário dos deputados aos ministros do Supremo, o que significa um aumento de R$12.720 para R$21.500, fora as verbas auxiliares. Isso causaria uma reação em cadeia, pois os vencimentos dos parlamentares estaduais e dos vereadores são baseados nos da Câmara.

Dois fatores explicam a vitória de Cavalcanti: 1) A oposição a Lula ter aproveitado a bagunça do PT para se vingar da truculência petista no trato com o Congresso e impor uma derrota ao governo; 2) O apoio do chamado "baixo clero" da Câmara às propostas do novo presidente da instituição.

Os brasileiros vêem os deputados como privilegiados e poderosos. OK quanto ao primeiro, mas no Legislativo nacional um deputado tem pouco poder. A maior parte das leis, em torno de 70%, são originadas no Executivo. Para o parlamentar comum, as atividades se resumem a pouco mais do que votar segundo a orientação dos líderes de bancada, muitas vezes em assuntos dos quais pouco sabe. Claro que há deputados que se destacam, com voz na imprensa, influência, etc. Mas a maioria vê o Congresso como um degrau para virar prefeito, tentando levar recursos para sua cidade ou região.

Com Cavalcanti na presidência da Câmara, aumenta o que chamamos na ciência política de "custos de transação". Lula vai ter mais trabalho para aprovar o que quiser, pois negociará com um opositor. E claro, terá que gastar mais. Amor sincero custa caro e a relação com o novo líder será algo muito próximo ao sexo pago, com todo respeito às prostitutas, que embora também recebam dinheiro para mudar de posição, em geral não exigem ministérios de seus clientes.

Nesse contexto, a agenda de negociar reformas nas universidades federais, no sistema eleitoral e na legislação trabalhista fica muito mais difícil. Talvez a própria reeleição de Lula. Façam suas apostas. O post fica com título digno de chanchada, porque foi isso mesmo o que ocorreu em Brasília.

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Os Portoes da Discordia

Quem for para Nova York ateh o final do mes e, por acaso, bater de frente com o Central Park, vai ver uma obra de arte nao-convencional. Por todos os lados do parque foram instalados 7000 "portoes" laranja de aco com uma cortininha pendurada em cada um. O nome da "instalacao" gigantesca: "The Gates" ("Os Portoes").

Escrevo sobre "Os Portoes" porque este parece ser o tema central de qualquer disscussao na midia esta semana por aqui. O projeto custou 20 milhoes de dolares e nada saiu do bolso do contribuinte -- o projeto todo foi bancado diretamente pelo casal de artistas que o produziu, Jeanne-Claude e Christo. Marido e mulher, os dois sao umas figuras: ela usa cabelo laranja (da cor dos portais) e ele parece um genio maluco. Ela sempre fala tudo e ele sempre fica quieto. A filosofia de trabalho dos dois eh plenamente capitalista: nao houve nenhum trabalhador voluntario no projeto, apenas pessoas contratadas. Perguntados sobre o significado dos portoes no programa "60 Minutes", Jeanne-Claude respondeu: "Nenhum. Nenhum dos nossos projetos tem significado. Arte nao deve ter significado. Arte eh apenas arte."

Eh claro que um projeto deste tamanho gera todo tipo de opiniao. Alguns amam, outros odeiam. Os que amam dizem que "Os Portoes" vao trazer muito dinheiro em turismo, enquanto os que odeiam acusam o Prefeito Bloomberg de submeter toda a cidade a um elefante branco (ou melhor, laranja) do qual a populacao nao teve chance de escolher. Para a critica especializada, a resposta de Jeanne-Claude de que toda a arte "nao significa nada" causou alguma polemica.

O que eh inegavel, entretanto, eh que a grande maioria dos Novaiorquinos parece fascinada com o projeto: milhares aparecem a todo momento para aprecia-la, nem que seja de longe. Tiram fotos e sentem que desde o 9/11 nao havia nada tao "coletivo" para a experiencia e vivencia urbana. E mesmo que as opinioes dos especialistas estejam em conflito a respeito da obra, serah este o futuro da arte?

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

O Circuito do Oscar


A melhor do ano: Menina de Ouro Posted by Hello

Nas últimas duas semanas me dediquei à agradabilíssima tarefa de assistir aos filmes que concorrem ao Oscar. "O Aviador" é o favorito, com 11 indicações, mas acho que é o mais fraco da safra deste ano. Escolher o melhor é mais difícil, ainda assim aponto "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, como meu preferido.

Hillary Swank, ainda mais afiada do que em "Meninos não Choram", interpreta uma garçonete balzaquiana que sonha em virar boxeadora. Ela talvez esteja velha demais, mas tem talento. Tudo que precisa é de um empurrãozinho - ou de um bom treinador, como Frank Dunn (Eastwood), amargurado por mágoas do passado, que administra um ginásio em parceria com um amigo dos tempos do ringue, Scrap (Morgan Freeman, excelente!).

