sexta-feira, julho 29, 2005

Em Busca do Cinema Inútil


O documentário é uma encruzilhada onde jornalismo e cinema se encontram, e como sou um apaixonado pelos dois temas, caí de amores, por tabela, pelo terceiro. O site NoMínimo publicou duas excelentes palestras sobre o futuro do documentário brasileiro. A primeira é um balanço dos dilemas da atividade em nosso país, feito pelo cineasta Eduardo Escorel. A segunda é a réplica de João Moreira Salles (cujo ótimo "Nelson Freire" ilustra este post).

Escorel elenca uma série de dificuldades que os documentaristas brasileiros enfrentam, desde os riscos de segurança até a chance de ficarem ultrapassados e obsoletos diante de grupos sociais marginalizados que começam a ter acesso à tecnologia do cinema. Mas os dilemas também podem ser "o desafio que nos motiva a persistir, procurando redefinir, a cada filme, nossa função e a fronteira entre os gêneros na tentativa de decifrar esse enigma chamado Brasil. "

Salles responde com elegância e inteligência, comemorando o fato de que "O diretor branco de classe média não é mais o único que filma. Não temos mais a prerrogativa da exclusividade. Seria o caso de dizer que as novas tecnologias representam a nossa Bastilha; e nós, evidentemente, fazemos parte do Ancien Régime."

Ele lembra que boa parte dos documentários brasileiros são formados por cineastas com esse perfil, filmando pessoas bem mais pobres. Os filmes têm um conteúdo social, de denúncia, e Salles afirma que chegou a hora de um "cinema inútil", menos explosivo, voltado para as questões do cotidiano - ele faz o paralelo com a cinematografia argentina, que eu adoro, e é basicamente um retratado da ampla classe média de nosso vizinho do sul.

Curioso Salles ter mencionado a Argentina, pois depois da crise de 2001/2002, um dos desejos citados com mais freqüencia era o de "viver num país normal". Ainda não conseguiram, mas sempre me emociona nos filmes de lá o sentimento de é que preciso recomeçar de algum ponto, do dia a dia mais imediato: o Café Buenos Aires em "O Filho da Noiva"; a galeria comercial e a relação pai-filho no "Abraço Partido", o sítio 1789 em "Lugares Comuns" ou simplesmente a metafórica "Kamchatka" (um lugar de onde resistir) no filme de mesmo nome.

quinta-feira, julho 28, 2005

O Vendedor de Passados


“Dê um passado melhor aos seus filhos”, diz o protagonista deste romance mais recente do angolano José Eduardo Agualusa, gentilmente emprestado por JD.

Félix Ventura vive do ofício de inventar biografias e genealogias para os novos ricos de Angola, gente que fez fortuna em negócios escusos na guerra civil e na administração pública. Cria com engenho e arte histórias que dignificam seus clientes e o trabalho é tão bem-feito que os próprios beneficiados passam a acreditar naquelas memórias – alguém aí pensou nos contos de Jorge Luís Borges? O mestre argentino é uma das referências do livro, presente até na epígrafe.

O fio condutor do enredo é a chegada de um cliente misterioso, um fotógrafo especializado em cobertura de guerras, que deseja uma identidade angolana. É o que basta para desencadear uma enxurrada de eventos de força trágica, que mostram que nenhuma pessoa e nenhum país conseguem escapar ao próprio passado.

Agualusa é um escritor talentoso e criativo e o romance está cheio de belas passagens sobre identidade, verdade/mentira, literatura, felicidade e deliciosas observações sobre temas diversos, como o outono no Rio de Janeiro – descrito como uma estação sutil na qual os cariocas teimamos em acreditar, mas que os estrangeiros afirmam não existir. Ou como o trecho no qual fala da felicidade como um momento de irresponsabilidade.

segunda-feira, julho 25, 2005

Silêncio Na Cidade Não Se Escuta


Ontem a Bandeirantes exibiu o terceiro episódio do documentário sobre Chico Buarque. Os dois primeiros foram sobre o Rio de Janeiro e as mulheres na obra do compositor, o último tratou da política. O documentário não traz nenhuma revelação bombástica sobre Chico, mas é muito agradável na sua simplicidade. O compositor aparece em várias entrevistas e cantando suas músicas, com imagens de arquivos, de shows antigos, ao lado de parceiros como Vinicius, Jobim, Caetano, Gil, Toquinho etc. Faz um bem danado para a alma e ilumina as noites de domingo.

No programa de ontem, Chico contou histórias da época da ditadura, de seus problemas com a censura. O mais interessante – e doloroso – veio no fim. Falando sobre seu envolvimento com o PT, comentou que sentia “uma grande torcida para que o governo Lula desse errado”, para que o presidente não conseguisse completar o mandato e desacreditasse a esquerda como alternativa política para o país. Chico suspirou aliviado: “Felizmente isso não aconteceu”.

O depoimento, claro, foi gravado antes dos escândalos de corrupção, creio que em 2004. Com ou sem torcida, está em curso o cenário temido por Chico. Pena que os intelectuais e artistas ligados ao PT, que encabeçaram tantas campanhas por causas progressistas, tenham caído na perplexidade e no silêncio. As instituições representativas do nosso país são frágeis e distantes dos cidadãos comuns. Isso aumenta, possivelmente até num nível exagerado, a importância da imprensa e dos líderes da opinião pública como canais de expressão das demandas da sociedade.

Aprendemos com o próprio Chico que “Mesmo calada a boca, resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta”. As pessoas estão com raiva, desapontadas, ao menos no meu círculo de classe média. Sem uma mobilização das lideranças cívicas que articulem esses sentimentos, as chances são de que algum demagogo à la Collor ou Jânio se aproveite desse vácuo político e se lance como campeão da anti-corrupção.

domingo, julho 24, 2005

O Direito Salvando Vidas

Ontem meu irmão salvou uma vida - um bebê de 8 meses, vizinho do meu padrinho. A família é muito pobre, toca uma pequena oficina. A criança estava bastante doente e o hospital não quis aceitar a internação, alegando carência do plano de saúde.

