quinta-feira, outubro 27, 2005

Os Anos do Condor


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Nem toda cooperação internacional se dá por causas nobres e tem efeitos positivos. O jornalista americano John Dinges fez um excelente relato de uma integração regional perversa em seu livro "Os Anos do Condor - uma década de terrorismo internacional no Cone Sul". É o melhor trabalho que conheço sobre o tema.

Dinges conta como a Dina, o serviço secreto do governo Pinochet, articulou a cooperação entre seus equivalentes na América do Sul. Começou com o objetivo de reprimir os movimentos armados que efrentavam as ditaduras militares do continente. Logo se tornou um método para eliminar rivais políticos dos regimes autoritários, incluindo líderes democráticos e moderados no exílio.

A Operação Condor dividiu-se em três fases: 1) Troca de informações e montagem de banco de dados; 2) Prisões e assassinatos nos países sul-americanos; 3) Assassinatos fora do continente. As fases 1 e 2 correram sem maiores empecilhos. Mas a Condor naufragou após seu gesto mais audacioso: o atentado a bomba que matou em Washington o ex-chanceler e ministro da Defesa de Allende, Orlando Letellier. Após esse ato, os EUA e os países europeus pressionaram seus aliados sul-americanos para refrear as operações no exterior.

Como Dinges é americano, boa parte do livro é dedicada a analisar as reações que a Condor provocou no Departamento de Estado (à epoca, comandado por Kissinger) e na CIA (dirigida por Bush pai). As fontes são entrevistas e documentos secretos desclassificados recentemente, no governo Clinton. O que aparece é o apoio, ou ao menos a indiferença, dos altos escalões dos EUA à Condor, ao passo que muitos diplomatas, incluindo embaixadores, alertavam seus superiores para as atrocidades e sugeriam mudanças de rumo.

O livro se concentra no Chile - o subtítulo original é "How Pinochet and his allies brought terrorism to three continents" - e na Argentina, falando pouco do Brasil. Naquele momento nosso país já se encaminhava para a Abertura e Dinges diz que os militares brasileiros não participaram das operações da Condor na Europa e nos EUA, embora tenham colaborado na América do Sul.

A mim impressionou como o padrão de assassinar políticos que pudessem representar alternativas à ditadura se encaixa na morte, em 1976, de João Goulart, JK e Carlos Lacerda. Todos mortos com poucos meses de diferença, em circunstâncias suspeitas - acidente de carro, doenças súbitas. Dinges também notou os fatos e afirma que os casos precisam ser investigados.

Dinges dedica dois ótimos capítulos a tratar dos processos e julgamentos contra os crimes das ditaduras militares - excelente análise de jornalismo investigativo e dos novos recursos do direito internacional à disposição dos defensores de direitos humanos. Pena que o Brasil esteja em larga medida fora dessas boas novas. A política do governo Lula para esse campo é incrivelmente ruim, anos atrás do que está sendo feito no Chile e na Argentina.
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