Como em todos os filmes dirigidos por Eastwood, os personagens são durões, pessoas feridas pela vida, mas extremamente competentes no que fazem. As lutas ocupam pouco tempo do filme. A história na realidade é sobre companheirismo, dedicação, o sonho de ir além dos próprios limites. E da dor inerente a essa tentativa. Muito, muito bom. Me lembrou alguns dos grandes contos de boxe de Hemingway, como "The Killers".

"Sideways" também é excelente. Dois amigos partem numa viagem pelas vinícolas da Califórnia, às vésperas do casamento de um deles. Um é ator, mulherengo e canastrão. O outro é um escritor frustrado, depressivo, que ganha a vida ensinando inglês. Ao longo de uma semana provando vinhos, se envolvendo com belas mulheres (bem, algumas nem tão belas) e discutindo os tais caminhos secundários que a vida às vezes toma, os dois passarão por grandes momentos. Ótimo roteiro e atuações, com tudo o que você sempre quis saber sobre a uva Pinot noir.

Destaco ainda "Em Busca da Terra do Nunca", filme pelo qual não dava nada. Mas a história do dramaturgo que escreveu "Peter Pan" é um belo conto de amor, com sacações geniais sobre inspiração e criatividade. Aviso: leve lenços. Os caras sabem como fazer chorar, embora o filme esteja a léguas de ser melodramático. Nada com um bom roteiro para mexer com as emoções do público.

Quanto a "O Aviador", é uma matinê legal. Mestre Scorcese foi indicado várias vezes ao Oscar, por filmes excelentes como "Gangues de Nova York". Se ganhar com este, pelo menos a Academia terá escrito certo por letras tortas, o que não é privilégio de Deus.

sábado, fevereiro 12, 2005

Almodovar e Q

Ontem, depois de alguns meses de atraso, consegui assistir ao maravilhoso "Ma Educacao" do Almodovar. Nao quero requentar a discussao nem tenho muito a acrescentar ao que o Mauricio jah disse sobre o filme anteriormente, mas gostaria de fazer duas pequenas observacoes e talvez convencer aos poucos leitores deste blog que ainda nao o assistiram a faze-lo.

(1) Este filme parece ser unico na filmografia do Almodovar -- parece-me apontar para uma nova fase (serah?). Depois das comedias barrocas ("Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos" ou "Ata-me!") e dos filmes "existencialistas" ("Carne Tremula", "Tudo Sobre Minha Mae" ou "Fale com Ela"), este ultimo eh uma tentativa de sintese maravilhosa, com um jogo de metalinguagem sensacional. Ha comedia, drama e suspense nas doses mais do que certas. Serah este o primeiro de uma serie de filmes noir do diretor? Se for, seria estupendo.

(2) Gael Garcia Bernal finalmente me convenceu como ator. Que papel! Nao eh para qualquer um mesmo. Ele tinha sido razoavel como Che, mas nada se compara a "Ma Educacao". Realmente, agora posso dizer que esse rapaz eh um talento para se prestar atencao no futuro.

No mais, comprei em um saldao da biblioteca a versao em ingles em capa dura do livro de Luther Blissett, "Q" (custou-me 4 dolares). Sei que o JD nao gostou do livro. Algum dos leitores do blog jah leu? E o que acharam?

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

A Ironia Coreana

A Coreia do Norte finalmente anunciou hoje o que todo mundo jah suspeitava -- eles tem armas de destruicao em massa. Eles se retiraram das negociacoes sobre seu programa nuclear porque finalmente terminaram de construir a sua propria bomba.

Mas o W nao vai tentar invadir a Coreia do Norte porque...bem...eles realmente tem armas de destruicao em massa!

Ardil 22 eh pouco, hein?

Reforma da ONU


Um mundo de problemas... Posted by Hello

Na semana passada, assisti a uma palestra da cientista política Valerie Mello, do Secretariado da ONU, sobre a reforma da organização. As Nações Unidas estão sob fogo cruzado: nos EUA, são atacadas como corruptas e ineficientes, um cabide de emprego para apadrinhados de ditadores. Nos movimentos sociais, são vistas como autoritárias e servis diante das grandes potências. Valha-me Deus, até a Portela foi falar da ONU e deu no que deu: carros quebrados, Velha Guarda impedida de desfilar e um amargo penúltimo lugar.

Em setembro vai acontecer uma cúpula sobre a reforma das Nações Unidas e o IBASE deve acompanhar o processo. No Fórum Social Mundial, a reforma da ONU foi um dos temas mais discutidos, com propostas como alterar o sistema de representação da organização, para que leve em conta não só Estados, mas também governos regionais (províncias, prefeituras) e até mesmo indíviduos, através de algum tipo de parlamento mundial. Também houve sugestões de mudar a sede das Nações Unidas para um país em desenvolvimento.

Valerie Mello apresentou o relatório sobre ameças à segurança internacional. Foi uma exposição excelente, destacando vários dos principais pontos do debate. Em resumo, a ONU trabalha com uma perspectiva ampla do problema, considerando questões como tensões econômicas e sociais, rivalidades étnicas, terrorismo, crime organizado e mesmo epidemias e degradação do meio ambiente.

