sábado, novembro 26, 2005

Cinema, Aspirinas e Urubus



Um alemão fugido da Segunda Guerra Mundial roda o sertão vendendo aspirinas, usando o cinema como recurso para chamar o público. Em suas andanças, dá carona a um homem que quer sair da região e tentar a sorte no Rio de Janeiro. Assim nasce uma amizade entre duas pessoas bastante diferentes e um filme brasileiro que consegue tratar da temática da seca de maneira original.

Desde o Cinema Novo os diretores brasileiros transformaram o sertão e a favela no centro de seus filmes. Denúncia da miséria e da violência, mas também às vezes uma visão idealizada, que enxerga nesses dois espaços um país mais "puro", não-contaminado pelos males da modernidade - há uma brilhante análise desse tipo de romantismo no livro "Em Busca do Povo Brasileiro - Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV", do sociólogo Marcelo Ridenti.

"Cinema, Aspirinas e Urubus" tem um certo parentesco com "Baile Perfumado", porque inova no tratamento desse tema, mostrando o diálogo entre o moderno - a própria guerra, que acaba chegando ao sertão, o cinema, os hilariantes anúncios de aspirina (parece que à época ela era usada não só para combater dor de cabeça, mas como uma precursora do viagra e do prozac) - e a aspereza do clima e da pobreza, simbolizada pelos urubus. Ponto para o diretor Marcelo Gomes, que faz uma bela e promissora estréia em longa-metragem.

Vale destacar também o ótimo desempenho do ator João Miguel, que interpreta o retirante Ranulpho como um tipo amargurado e ressentido, de humor sarcástico, que despreza o próprio país e seu povo. Contraste com as músicas e cinejornais de tom ufanista do Estado Novo, que louvam as grandezas de um Brasil que só existe na propaganda oficial.

Outro lançamento brasileiro que conferi foi "O Fim e o Princípio", documentário de Eduardo Coutinho. Não gostei. Coutinho repete sua fórmula habitual: conversas com pessoas comuns numa comunidade marginalizada, desta vez um povoado no interior da Paraíba. São histórias de vida sofridas, de gente muito pobre, isolada.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Jogo de Espelhos

Passei os últimos dias em reuniões com amigas da África do Sul, por conta do projeto de cooperação no qual trabalho. Além das questões profissionais, também conversamos muito sobre a vida em nossos continentes. Para um latino-americano, sobretudo se for brasileiro, contemplar a África é como participar de um jogo de espelhos, como aqueles dos parques de diversões. Nossa imagem pode aparecer maior, menor, mais larga ou estreita, mas sempre reconhecemos algo de essencial no que o reflexo nos mostra.

A África do Sul é governada pelo Congresso Nacional Africano, o partido que liderou a luta contra o apartheid. Contudo, a democratização do país não melhorou as condições econômicas da população pobre/negra. O desemprego está em 40%, com picos de 70% entre os jovens. O crime se disseminou e o país tem o recorde mundial de estupros.

O próprio vice-presidente, Jacob Zuma, foi acusado de violentar uma moça, filha de um colega de partido. Também está sob ataque por denúncias de corrupção. Os movimentos sociais estão divididos em como lidar com o caso, mas a Cosatu, a central sindical mais importante, tem apoiado Zuma. Ele é um líder operário popular no país, citado como possível candidato à presidência.

Ainda assim, a África do Sul é uma democracia, com liberdade de imprensa, parlamentos, socidade civil etc. A situação mais séria é no Zimbabwe, onde o regime de Robert Mugabe, que governa o país desde a independência, iniciou uma onda repressiva contra sindicatos e movimentos sociais. Soubemos que algumas das pessoas que participaram do nosso seminário em Johannesburg, há um ano, foram presas pela polícia política.

Em suma, a situação na África do Sul tem muitas semelhanças com o Brasil atual, embora com problemas mais sérios. O Zimbabwe lembra o que nosso país enfrentou há cerca de 30 anos, durante a ditadura militar. A empatia dos brasileiros com os africanos é muito forte. Não falo somente de temas políticos, mas da cultura, culinária. Difícil saber onde termina o Brasil e começa a África.