A filha do meu padrinho e meu irmão são advogados, ambos recém-formados. Eles se juntaram, rodaram pelo Fórum e conseguiram garantir a internação do bebê. O avô abraçou meu padrinho em lágrimas.

Os leitores mais antigos do blog devem estar lembrados do caso bem semelhante que ocorreu há um ano, quando tio Ricky teve um infarto (aliás, ele está bem, voltou e até me indicou um ótimo serralheiro para a reforma do apartamento).

A diferença desta vez é que meu irmão e minha prima não puderam contar com a defensoria pública, que está em greve há dois meses, e havia feito um excelente trabalho no caso do tio Ricky. Mas se valeram da solidariedade dos funcionários do fórum, que emprestaram inclusive computadores para que eles pudessem redigir a petição.

Por coincidência, ontem pela manhã conversei com uma amiga defensora, apaixonada pelo ofício, e ela se queixou do descaso do governo estadual pela categoria. Garantir os direitos dos pobres não é exatamente uma prioridade do Estado e os salários dos defensores estão muito defasados com relação a outras carreiras jurídicas.

Apesar dos problemas, acompanho com otimismo o trabalho dos meus amigos e parentes na defensoria, no ministério público, na advocacia geral da União e órgãos semelhantes. Num país como o nosso, a simples aplicação da lei e dos direitos constitucionais seria uma verdadeira revolução. Deve ser uma enorme realização profissional, pessoal e cidadã chegar em casa após um dia de trabalho e descobrir que se salvou a vida de um bebê. Minha homenagem a meu irmão e a minha prima.

quinta-feira, julho 21, 2005

Qual Desenvolvimento?



O Ibase iniciou um projeto de monitoramento do BNDES, parte de um debate mais amplo sobre modelo de desenvolvimento, e no Jornal de Brasil desta quinta saiu um artigo da minha amiga Luciana Badin sobre o tema. Em suas belas palavras:

"Diante da constatação de que não basta eleger representantes e esperar que as coisas mudem, uma frase de Guimarães Rosa sinaliza a porta de saída desse perigoso estado de desesperança: ''Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias''"

Quando o debate sobre desenvolvimento começou a ganhar fôlego no Brasil, pelos anos 40/50, era sinônimo de promover o crescimento do PIB. Esperava-se que o aumento da economia, por si mesmo, fosse diminuir as desigualdades sociais e promover a inclusão de grupos marginalizados. Não foi o que ocorreu.

Corações e mentes mudaram desde os dias áureos de Roberto Simonsen e Celso Furtado. A geração de 1968 criou uma nova agenda pública na qual questões ligadas à qualidade de vida e à preservação do meio ambiente ganharam força. Uma chaminé cuspindo fumaça era o símbolo do progresso no passado, hoje é uma imagem de pesadelo. Os próprios indicadores se transformaram: o mais interessante é o Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pelo economista Amartya Sen, que leva em conta educação, saúde, expectativa de vida e não apenas o crescimento do PIB.

No meu convívio com autoridades governamentais, vejo que essas novas concepções estão longe de terem triunfado. Inclusive escrevi artigos criticando o modelo de desenvolvimento do PT como repleto de resquícios da ditadura militar, uma visão de "Brasil Grande" amparada em enormes projetos de infra-estrutura, que privilegiam empresas transnacionais do agronegócio em detrimento dos grupos sociais que tradicionalmente são excluídos do crescimento, como a população rural.

Minha maior decepção com o PT talvez seja na área educacional, onde o partido sempre teve muitos simpatizantes. A demissão do senador Cristovam Buarque do posto de ministro da Educação já foi um péssimo ato. E qual o projeto educacional do governo Lula? Ontem ouvi um discurso do presidente a jovens pobres dizendo que era necessário investir em escolas para que eles não se tornassem ladrões. Para quem, como eu, pensa na educação como um direito humano fundamental e um instrumento básico para o desenvolvimento do país, as declarações do presidente cada vez mais soam um desrespeito a este "país de pessoas de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias''.

quarta-feira, julho 20, 2005

Os Jornalistas e a Cidade


A musa maior dos cronistas Posted by Picasa

Ontem assisti no jornal O Globo a um debate sobre "O Colunismo e a Cidade", coordenado por Arthur Xexéo e com a participação de Arthur Dapieve, Cora Rónai, Ancelmo Góis e Joaquim Ferreira dos Santos. O foco da discussão era a relação dos jornalistas que escrevem crônicas ou colunas de notas com a cidade do Rio de Janeiro.

Dapieve destacou que a crônica é um gênero jornalístico tipicamente carioca (mais do que brasileiro) e não é encontrada em outros países. Ressaltou que há algo semelhante nas revistas americanas, como a New Yorker. De fato, no jornalismo anglo-americano existe o ensaio, do qual aliás sou um apreciador. São textos maiores e mais analíticos, podem ser lidos em publicações como a London Review of Books ou sua contraparte New York Review of Books.

Todos os palestrantes foram unânimes em reconher a influência do Rio sobre o que escrevem, apontando fatores como a linguagem informal, as gírias, a mistura de classes sociais e tipos humanos etc. Evidentemente, foram citados os grandes cronistas dos anos 50/60, o curioso é que não se observou que todos eram de fora da cidade: de Pernambuco (Nelson Rodrigues, Antonio Maria), Minas Gerais (Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos) ou Espírito Santo (Rubem Braga). Antonio Maria ainda homenageou o Rio com a belíssima Valsa de uma Cidade.