É uma agenda muito abrangente - talvez demais. O excesso de expectativas só pode levar à frustração, e às vezes a julgamentos injustos. Uma professora da PUC presente à palestra inclusive fez uma intervenção surpreendente, dizendo que as Nações Unidas tinham falhado em acabar com a guerra e por isso se tornaram inúteis.

Embora a ONU afirme em sua Carta que seu objetivo é livrar a humanidade do flagelo da guerra, não é muito realista esperar que uma instituição intergovernamental seja capaz de aprimorar a natureza humana a esse ponto.

O que é bem diferente de afirmar que a organização é inútil. Ela tem funções importantes, amenizando os efeitos mais violentos do unilateralismo americano, mantendo um fórum de debates mundial sobre temas políticos, econômicos e sociais, prestando auxílio humanitário em casos de guerra e catástrofes naturais, auxiliando governos com missões técnicas e científicas na cooperação para o desenvolvimento.

Minha experiência de trabalho com os africanos me ensinou o quanto é importante para os habitantes daquele continente o acesso aos serviços estatísticos e de pesquisa das Nações Unidas, na ausência de órgãos com a mesma capacidade técnica em seus países. Pode não ser glamouroso quanto a paz mundial. Mas é a base para projetos mais ambiciosos.

Em suma, começo a pesquisa já apaixonado pelo tema. Vem bom debate por aí.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Tio Ricky x Dr. Rogério

Ontem minha tia pediu votos para eliminar o Dr. Rogério do Big Brother, acrescentando que ela e tio Ricky estavam conectados à Internet atacando o médico pit-boy do programa. É a primeira vez que vejo a Família envolvida em uma campanha eleitoral, embora haja rumores de que meu bisavô era lacerdista. Cenas semelhantes ocorreram em várias outras casas brasileiras, pois o dr. Rogério bateu o recorde de rejeição, com 92% dos 31 milhões de votos. E hoje os jornais nos contam que ele também perdeu o emprego, porque disse no ar que roubava Viagra do hospital onde fazia residência, para dar aos amigos.

Nesta Quarta-feira de Cinzas, podemos avaliar quem foi a musa do Carnaval. Luma de Oliveira? Juliana Paes? Larry Rother? O correspondente do NY Times bem que tentou, virando letra de um inesquecível samba do bloco dos jornalistas cariocas, Imprensa que eu gamo: "Ele não gosta de cachaça / Ele não entende de mulher / Uh, Larry Rother! / Será que ele é?". Mas não houve jeito: o título de musa vai mesmo para Jean do Big Brother.

A ascensão ao título começou na quinta-feira, quando foi escolhido líder. Até então a prova para a liderança era sempre baseada em sorte/azar, mas a Globo resolveu modificar o método e aplicou um teste de conhecimentos gerais sobre o Big Brother. "Dessa parada de conhecimento eu não entendo muito não", dissera o dr. Rogério. Claro que foi manipulação da emissora para dar a vitória a Jean, o único capaz de pronunciar palavras com mais de quatro sílabas. Quem gosta de justiça e eqüidade é intelectual. O povo quer é intervenção divina, mesmo que da Vênus Platinada do Jardim Botânico.

Quando Jean virou líder, a vizinhança aqui de casa irrompeu em gritos. Cheguei a pensar que fosse por causa de um jogo do Vasco, que acontecia ao mesmo tempo, mas no jornal do dia seguinte havia relatos do mesmo acontecendo em outros lugares, inclusive num bordel que interrompeu as atividades durante a prova. A coisa está séria, se o dr. Rogério não tomar cuidado, apanha na rua igual a vilão de novela. Em Santa Teresa, ele nem pisa - teria que enfrentar o tio Ricky, e eu ainda contribuiria soltando o Lorde.

Agora é ver como os pit-brother vão reagir à perda do macho-alpha do bando. A melhor avaliação até o momento veio de Karla, numa sincera auto-crítica: "Como é que a gente vai fazer sem o Rogério? São os meninos que pensam por nós nesta casa!".

terça-feira, fevereiro 08, 2005

Por Uma Politica Realist(ic)a

Muito se fala que a academia norte-americana tem lacos bastante estreitos com o "Complexo Industrial-Militar" ao qual Eisenhower se referia. Eh verdade: tem mesmo. Nao eh dificil encontrar professores de Relacoes Internacionais ou de Ciencia Politica que fazem consultorias para o Pentagono, trabalham em "Think Tanks" com ligacoes bastante proximas ao governo ou mesmo que, em algum momento de suas vidas, jah nao tenham sido chamados pela CIA ou a NSA para briefings ou mesmo aulas inteiras sobre determinados topicos relacionados a "seguranca nacional".

Isto nao significa que nao haja dissenso. Pelo contrario. Alguns professores sao ateh figurinhas faceis. Nao preciso mencionar aqui nomes como Noam Chomsky, Chalmers Johnson, Michael Hardt, etc. O que chama a atencao eh que, em momentos especificos, alguns nomes que normalmente nao associamos ao dissenso se manifestam com veemencia.