Um grande cronista disse certa vez que os brasileiros tínhamos como profissão a esperança, e a África é às vezes chamada de o continente da esperança. Sempre achamos que a vida vai ser melhor e que o dia de amanhã será mais belo e alegre, talvez porque o de ontem tenha sido tão sofrido. Nas belas palavras de mestre José Eduardo Agualusa, “o pessimismo é um luxo dos povos ricos

Por fim, nesta quinta saiu no Jornal do Brasil um artigo meu sobre a Rebelião dos Banlieus;. Os argumentos são praticamente os mesmos de textos que postei aqui.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Marcas da Violência


Acasa está arrumada, mas meu ritmo de trabalho nas últimas duas semanas está muito puxado. Sobra pouco tempo para lazer, embora eu tenha conseguido ver um ótimo filme de David Cronenberg, "Marcas da Violência".

Tom (Viggo Mortensen) é um pacato pai de família e dono de um pequeno restaurante numa cidadezinha do interior dos EUA. Uma noite, dois assaltantes invadem seu negócio e ameaçam os freqüentadores. Num descuido dos dois, Tom consegue desarmá-los e os mata. Vira o herói da cidade.

Mas a exposição na mídia faz com que apareçam no local um grupo de gangsters da Filadélfia, que afirmam que Tom na verdade se chama Joey e era um dos líderes do crime organizado naquela cidade. Diante do ceticismo da esposa de Tom, o chefe dos mafiosos faz a pergunta-chave do filme: "Você não acha que seu marido é bom demais em matar pessoas?".

A questão principal do filme é que todos somos bons demais em matar pessoas, porque a agressividade é inerente à natureza humana. O título original - A History of Violence - reflete isso. A espécie tem uma história de violência. O melhor do roteiro é o modo como a descoberta dos instintos assassinos de Tom afeta o comportamento de sua mulher e filho.

Nas mãos de um diretor ruim, "Marcas da Violência" poderia virar Rambo IV. Pelo talento de Cronenberg, tornou-se um filmaço.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Vinicius

Meu irmão me recomendou assistir a “Vinicius”, de Miguel Faria Jr, dizendo que era um dos melhores filmes brasileiros que vira recentemente. Estranhei o conselho, porque meu mano não é especialmente ligado em poesia, bossa nova, samba etc. Bem, lá fui conferir a dica. Passei duas horas maravilhosas, lavando a alma.

O documentário tem dois eixos narrativos. Num deles, amigos de Vinicius contam histórias sobre o poeta. As melhores entrevistas são as de Chico Buarque, Tônia Carrero, Ferreira Gullar e Antônio Candido. No outro fio condutor, há um show no qual vários artistas (Adriana Calcanhotto, Mart´Nália, Mônica Salmaso, Zeca Pagodinho) cantam as músicas de Vinicius. Os atores Ricardo Blat e Camila Morgado são mestres de cerimônia do espetáculo e recitam poemas.

O que torna o filme excelente é o tom irreverente e afetuoso das entrevistas. As pessoas não colocam Vinicius num pedestal, lembram dos momentos marcantes e engraçados da amizade. Há trechos muito bons, como as descrições do impacto que a peça “Orfeu da Conceição” e a música “Chega de Saudade” tiveram em toda uma geração, naquele momento de grandes mudanças na cultura brasileira.

A empatia da platéia com Vinicius é total. O público ri, chora, canta junto e aplaude no fim. Claro que o tom do filme é incrivelmente nostálgico, desse “Rio de amor que se perdeu”, como Vinicius escreveu na canção-carta a Tom Jobim, quando “mesmo a tristeza da gente era mais bela”, talvez porque “a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. O ponto culminante desse sentimento é a declaração de Chico Buarque de que Vinicius estaria totalmente deslocado no mundo de hoje, pois era o oposto de todos os valores que predominam atualmente. Não é à toa que o único poema recitado pelos entrevistados é “Pátria Minha”, uma visão terna e ferida do Brasil.

