segunda-feira, outubro 25, 2004

Herzog

O Bruno me pediu para comentar o incidente envolvendo as fotos de Vladmir Herzog. Para quem não acompanhou, há uma semana o jornal Correio Braziliense divulgou fotos, tiradas por um ex-cabo do Exército, que mostrariam imagens do jornalista na prisão, pouco antes de ser assasinado pelos militares em meados dos anos 70. Como se sabe, a morte teve uma grande repercussão na sociedade e foi um dos marcos do fim das torturas e do processo de redemocratização. Imagens desconhecidas de um personagem importante: boa notícia, eu a teria publicado sem hesitar.

A polêmica começou quando o Exército reagiu com uma nota inacreditável, chamando a publicação das fotos de "revanchismo" e dizendo que as Forças Armadas tinham salvado o país do comunismo, numa retórica digna dos piores momentos da guerra suja da ditadura. Naturalmente, houve um mar de reclamações vindas de políticos, ONGs e jornalistas condenando a atitude dos militares, algumas exigindo que o presidente demitisse o ministro da Defesa e o comandante do Exército.

Lula adotou uma atitude conciliadora, falou com as duas autoridades, e no dia seguinte o Exército divulgou uma nova nota em termos bem diversos, dizendo que a democracia é uma boa coisa e tudo o mais. E a Abin iniciou uma clássica campanha de desinformação, afirmando que as fotos não de Herzog, mas de um padre. Os dados teriam sido extraídos dos arquivos da agência sobre a ditadura - que o ministro da Defesa disse, na mesma semana, que não existiam, teriam sido destruídos.

No IBASE, atribuímos a nota a um grupelho extremista nas Forças Armadas, que estaria jogando um balão de ensaio para checar a reação da sociedade. Conversei com um colega de doutorado que pesquisa as políticas de segurança nacional brasileira, e escreveu uma tese detalhada sobre o governo Geisel, e ele me deu opinião diferente: haveria disseminado entre os militares um sentimento de cansaço diante das denúncias contra a ditadura, bem como insatisfação salarial.

O incidente reforça os piores esteriótipos sobre o Exército e o serviço de informações como instituições paradas no tempo e incapazes de perceber que o país mudou. Revela também uma incrível ingenuidade política: Herzog é um herói para os jornalistas brasileiros, qualquer coleguinha partiria em sua defesa - minha categoria profissional, entre outras particularidades, não gosta de ser presa, torturada e morta.

Toda essa confusão também chamou a atenção para a péssima política de direitos humanos adotada pelo PT, que consegue ser mais retrógada que a do Chile e está a anos-luz daquela implantada na Argentina. Sequer estabelecemos comissões de verdade e justiça para apurar os crimes ocorridos no período e "sin memória, no hay justicia", como bem disse um recente filme argentino. Acredito inclusive que as fotos de Herzog apareceram por iniciativa do Pinaud, o secretário nacional de direitos humanos, que precisava de um incidente como esse para pressionar o governo a agir.


3 Comentarios:

Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caros,

ontem foi a vez do Clube da Aeronáutica soltar sua nota, desta vez se dizendo "decepcionado com o Exército" - a desilusão, infelizmente, é pelo Exército ter se desculpado e defendido a democracia. Eu gostaria que tivéssemos uma política de reparação ampla, nos moldes da Argentina, mas entendo que lá, devido à escala das atrocidades e ao desastre das Malvinas, as Forças Armadas saíram com o prestígio no ralo.

Quanto à atitude da Abin, é a manobra típica de desviar a atenção. Em vez de se discutir o teor da nota do Exército, o debate vira para a questão das fotos serem do Herzog ou do tal padre canadense. Podem ser de qualquer um, o que está em jogo é a posição das Forças Armadas diante da democracia.

outubro 26, 2004 2:10 PM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

A estória - e a história - estão muito mal contadas. E o que pensar da viúva, que reconheceu o Herzog? Como fica ela nisso tudo? Uma louca em busca de publicidade? e outra: O Brasil tem mesmo uma agência de... INTELIGÊNCIA?!?!?!

outubro 28, 2004 2:48 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Eu também fiquei intrigada com a atuação da viúva no caso. Num turbilhão emocional, ela pode ter se confundido, mas sinceramente, não acredito nisso. Na hora de reconhecer alguém tão próximo numa situação-limite, o sangue frio pode ser algo inacreditavelmente presente.

novembro 01, 2004 2:49 PM  

Postar um comentário

<< Home

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons License. Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com