Ha cerca de dois anos, desde que a guerra do Iraque comecou, um grupo de professores resolveu formar uma associacao para protestar contra o rumo da Politica Externa Norte-Americana. Formaram a "Coalition for a Realistic Foreign Policy". Sugiro uma visita ao site e uma lida dos textos (publicados todos em paginas pagas do NYT). Para os que tem algum conhecimento da area de Relacoes Internacionais, a lista parece um "quem eh quem" da area. E a grande maioria Realistas.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Deborah e o ProUni

Deborah, além de ser uma música psicodélica de Jon e Vangelis que começa com "I read your letter..." é também uma aluna de classe média baixa do colégio Pedro II - Engenho Novo. O pai é funcionário público sem reajuste há dez anos, a mãe, dona de casa, acho. Renda familiar, cerca de R$ 300,00 per capita.

Já o PROUNI é uma iniciativa pioneira do governo Lula para colocar na universidade jovens de baixa renda aproveitando as vagas ociosas nas faculdades particulares (todas têm. Até as federais têm). As contrapartidas para as particulares envolvem uma miríade de numeros absurdamente complicados para compreensão. Isenção de impostos, liberação de documentos que empresas endividadas não tem direito, etc.. As filantropicas ou comunitárias (como a PUC) não têm escolha. Têm que participar. Para cada 10 alunos pagantes a universidade tem que abrir uma vaga para o PROUNI. De cada dez vagas, na média, seis são para 50% de bolsa (para quem tem renda familiar per capita de até 700R$) e quatro para 100% (para quem tem renda familiar até 350 reais per capita). Para se candidatar precisa ainda ter acertado pelo menos 45% do ENEM (exame nacional do ensino médio). Se você é negro, indio ou descendente dos primeiros fenícios que subiram a pedra da Gávea, você tem direito a cotas no PROUNI, mas é mais facil passar em primeiro lugar para medicina na UFRJ que entender como essas cotas funcionam.

Criticas (direto da boca do Padre Hortal, reitor da PUC): Estas universidades já tem uma política de bolsas, que terão que ser abandonadas devido ao Prouni. Haverá uma centralização completa da política de bolsas que fere a autonomia universitária. Trata de modo igual todas as particulares, filantrópicas ou comunitárias e acredita que pode solucionar o problema da educação superior sem investimentos na publicas, que continuam sucateadas. Pior, a maior parte destes alunos carentes não terão condições reais de fazer o curso pois não conseguirão pagar sequer as cópias de um curso de humanas (+ barato que engenharia ou medicina, cujos livros são caríssimos). No Curso de RI estimo que os alunos tirem 100 a 150 páginas de xérox por semana. A preço PUC, por mês ele gasta cerca de R$ 70,00. Mais passagem, mais almoço, impossível numa família de renda percapita de ATÉ 350,00.

Além disso, um aluno matriculado apenas em TCC (trabalho de conclusão de curso) no ultimo periodo de, digamos, Engenharia de Telecomunicações, paga a essa universidade cerca de R$ 120,00 pelos créditos que cursa, mas para os efeitos de vagas no PROUNI conta como 1 inscrito. Dez alunos de TCC rendem a Universidade R$ 1200,00, mas a faculdade tem que abrir uma vaga no primeiro periodo para um aluno do PROUNI que, se pagante, pagaria 1200 reais para a Universidade, pois cursará muito mais créditos. Alega-se que este critério não é justo. E que se não for revisto, no futuro haverá turmas inteiras só de PROUNI nas faculdades, que certamente falirão. Muitas já estão quase falindo devido a inadimplência.

Some-se a isso a desorganização do MEC em enviar os documentos, cadastrar os alunos, divulgar prazos (foram quase dez portarias que mudavam constantemente as regras, os prazos, as ordens) que deixava boa parte da responsabilidade de verificar a veracidade das informações dos alunos na mão da Universidade. Como podem os burocratas das universidades descobrir, por seus próprios meios, a veracidade de declarações como "minha mãe não trabalha, é dona de casa"; "nunca conheci meu pai, ele nunca dá dinheiro", ou mesmo "minha avó é doente e mora comigo." ??

Em suma, tudo isso, me levava a ver o PROUni como uma ferramenta clientelista, de curta duração e sucesso escasso. Mas Deborah me fez mudar de idéia.

Deborah nunca foi minha aluna. Descobri que ela era uma das melhores alunas do colégio por acaso. O professor de Geografia me pediu, durante as férias de Julho para auxiliar um grupo de alunos do colégio na formação de posição da delegação sueca e da coréia do Norte. Isso mesmo! Deborah liderava um grupo de secundaristas na tarefa nada simples de simular uma assembléia da OMC (e ONU) sobre temas cabeludos de politica internacional. A simulação, por coincidência era o MIRIN (modelo intercolegial de de Relações Internacionais) organizado pelos meus então futuros alunos de RI da PUC. Eu gastei uma parte das minhas férias orientando Deborah e seus cumplices sobre os meandros da OMC, subsídios, grupo de Cairns, Rodada Uruguai e PAC, e ela ia aos poucos se apaixonando por Relações Internacionais.