Um aspecto desagradável do debate foi o bairrismo dos palestrantes, que se perderam em provocações contra São Paulo - sintoma de um certo provicincianismo que às vezes se abate sobre a cena cultural carioca. Fiquei pensando se o enfraquecimento da grande crônica não está ligado à decadência político-econômica do Rio de Janeiro, como se o cronista só pudesse sobreviver às custas de retratar a vida pulsante da então capital da República. A própria degradação do convívio social, com a violência, também deve ter influenciado.

Perguntei à mesa se acreditavam que os blogs davam continuidade à tradição da crônica, ao que mestre Rubem Braga chamou "ofício de viver em voz alta". Dapieve achou que em alguns casos é isso o que ocorre, mas em outros os blogueiros apenas difundem uma versão pública do "Meu Querido Diário". Cora Rónai disse que o tom confessional dos blogs, em primeira pessoa, é um dos elementos que fazem a crônica se diferenciar da reportagem.

Portanto, podemos nos considerar como herdeiros e modernizadores de uma nobre tradição. Imaginem só quando rádio e vídeo forem baratos e fáceis o suficiente para serem acoplados aos blogs.

terça-feira, julho 19, 2005

Desenvolvimento como Integração



Minha amiga Júlia me recomendou ler a entrevista com o sociólogo Hélio Jaguaribe, que saiu na Folha de S. Paulo de segunda-feira. Ele analisa a crise política, mas o ponto mais interessante é seu balanço sobre as possibilidades para o desenvolvimento do Brasil. Jaguaribe afirma que é hora de abandonar o modelo nacional e pensar numa esfera mais ampla, regional, abarcando toda a América do Sul num projeto de integração. Também convida os jovens na faixa dos 30 anos a retomarem os debates sobre os rumos do desenvolvimento no país.

A entrevista com Jaguaribe foi publicada no mês em que se completam 50 anos da fundação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), do qual ele foi um dos principais pensadores, ao lado de Cândido Mendes, Nélson Werneck Sodré, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto etc. O Iseb foi o centro de referência intelectual sobre desenvolvimento do governo JK ao de João Goulart. Os militares o fecharam após o Golpe de 1964.

Os jovens assistentes de pesquisa do Iseb, incluindo meu orientador, se reuniram a Cândido Mendes e conseguiram financiamento da Fundação Ford para criar um centro de estudos com objetivos semelhantes, para não permitir que o legado do instituto morressse. Foi assim que nasceu o Iuperj, onde curso o doutorado. Mas muita água passou sob a ponte desde então: as principais discussões dos iuperjianos são sobre democracia, pouco tratamos de desenvolvimento. E o pensamento nacionalista, de construção do Estado, dos anos 50 foi substituíto pelos métodos em voga nos EUA, cujo foco metodológico é nos indivíduos ou em grupos de interesse.

Contudo, algumas das idéias do Iseb permaneceram e deram frutos. Jaguaribe foi pioneiro em defender a integração na América Latina, numa época em que o próprio Itamaraty não morria de amores pela idéia. Hoje o Iuperj tem um importante Observatório Político Sul-Americano e sua coordenadora, minha guru Maria Regina, gosta de dizer que o capitalismo contemporâneo exige economias de escala por parte das empresas, para competirem globalmente, num contexto mais amplo do que os dos mercados nacionais: "No mundo atual, só as regiões sobrevivem. Ou países do tamanho de continentes, como os EUA e a China, ou regiões que se integrem, como a Europa."

Claro que estamos no mesmo caminho na América do Sul. O processo de integração beneficia o Brasil, dando ao nosso país acesso a matérias-primas, fontes de energia (petróleo e gás), mercados consumidores e portos no Oceano Pacífico, rumo às economias emergentes da China e da Índia. A questão é que esse modelo beneficia setores muito concentrados, como o agronegócio. A integração externa - no âmbito do continente e da economia internacional - é vital para o Brasil, mas é igualmente importante a integração à sociedade dos grupos mais pobres, que sempre ficaram à margem do processo, mesmo em épocas de fartura como o "milagre" da Ditadura Militar.

Esse aspecto social fundamental está ausente do projeto político do PT, mesmo antes dos escândalos de corrupção. Mas isso é tema para outros posts.

segunda-feira, julho 18, 2005

Mulheres de Atenas


Diane Kruger como Helena de Troia Posted by Picasa

O caderno Mais! da Folha de S. Paulo teve como matéria principal no domingo uma análise sobre Helena de Tróia, trazendo diversas interpretações para o mito, tal como ele é narrado por Homero, pelo sofista Górgias e por pensadores contemporâneos, como Jacques Lacan (não dá para linkar, porque os arquivos só estão disponíveis aos assinantes do jornal ou do UOL). O ponto central era se Helena era culpada ou inocente, uma espécie de Capitu da Grécia Antiga.

Achei surpreendente que o caderno tenha dado tão pouca atenção à Helena de Tróia que aparece no "Fausto" de Goethe, porque é uma das representações mais fortes do que o poeta alemão chamou de o Eterno Feminino - embora a minha favorita continue sendo a Beatriz da "Divina Comédia" de Dante. Mas de modo geral chama a atenção o machismo das análises. A mulher nos mitos gregos é na melhor das hipóteses uma dor de cabeça para o herói, quando não a fonte de todos os males, como Pandora abrindo sua célebre caixa. Mesmo as interpretações mais favoráveis ainda as vêem como ambíguas e um tanto traiçoeiras.

Os mitos precisam se modernizar para acompanhar os novos tempos e os papéis cada vez mais destacados que as mulheres assumiram na sociedade. A versão mais recente do filme "Tróia", falha nessa funçao. Apesar da beleza da atriz Diane Kruger, que ilustra o post, sua Helena é pouco mais do que uma Patricinha mimada, nada tem da manha política com que Homero a retratou.

