O Maio de 68 dos Banlieus
Há pouco mais de uma semana, dois adolescentes franceses de origem árabe morreram eletrocutados ao se esconder da polícia durante uma batida em Clichy-sous-Bois. A morte dos dois rapazes gerou uma onda de violência e quebra-quebra que já destruiu centenas de carros e se espalhou pelos arredores de Paris (a zona entre o aeroporto internacional e os bairros da classe média), Rouen, Dijon e Marselha.
O centro dos conflitos são os banlieus, zonas periféricas marcadas por conjuntos habitacionais construídos pelo Estado para os imigrantes do norte da África, que forneceram o trabalho barato necessário para a extraordinária expansão da indústria francesa nas décadas de 50 a 70. A prosperidade ficou para trás. Sobrou uma rede de proteção social cambaleante e o coquetel molotov do racismo, desemprego, violência etc.
Qualquer carioca sabe o que isso significa. A poucas centenas de metros de onde escrevo está uma favela cujos habitantes vivem uma situação social não tão diferente dos moradores dos banlieu franceses. Na França há mais Estado, mas também o peso da intolerância religiosa e da xenofobia.
A insurreição dos banlieus tem semelhanças com os protestos sociais que aparecem com freqüência na história francesa - as comunidades de imigrantes são os novos sans-culottes e substituíram os bairros operários transformados pela reforma urbana de Napoleão III nas amplas avenidas parisienses. As "classes perigosas" mudaram de cor, nacionalidade e religião.
O editorial do Le Monde comparou a nova onda de violência a Maio de 1968: "Os rebeldes não são estudantes, vindos de diferentes níveis da burguesia francese, mas os filhos e netos dos imigrantes, relegados às marges da sociedade, freqüentemente desempregados, geralmente sem formação educacional. Inspiram mais o medo do que a simpatia, mesmo se uma parte da opinião pública compreende ou imagina os problemas que muitos deles enfrentam."
Opressão, medo, revolta... Me soa muito familiar. Na boa análise do The Guardian, a onda de violência anuncia as principais questões que estarão em debate nas eleições presidenciais francesas de 2006, com uma disputa na direita entre o primeiro-ministro Villepin, o ministro do Interior (responsável pela polícia) Sarkozy e o líder extremista Le Pen. La Belle France já teve dias mais gloriosos.
3 Comentarios:
É Maurício, e que tal se a nossa periferia também se revolta-se e começasse a incendiar carros na Atlântica para desfazer o mito do brasileiro cordial e chamar a atenção da Casa Grande? E se a Maré, Pavão, Pavãzinho, Alemão, Rocinha e todas as outras senzalas dessa cidade se tornassem quilombos?
Bom, quando a Rocinha fecha o túnel já é um caos... Ia ser uma nova revolta dos Malês.
Recebi um e-mail de um amigo que mora em Portugal, defendendo as teses da extrema direita - ele quer a proibição da imigração dos africanos, porque diz em que em terras lusitanas são um bando de baderneiros, arruaceiros etc.
Detalhe: meu amigo é um brasileiro vivendo em Portugal.
Abraços
a miopia das elites agravou-se em cegueira; a UE se transformará em Exclusão Européia. E a gente continua copiando ...
aqui por enquanto a violência se restringe às favelas e ao campo, todavia há o risco do "arrastão da rebeldia, da revolta, do basta"!
Acorda Brasil!
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