Na simulação seguinte (o grupo da Deborah se viciou em Simulações e eles passaram a frequentar todas) na Estácio de Sá, Deborah foi premiada como melhor delegada de seu comitê. Escreveu as pressas uma redação para o concurso Jovens Embaixadores da Embaixada americana e foi a única selecionada do Estado do RJ, para passar duas semanas em Washington as custas de Bush. Lá foi recebida pelo Colin Powell, inaugurando um curriculum internacional que já é mais interessante que o meu. Mas mesmo assim, teve que fazer vestibular para DIREITO!!! Não existe faculdade de RI nas Públicas e a família da Deborah, nem em sonho podia arcar com mensalidades de 4 dígitos cobradas pela PUC ou mesmo pela Estácio. O sonho acabou.

Mas, parece que graças ao Tarso Genro, quem diria, Deborah será finalmente minha aluna. Segue o e-mail que ela me mandou:

Oi professor!

Agora é oficial: Pode me chamar de ALUNA! A PUC me ligou pra avisar que eu tenho que ir lá amanhã pra fazer a matrícula. Vou cursar RI com bolsa de 100% na faculdade que eu sempre quis! Tentei te avisar assim que soube mas o ORKUT está sempre dando problema. Obrigada pela torcida. Saber que meus amigos estavam esperando uma resposta positiva me animou bastante.

Da sua mais nova aluna,
Deborah

Lembram da historinha do menino com as estrelas do mar encalhadas na praia??? É isso!

domingo, fevereiro 06, 2005

Alguns Links Novos, Algumas Explicacoes

Quem entrou no blog nas ultimas semanas pode ter notado alguns links a mais e, especialmente, a marca do "Creative Commons" (se voce nao ainda nao viu, ela estah na parte de baixo do blog, apos os textos). Acho que algumas explicacoes valem a pena, jah que eles nao sao a toa.

Comeco da historia: ha uns quatro meses venho trabalhando com uma ideia envolvendo software livre. "Mas o que um Cientista Politico tem a ver com isso?" eh a primeira pergunta que me fazem. "O que eh 'software livre'?" eh a outra. Para quem estah mais familiarizado com o mundo digital, software livre diz respeito a programas cujo codigo eh aberto. Isso significa que qualquer um pode "olhar dentro do capot", isto eh, pode analisar o programa e modifica-lo. Um dia prometo que falo mais sobre a minha pesquisa, mas por enquanto ela ainda estah no inicio.

Meio da historia: Ao pesquisar sobre o tema (sobre o qual tenho dedicado grande parte do meu tempo atualmente), li coisas interessantissimas e bastante importantes para o mundo em que vivemos e a forma como o conhecimento serah transformado daqui em diante. Tanto a "Free Software Foundation" (fundada por Richard Stallman, um lendario programador da California) como a "OpenSource.Org" estao na frente do movimento pela adocao do software livre. A quem interessar, recomendo a leitura. Os links estao ao lado.

Fim da historia: O "Creative Commons" eh uma organizacao nao-governamental que estah definindo um novo padrao para o "copyright". Ao inves de um padrao inflexivel de "todos os direitos reservados", o idealizador do CC, Lawrence Lessig, propoe "alguns direitos reservados". Se o CC for para frente, mudarah a forma de lidar com a propriedade intelectual e como vemos a producao e disseminacao de ideias. Tambem recomendo fortemente uma leitura.

No mais, o futuro das ideias estah aberto. Um blog, mais do que nada, eh isso: ideias instantaneamente publicadas para o mundo, sem intermediarios. Aproveitemos.

sábado, fevereiro 05, 2005

Cinco de Fevereiro

Cinco de Fevereiro,
Comeco do Carnaval.
O Pensamento Distante,
No Rio de Janeiro.

Por um Momento,
O Frio Vai Embora,
A Mente se Concentra,
Vem a Vontade de Estar Perto.

O Estar Perto eh Relativo,
Estou Sempre Presente.
Mas o Presente deste Dia,
Vai com Meu Coracao.
Como em Budapeste.

No Grande Esquema das Coisas,
A Saudade eh Pequena diante da Vida,
Vida que passa, Vida que Serah.

Mais uma Coisa:
Ao Apagar a Vela,
Ao Pensar na Vida,
Ao Desejar Coisas Boas,
Pense em Mim.
Aqui Estarei.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

A Notícia faz História


 Posted by Hello
A série "Memória Globo", da Editora Zahar, tem lançado livros sobre os programas que se destacaram na emissora, além de publicar a hagiografia de Roberto Marinho. "Jornal Nacional - a notícia faz história" é a versão oficial da trajetória do mais importante telejornal brasileiro. Tenho um amigo que trabalhou no projeto e sabia que havia sido feita uma boa pesquisa, com dezenas de entrevistas com profissionais que passaram pelo veículo. De fato, descontados excessos próprios das edições chapa-branca, "JN" é uma leitura interessantíssima para quem tem curiosidade pelo jornalismo no Brasil. O livro conta desde a criação do Jornal Nacional, em 1969, até o início do governo Lula. Prevalecem duas abordagens: o modo como o JN cobriu os principais fatos históricos do período e as transformações pelas quais o programa passou, tanto no aspecto tecnológico quanto pela técnica jornalística.