Por coincidência, ontem à noite a Bandeirantes exibiu o segundo programa de um documentário dedicado a Chico Buarque. O episódio, "Á Flor da Pele" foi justamente sobre a mulher na obra do compositor e ele ressaltou que adora escrever e cantar sob o ponto de vista feminino, como se fosse outra pessoa. Destacou também o quanto as mulheres independentes e rebeldes de suas canções são um contraste com as Amélias conformistas dos compositores dos anos 40/50. Resignação que tão bem ironizou em "Mulheres de Atenas":

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas


Meu amigo Guilherme compôs uma paródia hilária dedicada aos homens italianos que adoram cozinhar ("Mirem-se no exemplo, do Giorgio, de Alba") que cantávamos às gargalhadas pelos restaurantes do Piemonte, quando estudamos na Itália. Rindo, castigam-se os costumes. Mas que personagens/mitos/símbolas minhas leitoras vêem como representando as mulheres contemporâneas? O glamour em busca de amor das protagonistas de Sex and the City? A serenidade majestosa de Fernanda Montenegro? Cartas à redação, comentários ao blog.

sexta-feira, julho 15, 2005

O Inimigo Interno


Muçulmanos britânicos protestam contra terror Posted by Picasa

A notícia mais surpreendente das investigações sobre o atentado de Londres foi a descoberta de que os suspeitos de serem os terroristas suicidas eram cidadãos britânicos, a maioria de ascendência paquistanesa. A TV mostrou a loja onde um deles trabalhava, na cidade de Leeds: era um típico restaurante "fish and chips", antes o cenário do tédio cotidiano do que o lugar do qual se espera que floresçam ódio e sentimentos de vingança, como os campos de refugiados palestinos ou a desolação do Iraque e do Afeganistão.

É claro que a experiência de crescer numa Europa marcada pela discriminação racial/religiosa e por dificuldades econômicas estimula o fundamentalismo. Não é à toa que muitos dos terroristas que atacaram Londres fossem do norte da Inglaterra, região na qual a extrema-direita é muito forte e onde houve até conflitos de rua entre ativistas e muçulmanos. Nas duas viagens que fiz ao Velho Mundo, fiquei impressionado com a força do racismo, não só nas manifestações dos fanáticos, mas como esses sentimentos impregnam até a conversa daquelas pessoas amáveis, que batem papo nos cafés ou na fila dos museus.

Só que a exclusão não explica tudo. Na Foreign Affairs deste mês o artigo "Europe´s Angry Muslims", de Robert Leiken, discute esse perfil e também um segundo tipo de terrorista, com instrução universitária, em ascensão social. Leiken é linha-dura e o texto por vezes defende opiniões radicais, mas é boa fonte de informação.

A meu ver, o que está em curso na Europa é um choque de expectativas sociais frustradas, aumentadas por um contexto internacional explosivo. Os jovens muçulmanos, filhos de imigrantes, aprenderam na escola a cartilha ocidental sobre igualdade e liberdade. E bateram de frente com sociedades onde o que está à sua disposição é quando muito uma cidadania de segunda categoria, senão a exclusão racial e um fanático pronto para lhes encher de pancada na esquina. Some a esse caldo os conflitos no Oriente Médio e temos um objetivo político para canalizar a raiva e a violência. Como diz a BBC, os piores medos britânicos foram confirmados e está em xeque o sonho multicultural do Reino Unido.

A semana foi repleta de atentados, no Iraque, em Israel, na Espanha. Para os leitores interessados no Oriente Médio, fica a recomendação do blog Terra Estranha, da jornalista Daniela Kresch, correspondente da GloboNews em Israel. No post desta sexta ela conta a história da brasileira morta quando um míssil disparado por terroristas palestinos atingiu sua casa.

quinta-feira, julho 14, 2005

A Cordilheira de Paraty


Foto: Divulgação Posted by Picasa

No Globo desta quinta há uma deliciosa crônica de Luís Fernando Veríssimo tratando da Festa Literária Internacional de Paraty, “um acontecimento que de tantos pontos altos pareceu uma cordilheira”. O melhor do texto é uma garotinha que pergunta ao escritor se ele sabe ler:

“Pergunta básica e perfeita e mais importante do que imaginava sua pequena autora. Ela checava minhas credenciais para ser escritor e estar ali mandando todos lerem. Saber ler não significa apenas ser alfabetizado ou interpretar um texto (...) Também significa saber ler a realidade à sua volta (...) Poderia ter respondido à menina que não, ainda não sabia ler como deveria, mas que chegaria lá. "

No Jornal Nacional, Edney Silvestre também fez uma bela cobertura da Festa, destacando o interesse do público pela literatura e a grande quantidade de jovens. Os jornalistas destacaram os pontos que mais chamaram a atenção: a visita de Salman Rushdie, a parceria – pioneira, urgente e necessária - entre o rapper MV Bill e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o bom humor da historiadora Isabel Lustosa, a melancolia que quer virar esperança de Beatriz Sarlo, Arnaldo Jabor aplaudido quando criticou Lula e vaiado quando elogiou FHC, Ariano Suassuna e Evaldo Cabral de Mello discordando sobre Dom Quixote.

O site NoMínimo tem o melhor apanhado da festa na Internet. Destaco o artigo de Paulo Roberto Pires, que para mim será sempre o excelente professor de jornalismo literário que foi um de meus modelos no início da carreira. Espero que o mestre me perdoe a opção pela ciência política, em especial se souber que minhas melhores estantes na biblioteca continuam reservadas aos romances e ao teatro.

Trabalhei muito com livros – como resenhista, como assessor de imprensa de uma editora, como vendedor. Posso repetir as palavras de Thomas Jefferson: “Não consigo imaginar minha vida sem livros”. Bem, ainda falta escrevê-los. Até lá, quero imitar Veríssimo e aprender a ler.

