A Notícia faz História
A série "Memória Globo", da Editora Zahar, tem lançado livros sobre os programas que se destacaram na emissora, além de publicar a hagiografia de Roberto Marinho. "Jornal Nacional - a notícia faz história" é a versão oficial da trajetória do mais importante telejornal brasileiro. Tenho um amigo que trabalhou no projeto e sabia que havia sido feita uma boa pesquisa, com dezenas de entrevistas com profissionais que passaram pelo veículo. De fato, descontados excessos próprios das edições chapa-branca, "JN" é uma leitura interessantíssima para quem tem curiosidade pelo jornalismo no Brasil. O livro conta desde a criação do Jornal Nacional, em 1969, até o início do governo Lula. Prevalecem duas abordagens: o modo como o JN cobriu os principais fatos históricos do período e as transformações pelas quais o programa passou, tanto no aspecto tecnológico quanto pela técnica jornalística.
A primeira vertente rende melhor na cobertura dos grandes eventos políticos brasileiros: a redemocratização, as Diretas Já, a eleição de 1989. Como se sabe, a Globo teve um desempenho menos que louvável na defesa das liberdades democráticas e isso prejudica o livro, mas menos do que eu imaginava. A análise das fraudes na eleição de 1982 põe toda a culpa em Brizola, sem ouvir uma só vez o ex-governador, que ainda era vivo à epoca da pesquisa. Mas o exame de como a Globo cedeu aos militares nas Diretas e na bomba do Riocentro é muito bom, com direito a depoimentos emocionados de jornalistas que queriam dizer a verdade, e não puderam. O mesmo vale para a célebre edição do debate entre Collor e Lula, embora o livro defenda a tese de que a culpa foi do Alberico Cruz, sem interferência da família Marinho.
Em outros casos, sobretudo na cobertura de Olímpiadas e Copa do Mundo, a abordagem não vale muito, se limitando a um informe do tipo "foram enviados tantos repórteres, o Brasil levou tantas medalhas, etc". Os temas internacionais variam, com episódios excelentes como as aventuras de Bial na Europa Oriental e na URSS, em plena queda do comunismo. Deve ser difícil ter passado por isso e acordar um dia para descobrir que virou apresentador do Fantástico e do Big Brother.
A segunda vertente, o desenvolvimento de um modo próprio de fazer jornalismo, foi maravilhosa para mim, embora eu acredite que interessará menos a quem não pertence à segunda profissão mais antiga do mundo. Nessa parte, é mostrado o surgimento de um padrão coloquial de telejornalismo, como uma conversa com o espectador. O repórter, que nem aparecia inicialmente, ganha destaque com o uso de câmeras portáteis, mais leves e confiáveis. Os bastidores das matérias investigativas, em particular as do Roberto Cabrini, também são ótimos. Há ênfase em como as novas tecnologias possibilitam agilidade ao jornalismo, criando as redes de emissoras, transmitindo ao vivo por satélite.
E hoje? Sem dúvida, o JN continua a ser o mais importante do país, mas não o melhor - título que atribuo ao Jornal das Dez na Globonews, mais analítico e com o excelente âncora que é André Trigueiro. Talvez isso fosse inevitável, com a migração do público das classes A e B para a TV a cabo, e um excesso de features (aquelas matérias leves, de curiosidades) e de jornalismo de serviços no horário nobre. Claro que aqui e ali há ainda bons momentos e fiquei feliz de saber que a série sobre fome no Brasil, de Marcelo Canellas - talvez a melhor a que assisti na televisão - foi das mais premiadas na história do jornal.
Terminado o livro, reforço minha opinião de que o Brasil tem um jornalismo bastante avançado em muitos pontos, com uma grande quantidade de profissionais competentes e momentos de genialidade critativa. Numa época em que o jornalismo dos EUA, que já foi o paradigma de qualidade, se tornou quase uma paródia do militarismo (vide Fox News), não é pouca coisa.
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