A primeira vertente rende melhor na cobertura dos grandes eventos políticos brasileiros: a redemocratização, as Diretas Já, a eleição de 1989. Como se sabe, a Globo teve um desempenho menos que louvável na defesa das liberdades democráticas e isso prejudica o livro, mas menos do que eu imaginava. A análise das fraudes na eleição de 1982 põe toda a culpa em Brizola, sem ouvir uma só vez o ex-governador, que ainda era vivo à epoca da pesquisa. Mas o exame de como a Globo cedeu aos militares nas Diretas e na bomba do Riocentro é muito bom, com direito a depoimentos emocionados de jornalistas que queriam dizer a verdade, e não puderam. O mesmo vale para a célebre edição do debate entre Collor e Lula, embora o livro defenda a tese de que a culpa foi do Alberico Cruz, sem interferência da família Marinho.

Em outros casos, sobretudo na cobertura de Olímpiadas e Copa do Mundo, a abordagem não vale muito, se limitando a um informe do tipo "foram enviados tantos repórteres, o Brasil levou tantas medalhas, etc". Os temas internacionais variam, com episódios excelentes como as aventuras de Bial na Europa Oriental e na URSS, em plena queda do comunismo. Deve ser difícil ter passado por isso e acordar um dia para descobrir que virou apresentador do Fantástico e do Big Brother.

A segunda vertente, o desenvolvimento de um modo próprio de fazer jornalismo, foi maravilhosa para mim, embora eu acredite que interessará menos a quem não pertence à segunda profissão mais antiga do mundo. Nessa parte, é mostrado o surgimento de um padrão coloquial de telejornalismo, como uma conversa com o espectador. O repórter, que nem aparecia inicialmente, ganha destaque com o uso de câmeras portáteis, mais leves e confiáveis. Os bastidores das matérias investigativas, em particular as do Roberto Cabrini, também são ótimos. Há ênfase em como as novas tecnologias possibilitam agilidade ao jornalismo, criando as redes de emissoras, transmitindo ao vivo por satélite.

E hoje? Sem dúvida, o JN continua a ser o mais importante do país, mas não o melhor - título que atribuo ao Jornal das Dez na Globonews, mais analítico e com o excelente âncora que é André Trigueiro. Talvez isso fosse inevitável, com a migração do público das classes A e B para a TV a cabo, e um excesso de features (aquelas matérias leves, de curiosidades) e de jornalismo de serviços no horário nobre. Claro que aqui e ali há ainda bons momentos e fiquei feliz de saber que a série sobre fome no Brasil, de Marcelo Canellas - talvez a melhor a que assisti na televisão - foi das mais premiadas na história do jornal.

Terminado o livro, reforço minha opinião de que o Brasil tem um jornalismo bastante avançado em muitos pontos, com uma grande quantidade de profissionais competentes e momentos de genialidade critativa. Numa época em que o jornalismo dos EUA, que já foi o paradigma de qualidade, se tornou quase uma paródia do militarismo (vide Fox News), não é pouca coisa.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Pensamentos sobre a Srta. Arroz e o Sr. Arbusto

Ontem, W fez o discurso anual de prestacao de contas a nacao norte-americana. Ha duas semanas de ter assumido o segundo mandato e tres dias depois da eleicao iraquiana, W exaltou a "liberdade" no mundo, anunciou que os EUA vao ficar no Iraque "o tempo que for preciso", disse que vai dar dinheiro para os palestinos e que o caminho do Oriente Medio eh a democracia -- incluindo Arabia Saudita e Egito.

Claro que a grande maioria desses discursos presidenciais eh "cheap talk", como se diz por aqui. Posso dizer que vou acabar com a fome no mundo (opa, alguem jah disse isso antes!), mas sem propostas concretas, essas promessas tendem a ser vistas com ceticismo.

Ao ler a integra do discurso de W hoje no NYT, nao pude deixar de pensar na sabatina que o Senado promoveu para confirmar a srta. Rice no posto de Secretaria de Estado ha umas duas semanas atras. Assisti a trechos pela televisao e fiquei realmente abalado pela falta de discussao a respeito dos quatro ultimos anos. Os senadores (com poucas excecoes) exaltaram Rice e sua posicao como academica (alguem jah leu algo academico produzido por ela?). Quanto a guerra no Iraque, se o Senado norte-americano fosse a unica fonte de informacoes existente, eu estaria convencido de que o Iraque eh a nova maravilha do mundo contemporaneo.

A discussao atual por aqui eh sobre o Iran e um possivel ataque norte-americano contra as instalacoes nucleares. Apesar do artigo contundente de Seymour Hersh na New Yorker, acho que nao ha condicoes praticas para que uma invasao aconteca tao cedo. Jah escrevi sobre isso por aqui e continuo mantendo minha opiniao -- nao ha clima politico para abrir a terceira frente de guerra, especialmente contra o Iran, que eh um osso bastante duro de roer. Por enquanto, acho que os EUA estao jogando seriamente com a possibilidade apenas como carta em uma negociacao com o Iran. Mas a ameaca nao eh crivel, especialmente com a falta de soldados e com o desgaste das Forcas Armadas.