Aniversário

Já havia me esquecido! Há quatro dias atrás - 10 de julho - este humilde blog completou um ano de existência! Foi um ano movimentadíssimo para todos nós, tanto pessoal quanto profissionalmente, e que, de alguma maneira, ficou registrado em pequenas notas por aqui.

Gostaria de mandar um grande abraço para os meus dois colegas conspiradores e para os nossos 10 ou 15 leitores incansáveis. Que nossa conspiração ainda dure alguns outros bons anos!

quarta-feira, julho 13, 2005

Guerra de Pesquisas


Todos os homens do presidente Posted by Picasa

Um pouco depois de ter escrito sobre a possibilidade de impeachment, o iG News ligou para me entrevistar sobre a pesquisa da CNT/Sensus que indica que a popularidade do presidente e do governo não sofreu abalos com as denúncias de corrupção. O jornalista me passou os dados e conversamos sobre o que eles podem significar, com a ressalva de que a pesquisa divulgada pela Veja aponta para outras conclusões.

Claro, os governistas lembrarão que a Veja é tucana e os oposicionistas responderemos que a CNT é comandada pelo vice-presidente do PL, um aliado de Lula. Ambos temos razão. Neste quadro confuso, o melhor é analisar as duas pesquisas como sendo sérias e corretas, traçando dois cenários distintos.

Pela CNT/Sensus, os eleitores vêem os escândalos de corrupção como um problema do Congresso e do PT, mas a imagem do presidente e a própria avaliação do governo continuam positivas. Lula venceria as eleições de 2006 contra qualquer candidato. O cenário seria o de uma campanha eleitoral fortemente centrada na figura do presidente, procurando desvencilhá-lo ao máximo da imagem combalida do PT.

O grande risco desse cenário é que ele oporia um presidente popular a um Congresso oposicionista e louco para derrotar Lula através do telhado de vidro das denúncias. A chance de que essa queda de braço degenere as instituições em manobras de bastidores é muito forte. Alguém pensou na Bolívia e na Venezuela?

Enquanto isso, prosseguem as denúncias contra o governo, com uma nova leva de gravações, desta vez ligando Dirceu e Delúbio à máfia dos fiscais no Rio de Janeiro.

terça-feira, julho 12, 2005

Rumo ao Impeachment?


Lula completará o mandato? Posted by Picasa

A Veja desta semana traz o presidente Lula na capa com a chamada “Ele sabia?”. O mais relevante é a pesquisa de opinião que indica que a maioria dos eleitores (55%) acredita que Lula sabia da corrupção, embora o mesmo percentual ache que ele é inocente. Difícil conciliar as duas crenças – se ele sabia e não agiu, cometeu crime de responsabilidade.

A crise finalmente respingou no presidente. Não é para menos, uma vez que toda a cúpula do PT teve que ser afastada em função das denúncias de corrupção. Interessa à oposição abrir o processo de impeachment? No início da crise, eu pensava que a estratégia seria enfraquecer ao máximo o presidente, para dificultar sua reeleição, mas sem recorrer ao impeachment..

Contudo, o governo desmoronou em um mês de denúncias e investigações pelas CPIs. O quadro no Planalto é de desespero: afastar o PT do governo (via reforma ministerial) e tentar o apoio dos setores mais conservadores para se sustentar até o fim do mandato. Os jornais noticiam até negociações com o PSDB, em que a reeleição seria cancelada em troca do Congresso não investigar o presidente. Ora, nesse cenário a oposição pode muito bem abrir o processo de impeachment e manobrar para que ele siga lentamente, de modo a coincidir com o calendário eleitoral. Não é preciso sequer concluí-lo, basta fazer com que ele se arraste.

O presidente perde o apoio rapidamente também no mundo das organizações da sociedade civil. . Uma coalizão de ONGs e movimentos sociais, incluindo o Ibase, se reuniu em Brasília e decidiu organizar uma manifestação contra a corrupção. Era exatamente o que eu pedia no meu artigo para o Globo, há duas semanas. O que foi controverso então se tornou o lugar comum de agora.

segunda-feira, julho 11, 2005

As Fúrias


Mulheres choram mortos em Srebrenica (Andrew Testa, NY Times) Posted by Picasa

No fim da “Oréstia”, uma das mais belas triologias do teatro trágico grego, o jovem herói perseguido pelas Fúrias, deusas da vingança, chega em Atenas, onde pede para ser julgado pelos cidadãos. O tribunal da cidade o absolve do assassinato da mãe e do padrasto (que haviam matado seu pai na primeira peça, triologias com problemas de família complicados não começaram com Guerra nas Estrelas) e põe fim a um banho de sangue que durava décadas. A democracia como um freio à ira dos deuses e às tresloucadas paixões humanas.

Hoje se completam dez anos do massacre de Srebrenica. Na guerra civil da antiga Iugoslávia, a cidade foi um reduto bósnio numa área sérvia. A cidade resistiu durante meses até ser invadida por milícias sérvias. Calcula-se que cerca de 7 mil pessoas foram mortas na ocasião, o maior massacre em solo europeu desde a queda de Berlim em 1945.

Falo muito sobre Srebrenica para meus alunos porque ela resume vários dos problemas da política internacional dos anos 90. A cidade estava sob proteção da ONU. Mas os boinas azuis ficaram paralisados por passividade política, ordens estúpidas e confusão burocrática. Mais de mil bósnios foram capturados na porta do quartel das Nações Unidas em Potocari, nos arredores da cidade. Os homens e rapazes foram separados e fuzilados nos arredores. As mulheres foram estupradas sistematicamente, no quadro de guerra étnica que devastou os Bálcãs.