Naturalíssimo que um grupo de sessentões lembre com saudade dos tempos em que eram jovens, Ipanema era só felicidade, a cultura brasileira atravessava uma fase de incrível criatividade e renovação - e se dessem sorte até davam uns beijos na Nara Leão. É bem ressaltado no filme que Vinicius aos 20 e poucos anos era um simpatizante do integralismo que escrevia sonetos parnasianos. Passava dos 40 quando resolveu mergulhar de cabeça na música popular, aproximar-se do candomblé e do samba. It takes a long time to grow young, diria Brian Jones. Acho que Vinicius daria uma tremenda bronca nessa onda nostálgica. Chega de saudade!

quarta-feira, novembro 16, 2005

Cenas da Mudança

O feriadão foi muito bem aproveitado tocando a mudança e a arrumação do apartamento novo. Consegui levar quase tudo, faltou só a TV, que vai até sexta-feira porque quero assitir à nova temporada de "Cidade dos Homens". Ainda há móveis chegando e sendo montados, incluindo a sala completa.

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Como a mudança vinha sendo planejada há tempos, correu tudo bem. Apesar disso, houve surpresas. Por exemplo, me assustei com a quantidade de roupas que tenho. Meu armário parece o da Imelda Marcos. Para que preciso de cinco calças beges, quase no mesmo tom? E por que tantas camisas? Separei algo para a caridade e descobri algumas coisas bem legais, que eu nunca tinha usado. Nada como mudar para se conhecer melhor.

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Montei um escritório com biblioteca e mesa de trabalho. Finalmente sou um acadêmico de gabinete e meus livros encontraram o lugar que merecem, fora do aperto do armário onde estavam entulhados. Deixei um espaço para a expansão. Tem muito livro bom neste mundo. The life so short, the craft so long to learn, já dizia mestre Chaucer. Mas minha leitura para os próximos dias são os manuais dos eletrodomésticos.

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A rua é bastante tranqüila, em geral minha trilha sonora são passarinhos cantando. De vez em quando a menininha do primeiro andar bota Tati Quebra-Barraco, mas o pai dela escuta jazz. O vizinho do terceiro andar é um ótimo pianista, com belo repertório. Um sujeito que ainda não identifiquei costuma atacar com a Nativa FM. Ligo meu som na MPB e está tudo resolvido. Aliás, que legal arrumar as coisas ouvindo os Titãs cantando Torquato: "Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder".

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A rua é pequena e é um tanto difícil encontrar vaga. Na ladeira ao lado há guarita e ontem fui conversar com o segurança. O cara trabalha muito sozinho e aproveitou para puxar papo e me contar toda sua vida, desde os tempos em que foi peão em Alagoas. A mãe trabalhou como empregada para o PC Farias. Muita história de brigas de família, tiroteios, coronelismo à antiga. "Fui bicho ruim, moço, pode acreditar." Ainda não decidi se vou estacionar o carro por lá. Acho que vou explorar um pouco as ruas laterais em busca de uma mais calma.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Sempre Chega a Hora de Arrumar o Armário


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Depois de quatro longos meses de obras, me mudo neste feriadão para meu novo apartamento. Sábado deve ser o dia mais pesado, com a chegada dos móveis e eletromésticos que comprei para o escritório e a cozinha, além da instalação das persianas. Os últimos dias foram frenéticos, com mil pequenos detalhes e urgências para resolver.

Como toda reforma que se preze, a minha demorou mais do que o previsto e foi mais ampla do que eu pretendia de início. Mas por incrível que pareça o preço ficou dentro do esperado, então nem vou reclamar muito. Aliás, vou elogiar o trabalho dos operários que trabalharam para mim. Estava olhando as fotos que meu irmão fez antes do apartamento antes das obras e é impressionante o quanto o imóvel melhorou. A imagem que ilustra o post era a placa na porta do banheiro (rosa). Não fazia meu estilo. A placa sumiu e o banheiro agora é branco.

A classe média brasileira é um animal em extinção, mais do que o mico leão dourado ou o jacaré do papo amarelo. Ninguém na minha família compra um imóvel há 30 anos, desde o boom da especulação imobiliária da época da ditadura. Fiquei um tanto decepcionado ao saber que isso vale até para minhas "primas ricas", que moram de aluguel porque só querem comprar um apartamento se for em Ipanema. Até lá as calotas polares já derreteram e afogaram a orla. Então claro que estão todos em polvorosa, o que me faz dar um sorriso irônico porque em geral são as mesmas pessoas que me desaconselharam a fazer pós-graduação dizendo que carreira acadêmica não dá dinheiro.