Que rumo vai ter a Politica Externa Americana nos proximos quatro anos? Minha opiniao eh de que, apesar de toda retorica neo-conservadora exaltada, os proximos anos sao de adaptacao a uma realidade bastante dura. Sem dinheiro e sem apoio vai ser dificil sustentar a promocao da tal "liberdade no mundo". E, mais ainda, o Partido Republicano estah rachando -- com Cheney fora do pareo, qualquer deputadozinho de quinta quer ser o proximo presidente.

Enfim, aguardem por novos capitulos da incrivel novela da Srta. Arroz e do Sr. Arbusto.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Elesbão não tem amigos

Depois de uma semana afastado tentando mundar o mundo, ontem voltei a acompanhar o Big Brother. Terça-feira é o melhor dia para assistir ao programa. Não porque seja o paredão - meu sadismo se limita a ser fã de filmes de guerra, não me interesso em saber quantas batidas de coração têm os infelizes ameaçados de eliminação. O legal são as novelinhas que o BBB exibe nesse dia.

Desconheço como o programa é exibido em outros países, mas no Brasil o Big Brother é sobretudo um programa de humor. E mais show do que reality, na medida em que mostra não tanto o que "realmente acontece" na casa e se concentra numa excelente edição, em pequenas narrativas que com freqüência são engraçadíssimas. Na edição de ontem, o goleiro canastrão Giuliano bateu o recorde de rejeição de todos os BBB e foi eliminado com 87% dos votos. Sua rival era a cabelereira Pink, cujo humor sarcástico rende alguns dos melhores momentos desta versão.

Lamento pela saída de Giuliano. O tom sem noção do goleiro rendeu diálogos dignos do nonsense do Monty Python. Por exemplo, ele discutindo com Natália, a VJ cearense que foi alvo de suas investidas no início do programa:

"Você está estranha, não fala mais comigo."
"O que é isso, é impressão sua. Você acha que eu estou contra você?"
"Está vendo o que eu disse? A gente se dava bem e agora você fala em ficar contra mim."
"Mas foi você quem começou esse papo!"
"Não entendo você, Natália."

O goleiro foi indicado para o paredão pela líder, a Miss Grazielli, que também foi cantada sem sucesso por Giuliano. Elesbão não tem amigos.

Mas há quem tenha até demais. Os pit-brothers do programa, por exemplo. A edição os transformou nos vilões do BBB, ainda que num nível cômico que lembra o exército de Brancaleone. A novelinha que a Globo apresenta chama a trupe de "Os Inacreditáveis", contando com nomes como Super Fiasco (Giuliano); Mulher Capacho (Karla) e por aí vai.

Na edição de ontem, o foco foi a relação entre o líder do bando, Dr. Rogério (quem está espantado em como esse cara conseguiu ser médico deveria conhecer alguns dos amigos do meu pai), e seu fiel assecla, Paulo André. A montagem mostrava os dois tomando banho juntos e depois olhando um para o outro enquanto cantam no Karaokê "Descobri que te amo demais". Não se via nada tão profundo desde a ligação entre Darth Vader e o Imperador.

Casablanca e Johnny, o Mensageiro Mnemonico

Quando a Universidade anunciou que estaria exibindo "Casablanca" no cinema central fiquei realmente empolgado. Fui ao cinema esperando assistir ao meu filme favorito na telona -- coisa que nunca consegui. Jah devo te-lo assistido um zilhao de vezes, conheco as falas como se fossem minhas, mas lah estava eu, pronto para assisti-lo novamente. Coisas que acontecem com BB: a maquina projetora quebrou e eles tiveram que cancelar a exibicao.

Sahi da Universidade emputecido e fui fazer as compras de supermercado. Enquanto caminhava entre prateleiras de cereal e sopas Campbell, vi uma pilha de DVDs por 2,99 dolares (!). Evidentemente soh tinha porcaria. Mas eis que me deparo com um filme que nao via ha milenios: "Johnny Mnemonic". Ora, por 2,99, valia a pena.

Ledo engano. Ao assistir "Johnny Mnemonic" com dez anos de diferenca (o filme eh de 1995), a gente percebe como alguns filmes envelhecem rapido. Keanu Reeves eh um mensageiro que carrega informacao na sua cabeca (capacidade de armazenamento: 80 giga -- hoje com dois IPods eu carrego muito mais, mas...) e estah fugindo da Yakuza. O filme eh horrivel; nao por causa de sua historia, mas porque virou lixo da historia.

Os cenarios sao horrososos e ateh as telas de TV que sao mostradas no filme parecem ultrapassadas com o que temos hoje. William Gibson, roterista e escritor, foi um dos criadores da ideia de "cyber-espaco" e um dos primeiros escritores de ficcao cientifica a usarem a internet como tema. Ice-T e Henry Rollins fazem pontas, assim como Takeshi Kitano, hoje idolo do cinema japones cult. Nada disso salva o filme.

Achei filosofico postar sobre isso porque enquanto um filme como Casablanca, escrito especificamente para ser propaganda aliada de massa em 1942, permanece completamente intacto, filmes pretensamente visionarios sobre o futuro feitos ha dez anos atras parecem reliquias de um passado distante. Mas tambem comparar Humphrey Bogart com Keanu Reeves nao parece ser muito sensato mesmo...