Pouco tempo depois do massacre, os EUA conseguiram mediar um acordo de paz que encerrou os conflitos na Bósnia. O papel da imprensa no relato dos horrores de Srebrenica foi fundamental, bem como a reação dos próprios diplomatas americanos – vários se demitiram em protesto contra a política de Washington, ação que não teve precedentes nem no Vietnã. O choque mobilizou a opinião pública e pressionou Clinton a agir. Gosto de citar o caso a meus alunos como um exemplo em que a mobilização dos cidadãos pode fazer a diferença e mudar o rumo dos Estados.

Após a guerra, foram criados tribunais para julgar crimes contra a humanidade nos conflitos dos Bálcãs e o próprio Slobodan Milosevic, que presidia a Iugoslávia à época, foi preso. Mas os generais que comandaram o massacre em Srebrenica continuam soltos. O New York Times aborda a marcha que relembra a queda da cidade e a tentativa de reconciliação, de seguir em frente. O Guardian apresenta uma ampla cobertura que conta como ocorreu o massacre, analisa o impacto para a Europa e pede a condenção dos culpados.

Talvez as instituições políticas criadas pelos homens (e aperfeiçoadas, espero, pelas mulheres!) possam conter as Fúrias. Se não, seremos só mais um bando de animais selvagens à solta, e particularmente cruéis. E que os deuses tenham piedade de nós.

domingo, julho 10, 2005

"Esta é minha crença"


Martin Sheen como o presidente dos EUA Posted by Picasa


Ontem tive uma forte dor de cabeça - gripe rondando - e passei o dia de cama, descansando. Acabei passeando pela programação da TV a cabo, coisa que raramente faço, e encontrei algumas pedras preciosas nesse garimpo. No "Inside the Actor´s Studio", Martin Sheen falava sobre cinema, teatro e política. Mais tarde assisti a um episódio de "The West Wing", a célebre série onde ele interpreta o presidente dos EUA.

Na semana passada JD conversou comigo sobre seu entusiasmo com a série e o fez de maneira tão persuasiva que me convenceu a acompanhar os episódios. No de ontem, o tema era uma crise diplomática ocorrida quando deputados americanos eram mortos por terroristas na Palestina. O Congresso pressionava o presidente a responder com um ataque militar e ele procurava encontrar uma saída pacífica, via negociação.

Claro que a visão da série idealiza os Democratas - em situações semelhantes Clinton bombardeou sem pestanejar o Afeganistão e o Sudão. Mas os personagens são muito bons, os temas atualíssimos e o nível do debate político é incrivelmente alto. Os diversos pontos em questão são apresentados como legítimos, racionais, com ótimos argumentos.

Isso me lembrou uma conversa que tive com uma grande amiga, cientista política que pesquisa para sua tese de doutorado sobre a relação entre o cinema e a literatura com a política externa dos EUA. Papeando em sua DVDteca, ela falava a respeito a "religião civil" americana, o culto que o país mantém às suas instituições democráticas e tradição política. Para exemplificar o ponto, exibiu um trecho do filme "A Conspiração" (The Contender).

Na cena, a senadora interpretada por Joan Allen responde às "acusações" de ser atéia, feitas pelo senador ultra-conservador (Gary Oldman). Ela diz que não precisa acreditar em Deus para ter certeza de seus valores éticos e morais e aponta em volta para o Capitólio: "Esta é minha crença".

É a minha, também. Idealização, sem dúvida, mas funciona como um sinal no caminho para me orientar neste mundo de políticos calhordas e corruptos.

sábado, julho 09, 2005

Dólares na Cueca

Parece não haver limites para a auto-degradação do PT, como mostra a prisão de um dirigente do partido no Ceará preso com R$400 mil, sendo parte desse total em dólares, escondidos na cueca. Nos filmes sobre a máfia os criminosos têm mais dignidade. Alguém imagina dom Corleone dando tal vexame? Vai para casa, Genoíno! Foi para isso que você sobreviveu à guerrilha do Araguaia?

O desenrolar (ou enrolar?) da crise nesta semana foi bastante intenso. Tudo aponta para uma espécie de "renúncia branca" de Lula. A reforma ministerial caminha no sentido de tirar o PT do ministério. Nos bastidores, o presidente negocia com o PSDB o fim da reeleição, em troca de ser poupado e poder terminar o mandato. A manobra periga virar estudo de caso em ciência política, talvez nas aulas de "Introdução à Maracutaia".

Aprendi no IUPERJ que para que a democracia se fortaleça são necessárias institutições sólidas, que definam as regras do jogo e mantenham a competição entre os políticos dentro dos parâmetros da civilidade, ou ao menos dentro do Código Penal. Não sei mesmo nada sobre este país.

Ao menos as coisas caminham bem na vida privada. O serralheiro fez um excelente orçamento para colocar as grades em meu novo apartamento, as obras devem acontecer na segunda quinzena de julho. A se manter esse bom ritmo, tenho esperanças de terminar a reforma do imóvel já em agosto.

quinta-feira, julho 07, 2005

O Horror, O Horror


Mais sofrimento inútil Posted by Picasa

No ano passado o chefe da polícia de Londres avisou que era extremamente provável que a cidade sofresse um ataque terrorista em grande escala. Os temores diminuíram após as eleições gerais de 2005, que deram mais um mandato a Tony Blair. E parecia que julho seria um mês de glórias para o primeiro-ministro, com a escolha de Londres como sede das Olimpíadas de 2012 e a liderança britânica na Cúpula do G-8 em temas sociais como o combate ao aquecimento global e a abolição de parte da dívida dos países africanos. Mas a Al-Qaeda tinha outros planos.

