segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Deborah e o ProUni

Deborah, além de ser uma música psicodélica de Jon e Vangelis que começa com "I read your letter..." é também uma aluna de classe média baixa do colégio Pedro II - Engenho Novo. O pai é funcionário público sem reajuste há dez anos, a mãe, dona de casa, acho. Renda familiar, cerca de R$ 300,00 per capita.

Já o PROUNI é uma iniciativa pioneira do governo Lula para colocar na universidade jovens de baixa renda aproveitando as vagas ociosas nas faculdades particulares (todas têm. Até as federais têm). As contrapartidas para as particulares envolvem uma miríade de numeros absurdamente complicados para compreensão. Isenção de impostos, liberação de documentos que empresas endividadas não tem direito, etc.. As filantropicas ou comunitárias (como a PUC) não têm escolha. Têm que participar. Para cada 10 alunos pagantes a universidade tem que abrir uma vaga para o PROUNI. De cada dez vagas, na média, seis são para 50% de bolsa (para quem tem renda familiar per capita de até 700R$) e quatro para 100% (para quem tem renda familiar até 350 reais per capita). Para se candidatar precisa ainda ter acertado pelo menos 45% do ENEM (exame nacional do ensino médio). Se você é negro, indio ou descendente dos primeiros fenícios que subiram a pedra da Gávea, você tem direito a cotas no PROUNI, mas é mais facil passar em primeiro lugar para medicina na UFRJ que entender como essas cotas funcionam.

Criticas (direto da boca do Padre Hortal, reitor da PUC): Estas universidades já tem uma política de bolsas, que terão que ser abandonadas devido ao Prouni. Haverá uma centralização completa da política de bolsas que fere a autonomia universitária. Trata de modo igual todas as particulares, filantrópicas ou comunitárias e acredita que pode solucionar o problema da educação superior sem investimentos na publicas, que continuam sucateadas. Pior, a maior parte destes alunos carentes não terão condições reais de fazer o curso pois não conseguirão pagar sequer as cópias de um curso de humanas (+ barato que engenharia ou medicina, cujos livros são caríssimos). No Curso de RI estimo que os alunos tirem 100 a 150 páginas de xérox por semana. A preço PUC, por mês ele gasta cerca de R$ 70,00. Mais passagem, mais almoço, impossível numa família de renda percapita de ATÉ 350,00.

Além disso, um aluno matriculado apenas em TCC (trabalho de conclusão de curso) no ultimo periodo de, digamos, Engenharia de Telecomunicações, paga a essa universidade cerca de R$ 120,00 pelos créditos que cursa, mas para os efeitos de vagas no PROUNI conta como 1 inscrito. Dez alunos de TCC rendem a Universidade R$ 1200,00, mas a faculdade tem que abrir uma vaga no primeiro periodo para um aluno do PROUNI que, se pagante, pagaria 1200 reais para a Universidade, pois cursará muito mais créditos. Alega-se que este critério não é justo. E que se não for revisto, no futuro haverá turmas inteiras só de PROUNI nas faculdades, que certamente falirão. Muitas já estão quase falindo devido a inadimplência.

Some-se a isso a desorganização do MEC em enviar os documentos, cadastrar os alunos, divulgar prazos (foram quase dez portarias que mudavam constantemente as regras, os prazos, as ordens) que deixava boa parte da responsabilidade de verificar a veracidade das informações dos alunos na mão da Universidade. Como podem os burocratas das universidades descobrir, por seus próprios meios, a veracidade de declarações como "minha mãe não trabalha, é dona de casa"; "nunca conheci meu pai, ele nunca dá dinheiro", ou mesmo "minha avó é doente e mora comigo." ??

Em suma, tudo isso, me levava a ver o PROUni como uma ferramenta clientelista, de curta duração e sucesso escasso. Mas Deborah me fez mudar de idéia.

Deborah nunca foi minha aluna. Descobri que ela era uma das melhores alunas do colégio por acaso. O professor de Geografia me pediu, durante as férias de Julho para auxiliar um grupo de alunos do colégio na formação de posição da delegação sueca e da coréia do Norte. Isso mesmo! Deborah liderava um grupo de secundaristas na tarefa nada simples de simular uma assembléia da OMC (e ONU) sobre temas cabeludos de politica internacional. A simulação, por coincidência era o MIRIN (modelo intercolegial de de Relações Internacionais) organizado pelos meus então futuros alunos de RI da PUC. Eu gastei uma parte das minhas férias orientando Deborah e seus cumplices sobre os meandros da OMC, subsídios, grupo de Cairns, Rodada Uruguai e PAC, e ela ia aos poucos se apaixonando por Relações Internacionais.

Na simulação seguinte (o grupo da Deborah se viciou em Simulações e eles passaram a frequentar todas) na Estácio de Sá, Deborah foi premiada como melhor delegada de seu comitê. Escreveu as pressas uma redação para o concurso Jovens Embaixadores da Embaixada americana e foi a única selecionada do Estado do RJ, para passar duas semanas em Washington as custas de Bush. Lá foi recebida pelo Colin Powell, inaugurando um curriculum internacional que já é mais interessante que o meu. Mas mesmo assim, teve que fazer vestibular para DIREITO!!! Não existe faculdade de RI nas Públicas e a família da Deborah, nem em sonho podia arcar com mensalidades de 4 dígitos cobradas pela PUC ou mesmo pela Estácio. O sonho acabou.

Mas, parece que graças ao Tarso Genro, quem diria, Deborah será finalmente minha aluna. Segue o e-mail que ela me mandou:

Oi professor!