Aproveitei a mudança para jogar muita coisa fora - papéis, livros, cartas, fotografias, gente que foi embora. Viva a renovação! Para mim é um um marco destes anos agitados em que se destacam o início do doutorado, o emprego no Ibase, as aulas que dou no Clio e na universidade. Mas ainda não decidi o que serei quando crescer, minhas inquietações diante da vida e do mundo continuam a mil. Quero fazer muitas coisas: morar um tempo no exterior, escrever um romance, flertar com o cinema documentário. Tudo o que espero do novo apartamento é que ele seja um porto de paz onde de vez em quando eu atraque para consertar as velas, abastecer o navio e deixar os marujos relaxar um pouco.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Vespertino

Nesta semana foi lançado o Q!, jornal vespertino – isto é, colocado à venda no fim da tarde. Quando foi a última vez que tivemos um órgão assim no Rio de Janeiro? Nos anos 60? Não tenho certeza. A propaganda do Q! defende a idéia de que certas notícias são importantes demais para que o leitor espere até o dia seguinte.

Será mesmo? Afinal, com a cobertura ao vivo por rádio e TV, para não falar da internet, como os jornais impressos podem competir em termos de rapidez e agilidade? Em tese, oferecendo análises mais detalhadas e aprofundadas das principais notícias do dia. Mas é um modelo em crise e no mundo todo cai o número de leitores de jornal.

Comprei o Q! Movido pela curiosidade e fiquei decepcionado. O conteúdo do jornal é superficial demais, frio, e contraditório com relação à propaganda. Na edição que li, a matéria principal era uma entrevista com Falcão do Rappa, na qual ele falava de seu namoro com Deborah Secco. Eu podia esperar até o dia seguinte para saber disso. Quem sabe até o século seguinte.

O jornal vem em formato tablóide e é pequeno. Comecei a leitura na estação Siqueira Campos do Metrô e terminei duas paradas depois, em Botafogo. E eu que achava que ia durar até o fim da Linha 1, na Tijuca...

Mas boa sorte ao Q!. Espero que o jornal consiga consolidar um noticiário ágil para o formato vespertino.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Um Espectro Ronda a Europa


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Há cinco anos eu cursava italiano em Turim com uma bolsa para estudantes sul-americanos. Certo dia conversava com colegas e com a professora sobre lugares para passear na cidade e um dos rapazes sugeriu um bar nas proximidades. A professora respondeu de imediato: "Não vão lá, é freqüentado por estrangeiros!". Rimos e alguém perguntou: "E nós somos o quê?". A professora ficou um tanto constrangida e comentou que havia dito aquilo sem pensar. Falamos um pouco sobre a xenofobia na Europa e ela confessou que meses antes o corpo docente da escola havia tratado muito mal
um colega que viera da Romênia.

Houve outros casos. Na Espanha, fiz amizade com um belga, filho de imigrantes africanos e ele me contou a rotina de suspeita policial que enfrentava, embora fosse cidadão europeu e tivesse emprego fixo. Em Lisboa, um amigo cedeu o lugar no ônibus para um senhor português já idoso que o agradeceu de maneira inesquecível: "E falam tão mal de vós, brasileiros!".

Os banlieus franceses têm a mesma matéria inflamável presente em outras comunidades do Velho Continente: jovens descendentes de imigrantes com expectativas de integração e ascensão social frustradas, racismo, violência policial, humilhações cotidianas. Penso mesmo que a situação é mais grave em outros países, pois na França bem ou mal existe uma rede de proteção pública (escolas, seguro desemprego, saúde) que ainda é muito forte.

Talvez a revolta de 2005, essa intifada dos banlieus, coloque a questão crucial para a política européia do que fazer com a massa populacional descendente de imigrantes, em sua maioria islâmicos, mal-integrados nas sociedades européias. Só na França são 5 milhões. Gente demais para ser ignorada ou posta num navio de volta para a África, como brada Sarkozy. Além disso, como vi um rapaz dizer na TV: "Também somos franceses e queremos que isso seja reconhecido."