Ainda não há confirmação de que a rede liderada por Osama Bin Laden seja a autora dos atentados que mataram cerca de 40 pessoas em Londres e feriram centenas. Contudo, o padrão de ataques múltiplos, no metrô e nos ônibus, é exatamente o modo de atuação da Al-Qaeda. Razões não faltam: o Reino Unido é o principal aliado dos EUA na ocupação do Iraque e do Afeganistão. A conjuntura política também é perfeita para potencializar a atenção da mídia, pois as bombas explodiram em meio à reunião dos países mais ricos do mundo e em plena euforia pela escolha olímpica.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 levaram os EUA à guerra, os de 11 de março de 2004 tiraram a Espanha do Iraque. Quais serão as conseqüências dos ataques de 7 de julho para o Reino Unido? A população havia se posicionado contra a guerra organizando protestos com milhões de participantes. A manipulação de informações quanto à suposta posse de armas de destruição em massa por Saddam Hussein foi um escândalo que quase custou à reeleição a Blair. E a opinião pública britânica resistiu à limitação das liberdades em nome do combate ao terror, mesmo em algo tão banal (para os brasileiros) quanto a introdução de uma carteira de identidade.

Em 1956 o Reino Unido falhou miseravelmente ao tentar invadir o Egito e reocupar o Canal de Suez. Desde então, sua política externa tem se pautado pelo reconhecimento de que os dias de grande potência acabaram, pela aliança com os EUA e por uma participação relutante na integração européia. Esse padrão se mantém com os conservadores ou trabalhistas, ao contrário do que ocorre em países como a Espanha ou a Itália, no qual governos de esquerda podem adotar uma linha diplomática mais crítica em relação a Washington.

Além disso, o Reino Unido tem uma enorme população muçulmana, oriunda dos quatro cantos do império em que o sol nunca se punha. Material inflamável para grupos extremistas, particularmente numa conjuntura em que os jovens islâmicos se tornem alvos de movimentos racistas, que vem crescendo em toda a Europa.

Os interesses britânicos são muito fortes no Oriente Médio e na aliança com os EUA para que o país possa se dar ao luxo de uma retirada do Iraque. Ao mesmo tempo, o descontentamento da opinião pública e a questão sensível da população muçulmana diminuem a margem de manobra do governo Blair para implantar estratégias radicais de "guerra contra o terror", como as de George W. Bush. O mais provável é que o primeiro-ministro aprofunde a tendência a que já havia dado início, de se tornar o porta-voz de uma agenda social para os países em desenvolvimento, sobretudo os islâmicos, como uma contrapartida reformista ao terrorismo.

De certo, somente que quatro anos após a tragédia do 11 de setembro, a militarização das relações internacionais imposta pelo governo Bush não trouxe paz nem prosperidade, apenas medo, destruição e morte. Os principais beneficiados são os extremistas dos dois lados do combate.

Uma grande amiga mora em Londres, a duas quadras do local onde ocorreu um dos atentados. Ela está bem e relata o que presenciou em seu blog.

Uma Tarde em Buenos Aires

Era sábado e chovia, meu vôo partia na manhã seguinte. Tinha visto as principais atrações da cidade e perambulava em busca de distrações. Atravessei a praça do Congresso e passei em frente ao Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales, que exibia o documentário "Memoria del Saqueo", de Fernando Solanas. Resolvi entrar e ali começou a nascer minha tese de doutorado.

O filme de Solanas sobre a grande crise que estourou na virada de 2002 se juntou às impressões daquela viagem, nas quais ainda eram visíveis as marcas dos conflitos de rua em Buenos Aires, dois anos depois da queda do presidente De La Rúa. O público, composto de respeitáveis senhores de classe média, vaiava e xingava os políticos - De La Rúa foi saudado com um sonoro "Hijo de Puta!" - e chorava nas cenas que mostravam a miséria e a degradação da Argentina. Saí do cinema muito impactado, pensando "Quero entender esse país!".

Estas minhas breves férias, entre outras coisas, servem para pesquisa. Estive na PUC consultando teses sobre a política externa da Argentina de Menem, e no IUPERJ lendo sobre o sistema partidário do país. Começo a escrever um artigo acadêmico de umas 20 páginas sobre a relação entre as instituições políticas argentinas e a crise de 2001/2002.

É bom ter algum tempo para mim, depois de inúmeras reuniões e projetos de trabalho que não levaram a nada. Sem dúvida preciso de mais autonomia para conduzir minhas atividades profissionais.

A propósito, o governo De La Rúa também pagou mensalão. O itinerário das esperanças frustradas na América Latina é incrivelmente semelhante. Se conhecêssemos mais sobre nossos vizinhos de continentes, aprenderíamos melhor a analisar os detalhes pitorescos desta República de Bananas.

quarta-feira, julho 06, 2005

Alice

Daqui a duas semanas volto para os EUA. Tenho que procurar um novo apartamento e recomeçar o processo de tese. Ao contrário dos personagens da Glória Perez, tenho um aperto de coração imenso quando volto para lá -- deixo por aqui pessoas muito queridas e que significam muito para mim. Mais ainda, deixo meu país, onde me sinto bem e realmente em casa.

Depois de quase dois meses por aqui, tive a infelicidade de acompanhar de perto ("em tempo real") a atual crise política, seus personagens, histórias, argumentos fajutos e CPIs teatrais. Cientista Político é uma raça estranha -- assiste CPI até as duas da manhã, inclusive quando figuras obscuras que ninguém conhece descrevem complicados processos de licitação e de lavagem de dinheiro ou de técnicas de arapongagem.

Escrevo sobre isso porque a minha experiência com o governo Lula tem sido errática. Já morava nos EUA quando ele foi eleito. E a cada seis meses, quando volto ao Brasil, acompanho com pequenos flashes a situação nacional. Minha decepção crescia em períodos de seis meses. Sinto-me como Alice no País das Maravilhas -- os persongens nunca mudam, mas a lógica vira de cabeça para baixo.

O cenário se arma para um próximo governo aventureiro -- com essa desilusão geral, as condições para um perigoso governo "outsider" ou com discurso "moralizante" (à la Collor) crescem bastante. Sinto que o país não agüentaria um novo Collor ou um Garotinho (Deus nos livre). Ser pessimista neste momento parece ser a atitude normal. Todos nos sentimos um pouco como Fukuyama -- a história da política no Brasil "acabou". Mas como ele, estamos todos errados.

