Um Espectro Ronda a Europa
Há cinco anos eu cursava italiano em Turim com uma bolsa para estudantes sul-americanos. Certo dia conversava com colegas e com a professora sobre lugares para passear na cidade e um dos rapazes sugeriu um bar nas proximidades. A professora respondeu de imediato: "Não vão lá, é freqüentado por estrangeiros!". Rimos e alguém perguntou: "E nós somos o quê?". A professora ficou um tanto constrangida e comentou que havia dito aquilo sem pensar. Falamos um pouco sobre a xenofobia na Europa e ela confessou que meses antes o corpo docente da escola havia tratado muito mal
um colega que viera da Romênia.
Houve outros casos. Na Espanha, fiz amizade com um belga, filho de imigrantes africanos e ele me contou a rotina de suspeita policial que enfrentava, embora fosse cidadão europeu e tivesse emprego fixo. Em Lisboa, um amigo cedeu o lugar no ônibus para um senhor português já idoso que o agradeceu de maneira inesquecível: "E falam tão mal de vós, brasileiros!".
Os banlieus franceses têm a mesma matéria inflamável presente em outras comunidades do Velho Continente: jovens descendentes de imigrantes com expectativas de integração e ascensão social frustradas, racismo, violência policial, humilhações cotidianas. Penso mesmo que a situação é mais grave em outros países, pois na França bem ou mal existe uma rede de proteção pública (escolas, seguro desemprego, saúde) que ainda é muito forte.
Talvez a revolta de 2005, essa intifada dos banlieus, coloque a questão crucial para a política européia do que fazer com a massa populacional descendente de imigrantes, em sua maioria islâmicos, mal-integrados nas sociedades européias. Só na França são 5 milhões. Gente demais para ser ignorada ou posta num navio de volta para a África, como brada Sarkozy. Além disso, como vi um rapaz dizer na TV: "Também somos franceses e queremos que isso seja reconhecido."
No entanto, temo que no curto prazo o espectro dos banlieus favoreça os extremistas, da Al-Qaeda a Le Pen e Sarkozy, que parece querer se lançar como uma alternativa de linha dura, mas ainda dentro do padrão tradicional - um voto para quem acha Le Pen radical demais, mas quer ordem na casa.
Apesar da retórica sarkoziana de "escória", as instruções à polícia foram no sentido de moderação. Em quase duas semanas de confronto, as forças de segurança não mataram ninguém. O único morto até agora foi vítima de um espancamento por parte dos jovens em rebelião.
Imagino que a classe média francesa, e de outros países europeus, deva estar apavorada e querendo ordem pública a qualquer preço. Ou talvez eu esteja projetando os sentimentos dos cariocas sobre o Velho Mundo. Quem sabe as tradições de cidadania e igualdade falem mais alto do que o medo. Mas sinceramente, acho que a maioria deve pensar como um parisiense entrevistado pelo The Guardian: "Deveríamos mandar a porra do Exército".
3 Comentarios:
A situação na França é bem pior do que na Inglaterra em termos de integração, mas aqui também existe preconceito e tenho certeza que muita gente tem se preparado pro pior, apesar de não haver nenhum indício de que a confusão francesa possa atravessar o Canal da Mancha. A BBC, no entanto, tem se preocupado em mostrar a situação dentro do contexto e sem polemizar, o que é ótimo.
Inquietante o seu relato, Mauricio. O maio de 68 fortaleceu a direita, e esses episódio tem tudo para repetir o desfecho.
Eu acho que a Inglaterra está muito mais preparada para enfrentar a questão, Nica. Bem ou mal, é uma sociedade autenticamente multicultural. Minha prima mora lá e sente bem menos preconceito do que em outros lugares que conheceu.
Car@s,
achei significativo que mesmo durante a revolta francesa, o parlamento britânico tenha rejeitado a Lei dos 90 dias proposta por Blair. Não é pouca coisa num país vítima de atentados terroristas.
Mas acho que o rastro de pólvora dos franceses tem possibilidades de se espalhar por países como Itália, Alemanha, Espanha... As condições estão lá.
Abraços
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