No entanto, temo que no curto prazo o espectro dos banlieus favoreça os extremistas, da Al-Qaeda a Le Pen e Sarkozy, que parece querer se lançar como uma alternativa de linha dura, mas ainda dentro do padrão tradicional - um voto para quem acha Le Pen radical demais, mas quer ordem na casa.

Apesar da retórica sarkoziana de "escória", as instruções à polícia foram no sentido de moderação. Em quase duas semanas de confronto, as forças de segurança não mataram ninguém. O único morto até agora foi vítima de um espancamento por parte dos jovens em rebelião.

Imagino que a classe média francesa, e de outros países europeus, deva estar apavorada e querendo ordem pública a qualquer preço. Ou talvez eu esteja projetando os sentimentos dos cariocas sobre o Velho Mundo. Quem sabe as tradições de cidadania e igualdade falem mais alto do que o medo. Mas sinceramente, acho que a maioria deve pensar como um parisiense entrevistado pelo The Guardian: "Deveríamos mandar a porra do Exército".

segunda-feira, novembro 07, 2005

Os Justos


Ontem vi "Os Justos", peça de Albert Camus que está em cartaz no Teatro Leblon, dirigida por Moacyr Góes com Ângelo Paes Leme e Caio Junqueira à frente do elenco. A história, baseada num caso real, é ambientada na Rússia czarista e foca um grupo de jovens revolucionários que planeja assassinar o tio do imperador.

A discussão sobre terrorismo levantada por Camus é atualíssima: os fins justificam os meios? Uma causa, por mais nobre que seja, justifica a destruição e a morte de inocentes? Na peça, o dilema se apresenta pelo conflito entre dois homens: Stepan, um terrorista endurecido pela prisão, tortura e exílio, que acredita não haver limites éticos para a luta em defesa de suas idéias; e Yanek, de uma personalidade mais romântica e arrebatada, consumido por suas dúvidas quanto aos fins justificarem os meios. A pesonagem mais interessante talvez seja Dora, a mulher que fabrica as bombas para o atentado, e cujas opiniões e sentimentos se transformam ao longo da peça.

Camus escreveu "Os Justos" em 1949 e aqui e ali parece haver um eco da terrível luta contra o nazismo. Mas o tema abordado se encaixa muito bem em várias outras situações: os combates pela independência da Argélia, a resistência às ditaduras militares na América Latina, as guerras no Vietnã e no Iraque etc.

Não faz muito, vi no cinema uma reapresentação da "Batalha de Argel", o clássico sobre a luta argelina, que defende o terrorismo sem restrições, como uma arma legítima. Gostei mais de Camus e sua visão das zonas de sombra que espreitam os combates e os corações dos militantes políticos.

sábado, novembro 05, 2005

E Creusa Acabou em Santa


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Abaixo o fim de América! Cadê o beijo gay, caramba? Júnior e Zeca foram o segundo melhor casal da novela (só perderam para Glauco e Lurdinha). A cena entraria para a história da TV brasileira. Mas ao que consta o protesto dos espectadores falou mais alto e eles preferiam que Júnior beijasse o Boi Bandido, mesmo que contraísse febre aftosa.

A melhor cena do último capítulo foi o casamento do Glauco e da Lurdinha, em especial o momento em que o tio cumprimenta a filha: "Essa é a minha Ra-íssa!". Igualzinho à sátira do Casseta e Planeta. América deve ser a primeira novela do mundo influenciada por sua paródia.

Não me importo o suficiente com Sol e Tião para me interessar em como eles terminaram. Só fico espantado com o fato do Ed ter sido promovido na universidade, sem nunca dar aula, escrever (e o publish or perish?), ir para congressos etc. E ele, claro, troca essa promissora carreira pelo Brasil e o amor da Sol. Vai lecionar onde, na UFRJ? Olha que está para entrar em greve.

Confesso que não tinha entendido o fim da Creusa, que é mostrada entrando num bar em Santa Teresa e dizendo ao dono que veio respondendo ao anúncio. Ok, e daí? Conversando com um aluno agora de manhã, ele me explicou que foi assim que ela entrou na novela. Isso coloca uma questão perturbadora: será que Gloria Perez planeja uma continuação de América na qual meu bairro substitua Vila Isabel?