Saio do Brasil com um aperto na garganta. Se a minha profissão me ensina a ser sempre um cético para entender a realidade, insisto em manter, no fundo, um resto de otimismo, uma reserva intocável de confiança em tudo. Odeio sentir-me um ingênuo em meio a raposas, mas se assim não fosse não conseguiria fazer o que faço, não conseguiria estudar o que estudo. Simplesmente não faria sentido.

Mas, no fim, fica a lição de Voltaire: "il faut cultiver notre jardin". Assim o farei.

terça-feira, julho 05, 2005

Que Comam Brioches!

No domingo, em meio à nova leva de denúncias contra a cúpula do PT, os cardeais do governo se reuniram... para uma festa junina na Granja do Torto, com direito até a fogos de artifício. Por coincidência, no mesmo dia eu lia uma biografia de Madame de Pompadour, a amante de Luís XV, e aprendia que ela também mantinha o hábito de distrair o rei com a encenação de espetáculos, sempre que estourava uma crise. Maria Antonieta fazia o mesmo com Luís XVI. Como um monarca terminou na guilhotina e o outro reconhecendo que depois dele viria o dilúvio, os auspícios são ruins para o nosso Luís I.

Fico imaginando como terá sido a quadrilha do governo (oops!). "Olha a CPI!", "Olha o Roberto Jefferson!". E quem foi a noiva, o PMDB?

Os documentos publicados por Veja mostram que Marcos Valério foi avalista de um empréstimo para o PT (e até pagou uma parcela) ao mesmo tempo em que sua agência de publicidade assinava contratos de R$400 milhões com o governo. O Bruno analisa o impacto do caso em seu blog.

O resultado imediato dessas relações perigosas foi que começou o expurgo na cúpula do PT. Delúbio já caiu e vários deputados petistas apareceram na TV para cobrar investigações rigorosas no partido. Perceberam que se não se mostrarem ao público como opositores do mar de lama, perderão votos.

Curioso é que José Genoíno era o favorito a se reeleger como presidente do PT. Agora a situação é outra, duvido que ele consiga se manter no cargo por muito tempo. Resta saber se as 8 chapas de oposição conseguirão articular um candidato com chances de vencer e implantar um programa de reforma no partido.

segunda-feira, julho 04, 2005

A Culpa é da Glória Perez?

Ontem à noite eu zapeava pelos canais de TV e acabei assistindo a uma reportagem sobre os brasileiros que emigram ilegalmente para os EUA. O governo americano estima que o Brasil está em segundo lugar na lista dos clandestinos, atrás apenas do México.

A reportagem de Tatiana Chiari, da TV Record, foi muito competente. A jornalista conversou com brasileiros presos ao tentar atravessar a fronteira e mostrou as duríssimas condições dessa travessia, que costuma deixar mortos por fome, desidratação ou simples exaustão. É muito forte o sentimento de humilhação das pessoas detidas, muitas delas de idade avançada, outras pouco mais do que adolescentes.

Lá pelas tantas ela entrevistou a socióloga da Unicamp Teresa Sales, especialista em emigração brasileira, que culpou a novela "América" pelo aumento do número de pessoas que saem do Brasil para tentar a sorte nos EUA, inspirados pela visão idealizada do folhetim de Glória Perez.

Achei a situação um tanto inusitada, mas é exatamente a opinião defendida por meu irmão, que detesta a novela (ou afirma detestá-la) mas assiste a ela todo dia. Ele implica especialmente com a personagem da Deborah Secco, que encarna todos os clichês do sonho americano.

Penso na situação com um certo ceticismo. Num país em que a economia não cresce por mais do que espasmos há 25 anos, é natural que as pessoas queiram emigrar, e óbviamente a superpotência solitária é o destino mais em voga, inclusive pela atração cultural exercida pelo cinema, música e TV.

Mas como escrevi uma tese de mestrado sobre política americana, tendo a superestimar o que as pessoas sabem sobre os EUA. Talvez a novela realmente influa bastante e seja um fator chave na escolha. Afinal, duvido que meu bisavô soubesse muito a respeito do Brasil quando deixou a Itália.

BB, você continua a nos dever um post analítico sobre "América". Afinal, você é nossa Deborah Secco, guardadas as proporções de cintura, busto e quadris.

sábado, julho 02, 2005

Um Lugar no Mundo


Minha nova esquina em Santa Posted by Picasa

O primeiro dia de férias foi para resolver os últimos aspectos burocráticos da compra do meu apartamento. Assinei a escritura e paguei o imposto de transmissão, na semana que vem farei a atualização do registro do imóvel.

Hoje visitei o apartamento para avaliar extamente as obras que precisarei fazer. Instalarei grades em algumas das janelas, pintarei os quartos e a sala e provavelmente mudarei também os azulejos do banheiro. Calculo que precisarei de dois ou três meses de reformas para deixar o lugar ao meu gosto.

O apartamento de cima foi vendido há pouco e o novo proprietário precisou fazer obras que requereram pequenos trabalhos no meu imóvel. Deixei-o à vontade para mexer no que fosse necessário e ele agiu de modo rápido e eficiente. Muito gentil também: em agradecimento à boa vontade que demonstrei, seus operários deram bons retoques na cozinha e na área de serviço.

O ambiente da vizinhança parece muito bom, tranqüilo e agradável. Pedi a meu irmão para fazer algumas fotos, a que ilustra este post mostra a esquina de Santa Teresa que será, em breve, meu novo lugar no mundo. Há um certo ar medieval, além da torre da igreja também se avista o castelo Valentim. Bons ventos soprem por lá e me inspirem a escrever a tese de doutorado, preparar aulas e tocar a vida.
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons License. Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com