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Lá vem o Chávez

Tal como seu homônimo mexicano, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vive num barril - só que de petróleo. Como o preço do ouro negro quintuplicou na última década, o Estado venezuelano foi salvo da bancarrota fiscal. Essa é a base econômica da chamada "Revolução Bolivariana" que tornou Chávez a principal estrela do Fórum Social Mundial.

Lula tem uma relação ambígua com o Fórum. Sua agenda política é a da estabilidade e ele se esforça para se afastar das correntes mais radicais em Porto Alegre (e elas são muitas) e para estabelecer pontes com o mundo de Davos - o projeto de uma campanha global contra a fome e a pobreza é o melhor exemplo disso. Os ministros presentes no FSM foram recebidos de maneira diversa, com aplausos entusiasmados (Gilberto Gil), vaias (Luís Dulci) ou uma mistura de ambos (Olívio Dutra e o próprio Lula). De modo geral, falar bem do governo não fazia ninguém popular em Porto Alegre.

Chávez se aproveitou desse vácuo político para lançar a cartada de se posicionar como o presidente que mais apóia o FSM e mais se identifica com suas idéias. Fez um intenso trabalho de lobby junto aos organizadores do Fórum para que realizem uma edição do evento na Venezuela. Com uma retórica radical, que parece ter saído dos anos 60, Chávez conquistou a simpatia dos participantes do FSM. Sua palestra no ginásio do Gigantinho, no último dia do fórum, foi anunciada em cartazes pela cidade como um show de rock e reuniu mais de 20 mil pessoas, incluindo este que vos escreve.

Cheguei com uma amiga do IBASE uma hora antes do discurso e já não havia lugares no estádio. Nos sentamos no estacionamento, onde uma multidão esperava junto a um telão. Acabou sendo uma ótima opção: conhecemos um grupo de americanas simpaticíssimas e conversamos sobre EUA e América Latina. Elas ficaram espantadas em saber que temos acesso aos canais de TV dos EUA, mas que recebemos pouquíssimas informações dos nossos vizinhos de continente, pois os jornais brasileiros só têm correspondentes em Buenos Aires. Claro que contei sobre meus planos na Argentina e elas rolaram de rir com as objeções da CAPES.

O discurso de Chávez seguiu o padrão Fidel Castro - longo (duas horas), sem estrutura rígida ou texto pré-preparado, se assemelhando mais a um bate papo com a platéia. Assim como o cubano, Chávez é um comunicador carismático. Poucas vezes vi um orador com tanto domínio das habilidades retóricas. Imaginava algo próximo ao estilo de Lula, com piadas sobre futebol e evocações sentimentais. Isso aconteceu em alguns momentos - o presidente venezuelano citou Cristo como uma de suas principais fontes de inspiração e até cantou para a platéia. Mas o que me impressionou no discurso foi a capacidade intelectual de Chávez. Não estou de brincadeira. Ele conhece bem história, política e literatura. Um perfil surpreendente para um coronel páraquedista, certas passagens mostravam uma cultura do tipo que se esperaria de Fernando Henrique ou Ricardo Lagos.

A retórica é radical, mais do que populista. Chávez cita com admiração principalmente revolucionários e comunistas e sequer menciona Vargas, Perón ou Haya de la Tore. Foi inacreditável ouvir isso de um presidente. No Brasil, seria um discurso que não elegeria nem chapa de DCE. O tom era agressivo, de confrontação, com ataques frontais aos EUA e ao capitalismo. Claro que a platéia vibrou, mas fiquei me perguntando o que quer esse sujeito. O programa da "Revolução Bolivariana" é na realidade o de uma ampla reforma social, principalmente na educação (incluindo uma excelente campanha de alfabetização em massa) e na saúde. É um projeto que poderia ser emcampado por vários partidos moderados, mesmo num continente retrógrado como a América Latina.

O mais radical de Chávez é sua política externa. Ele contou sobre várias de suas visitas diplomáticas - Iraque, Irã, Rússia e Líbia. Todos grandes produtores produtores de petróleo. Seu atual ministro das Relações Exteriores foi inclusive presidente da OPEP e a Venezuela usa a força econômica do petróleo para buscar mais autonomia internacional, buscando a liderança regional na América Andina e no Caribe. Tem feito esforços expressivos de se articular com Brasil e Argentina, com propostas como a criação de uma TV pública latino-americana.

Qual o futuro de Chávez? Ele resistiu ao golpe e consolidou-se com o apoio de 60% da população e uma guerra civil na Venezuela não interessa a ninguém, porque interromperia a produção de petróleo num momento de crise no Oriente Médio. Então, acredito que os EUA irão tolerá-lo (ainda que com irritação) contanto que o ouro negro continue a fluir para Washington. Mas o projeto de liderança regional de Chávez e sua retórica radical podem quebrar essa frágil trégua. Estou muito curioso para ver de perto o que ocorre por lá. Se o FSM de fato ocorrer em Caracas, há uma boa possibilidade de que eu dê um pulo no nosso vizinho do norte.
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