Já posso ver Santa Teresa reproduzida num estúdio qualquer do Projac, cheia de hippies, artistas plásticos e pessoas adeptas de estilos de vida alternativos. Vou começar a montar as barricadas e soltar o cachorro. Aliás, o bar onde a Creusa vai trabalhar fica em frente a casa do meu tio. No prédio ao lado mora o ator que fazia o Lobisomem em Roque Santeiro. Deve ser o quarteirão mais animado da cidade.

A propósito, alguém conseguiu descobrir qual é a profissão do Jatobá? O que aquele rapaz faz para ganhar a vida, além de aparecer no programa do filho do Roberto Carlos.

sexta-feira, novembro 04, 2005

O Maio de 68 dos Banlieus


Há pouco mais de uma semana, dois adolescentes franceses de origem árabe morreram eletrocutados ao se esconder da polícia durante uma batida em Clichy-sous-Bois. A morte dos dois rapazes gerou uma onda de violência e quebra-quebra que já destruiu centenas de carros e se espalhou pelos arredores de Paris (a zona entre o aeroporto internacional e os bairros da classe média), Rouen, Dijon e Marselha.

O centro dos conflitos são os banlieus, zonas periféricas marcadas por conjuntos habitacionais construídos pelo Estado para os imigrantes do norte da África, que forneceram o trabalho barato necessário para a extraordinária expansão da indústria francesa nas décadas de 50 a 70. A prosperidade ficou para trás. Sobrou uma rede de proteção social cambaleante e o coquetel molotov do racismo, desemprego, violência etc.

Qualquer carioca sabe o que isso significa. A poucas centenas de metros de onde escrevo está uma favela cujos habitantes vivem uma situação social não tão diferente dos moradores dos banlieu franceses. Na França há mais Estado, mas também o peso da intolerância religiosa e da xenofobia.

A insurreição dos banlieus tem semelhanças com os protestos sociais que aparecem com freqüência na história francesa - as comunidades de imigrantes são os novos sans-culottes e substituíram os bairros operários transformados pela reforma urbana de Napoleão III nas amplas avenidas parisienses. As "classes perigosas" mudaram de cor, nacionalidade e religião.

O editorial do Le Monde comparou a nova onda de violência a Maio de 1968: "Os rebeldes não são estudantes, vindos de diferentes níveis da burguesia francese, mas os filhos e netos dos imigrantes, relegados às marges da sociedade, freqüentemente desempregados, geralmente sem formação educacional. Inspiram mais o medo do que a simpatia, mesmo se uma parte da opinião pública compreende ou imagina os problemas que muitos deles enfrentam."

Opressão, medo, revolta... Me soa muito familiar. Na boa análise do The Guardian, a onda de violência anuncia as principais questões que estarão em debate nas eleições presidenciais francesas de 2006, com uma disputa na direita entre o primeiro-ministro Villepin, o ministro do Interior (responsável pela polícia) Sarkozy e o líder extremista Le Pen. La Belle France já teve dias mais gloriosos.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Crash


Mais cinema: após uma epopéia por um Rio de Janeiro caótico por causa da chuva, acabei vendo Crash – No Limite. Fez bastante sucesso no circuito independente americano e sua estrutura de pequenas histórias se entrecortando por Los Angeles tem um certo parentesco com filmes como “Short Cuts – Cenas da Vida”, “Grand Canyon – ansiedade de uma geração” e “Magnólia”. Pela temática do ódio racial, lembra um pouco a obra de Spike Lee, sobretudo “Faça a Coisa Certa”.

A história gira em torno de um conjunto de moradores de LA cujas vidas entram em contato após o roubo de um automóvel de luxo. Os personagens: o promotor da cidade e sua esposa; dois assaltantes; uma família iraniana proprietária de uma pequena loja, um chaveiro de origem hispânica e sua filha, dois policiais de rua, um casal negro rico e um dupla de detetives.

Mas apesar de cenas interessantes e bons personagens, Crash não decola. Falta a sensibilidade dos outros roteiristas e diretores, as situações são forçadas e artificiais.

