segunda-feira, novembro 08, 2004

Boliche Sozinho

Sábado, início da noite, chuva fria caindo. Estava sozinho em casa quando a campainha tocou. Fui até a porta e era uma mulher de meia idade, com uma garotinha. Bem-vestida, branca, aparência de classe média. Ela diz que mora na rua do Riachuelo, ao lado da minha, e que acabara de perder uma filha. Precisava de ajuda para deslocar o corpo do bebê até o cemitério do Catumbi. Ela falava muito calmamente - talvez até demais. Não entendi ao certo o que pedia: dinheiro? Uma carona? Disse a ela que não compreendia, ela se irritou e foi embora. Continuei confuso. A Riachuelo é uma rua movimentada, com muito comércio. A minha é uma rua residencial, quase deserta à noite. Por que pedir ajuda nela?

Minhas desconfianças e hesitações ilustraram de maneira clara o tema do livro que li durante o fim de semana, "Bowling Alone - the collapse and revival of American community", de Robert Putnam. Ele é um dos cientistas políticos mais importante dos EUA e o livro provocou um grande debate no país ao tratar do modo como os cidadãos estão se tornando mais isolados, deixando de participar da vida comunitária e associativa, seja em associações de pais e professores, reuniões de vizinhança, sindicatos, ou mesmo clubes de boliche - daí o título poético, incomum em estudos acadêmicos.

Putnam ajudou a popularizar o conceito de "capital social", que procura analisar a interação e contatos entre pessoas. Ele está intimamente ligado à confiança. Você acredita em seus vizinhos? Está disposto a fazer pequenos favores por eles (e vice-versa?). A tese é de que onde o capital social é mais forte, tudo prospera: a democracia, a economia, a qualidade de vida. Nos locais em que ele é fraco, a sociedade degenera num estado de suspeita, onde as pessoas relutam em se importar com qualquer coisa além da esfera privada da família e dos amigos. Esperam que o Estado faça o serviço por elas.

Soa familiar? Não é para menos, nas pesquisas internacionais o Brasil aparece como um dos países com menor índice de confiança - nas pessoas e nas instituições. Que o diga a senhora que bateu em minha porta na noite de sábado e não recebeu ajuda.

1 Comentarios:

Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Pensa o ator: Cara, isso rende um roteiro de curta bem tragi-cômico... que surreal!

novembro 08, 2004 6:25 PM  

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