Agora é oficial: Pode me chamar de ALUNA! A PUC me ligou pra avisar que eu tenho que ir lá amanhã pra fazer a matrícula. Vou cursar RI com bolsa de 100% na faculdade que eu sempre quis! Tentei te avisar assim que soube mas o ORKUT está sempre dando problema. Obrigada pela torcida. Saber que meus amigos estavam esperando uma resposta positiva me animou bastante.

Da sua mais nova aluna,
Deborah

Lembram da historinha do menino com as estrelas do mar encalhadas na praia??? É isso!

9 Comentarios:

Blogger Sérgio Lima said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Belo texto. Só quem vive a experincia real, pode então entender o impacto de políticas de inclusão. Que como você bem lembrou, precisam ser melhoradas e melhor gerenciadas. Mas sobretudo, devem ser implementadas.

Belo blog.

fevereiro 07, 2005 7:38 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

JD,

belíssimo post. Vivas à nova aluna de RI.

Ainda assim, o Pró-Uni é uma política equivocada. Na prática, o Estado admite que não tem capacidade de investir em educação pública universitária e cria vagas que em geral são de segunda categoria (Estácio, UniverCidade, etc) para alunos que não chegam às federais ou estaduais.

Acho muito legal sua aluna ter chegado à PUC, mas continuo a esperar pela criação dos cursos de RI nas públicas. A USP e a UnB já tem e me parece que a UFF irá pelo mesmo caminho.

fevereiro 08, 2005 12:32 PM  
Blogger Leandro Bulkool said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

JD,

Sou um completo descrente de qualquer sistema de vagas. Não acredito na Pro-Uni, talvez fosse acreditar se esse sistema fosse implementado em colégios como Santo Inácio, São Agostinho, Sagrado Coração de Maria, São Paulo e outros.

A vaga no primeiro grau tem muito mais impacto, pena que tem menos visibilidade política.

Mas é MUITO bom saber que dentro de um erro alguns poucos são afortunados. Parabéns a Deborah e sei que você terá muito orgulho de dar aula pra ela.

Um grande abraço.

fevereiro 11, 2005 1:30 AM  
Blogger Manoela said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

João,

Também não acho que o Prouni seja solução, até por dar margens a diversas falcatruas - uma delas eu ouvi dentro da sala de aula do pré-vestibular e me deixou completamente irritada. Sou a favor de políticas afirmativas, mas, infelizmente, elas ainda não são seguras.
Mesmo assim, fico feliz por ver que o projeto realmente está levando à faculdade pessoas que merecem estar lá.

Não o conheço, apesar de eu ter sido aluna do pH e de você ter sido professor (muito bem falado, por sinal) de diversos amigos meus. Devo dizer, entretanto, que essa dívida está para ser sanada. Serei sua aluna na PUC, iniciando neste semestre. E, provavelmente, colega da Deborah - já estou com vontade de conhecê-la.

Um grande abraço.

fevereiro 11, 2005 8:58 PM  
Blogger JD said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Leandro,

Concordo totalmente contigo sobre as vagas em colégios bons no ensino fundamental e médio. O impacto na vida das crianças seria muito maior, mas os dividendos políticos, menores, afora a polêmica com a classe média que não gosta de pobres perto de seus pimpolhos. De qualquer modo não acho que o PROUNI é inutil. Acho como o Sérgio que ele pode e deve ser aperfeiçoado, para evitar as falcatruas mencionadas pela Manoela e que eu desconfiava que existiam. É claro que o prioritário mesmo é o investimento na educação pública de ensino superior que o Mauricio reclama.

Manoela,

Já imaginava este tipo de pilantragem. As faculdades particulares não tem como conferir se o aluno é realmente tudo aquilo que declarou ser. Se é pobre ou se fez cursinho no pH. Mas esse foi o primeiro ano de PROUNI. Falhas podem ser corrigidas, e não se pode jogar fora o bebê com a água do banho.

Será um prazer encontrá-la na PUC em março e saldar minha 'divida'. Tenho certeza que vais gostar muito da Deborah.

fevereiro 13, 2005 1:31 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Oi professor,
Desse jeito vc me deixa encabulada! Obrigada pelos elogios. Não sei se faço jus a todos eles mas fiquei emocionada com o seu post. Como beneficiária direta do PROUNI fico numa posição extremamente parcial: afinal, como pode ser ruim algo que me ajudou a alcançar um sonho?! No entanto não estou inconsciente das falhas do programa. Sei que essa é a primeira vez que ele está sendo implementado e acredito que, a partir da sua avaliação, os erros poderão ser sanados.
São tantas as mensagens de apoio, parabéns e boas-vindas que eu só posso prometer fazer o meu melhor para corresponder às expectativas.
A gente se vê no dia 28.

fevereiro 24, 2005 12:06 AM  
Blogger Fátima Rufino said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

março 02, 2005 1:00 AM  
Blogger Fátima Rufino said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Bem, como parte da família da Deborah, me sinto também extremamente beneficiada pelo PROUNI. E como alguém que não teve a oportunidade que ela está tendo, também me pergunto: como achar ruim algo que nos concede a oportunidade de realizar um sonho até então impossível?!?
Realmente não se pode deixar de ver que o caminho para o sucesso de nossos jovens NÃO COMEÇA na faculdade e sim no Ensino Fundamental, com todas as suas demandas como boa alimentação, moradia decente, acesso aos livros etc. Mas é inegável que, em meio a tantas falhas que podemos encontrar no Programa, ele tem sido a porta que tantos jovens brasileiros carentes de oportunidades e cheios de talento tanto almejavam encontrar.
Que eles aproveitem bem esta chance, e que outros se encham de esperança e insistam em buscar o "seu mundo melhor".
À Deborah meus parabéns e o desejo de muito sucesso!
A todos um grande e agradecido abraço.

março 02, 2005 1:23 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

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