O elenco é muito bom, com destaque para Don Cheadle (de Hotel Ruanda) que interpreta um detetive honesto, atormentado com o irmão assaltante. Cheadle também é produtor do filme e parece que sua intenção foi criar um libelo anti-racista. Às vezes funciona, em especial ao tratar da relação da polícia com os negros. Mas em geral acaba tendo o efeito contrário, porque o roteiro confirma vários dos esteriótipos racistas. Algo como “se não sujar na entrada, suja na saída”.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Soldado de Deus


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Tirei duas semanas de férias para resolver os detalhes finais da reforma do meu novo apartamento (devo me mudar no próximo feriadão, em 10 dias) e aproveito o restinho desse tempo para conferir os lançamentos do cinema brasileiro. Ontem fui ver um documentário recomendado por meu irmão. "Soldado de Deus", de Sérgio Sanz, aborda o integralismo a partir dos depoimentos de ex-participantes e análises de cientistas sociais.

O primeiro grupo é de longe o mais interessante. O integralismo teve seu auge nos anos 30, de modo que mesmo os jovens daquela época já são senhores (e senhoras, pois o movimento foi pioneiro em mobilizar politicamente as mulheres) de bastante idade. A maioria é inteligente e articulada para defender suas posições.

O que mais se destaca, pelo menos em retrospectiva, é lado mais conservador, de culto à Virgem Maria, valorização da família, e de um patriotismo meio ingênuo, na linha educação moral e cívica. Ok, é parte do ideário integralista, mas duvido que tenham sido esses valores que colocaram nas ruas um número de militantes estimado em até 500 mil, e isso nos anos 30, quando os meios de comunicação eram bem mais deficientes do que os atuais.

Não acredito que homens de inteligência fora do comum, como d. Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima, Vinicius de Moraes e Santiago Dantas fossem atraídos por um programa vovó-beata como esse. Havia um componente revolucionário no integralismo, de crítica aos valores tradicionais da elite brasileira. Mas isso não é algo que aparece com força no filme.

O documentário defende uma posição interessante de que o integralismo continuou a exercer influência na política brasileira, mesmo depois do fracasso de golpe de 1938. A tese é que Plínio Salgado, embora com menos peso, permaneceu sendo um líder a quem os presidentes procuravam por apoio - JK é citado, e claro que os golpistas de 1964 tinham muito em comum com os seguidores do anauê.

terça-feira, novembro 01, 2005

Tião Enfrenta a Morte!


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A morte de Gloria Perez é uma mistura do imaginário cristão com a Divina Comédia de Dante, alguns elementos espíritas e o cenário que sobrou de Hoje é Dia de Maria. Também é uma tremenda egotrip na qual Tião se depara com cenas de seu inconsciente. Mas as seqüências nas quais ele enfrenta a morte ainda são dez vezes melhores do que a Sol vagando pelo mar na balsa com que tenta entrar nos EUA. Detalhe: a porta do inferno é vigiada pela Juliana Paes. Sempre achei que o diabo era um cara injustiçado.

E o Carreirinha, que foi alfabetizado? Ele jura que foi pelo método Paulo Freire, só que o quadro negro mostrava apenas "vovó viu a uva". Se a pedagogia do oprimido estivesse em curso em Boiadeiros, Carreirinha já teria iniciado sua revolta contra a Víuva Neuta, a latifundária opressora que reprime até a sexualidade do Junior. Aliás, estou torcendo pelo beijo dele com o peão gay. Quero mais é ver o circo pegar fogo e a esquerda precisa de uma vitória em 2005.

O melhor do pior destes últimos capítulos é o romance entre May (Camila Morgado) e Laerte (Humberto Martins). Ele tenta abraçá-la e ela reage com argumentos dignos do Samuel Huntington em The Hispanic Challenge: "Odeio você! Seu latino! Troglodita!". Claro que a cena termina com a subjugação da frígida anglo-saxã pelo macho latino-americano.

A coadjuvante que foi acusada de furtar objetos dos colegas de elenco deu uma entrevista ao NoMínimo se dizendo injustiçada: "Me sinto um deputado do PT." Coitada, ninguém merece.
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