segunda-feira, agosto 29, 2005

Hotel Ruanda




Durante cem dias em 1994, um milhão de pessoas foram assassinadas em Ruanda, no mais rápido genocídio de um século repleto deles. A maioria dos mortos pertencia à etnia tutsi, minoritária no país. Como contar essa história ao público ocidental, que simplesmente não está muito interessado em um bando de negros e pobres morrendo em algum canto distante da África?

O cineasta Terry George conseguiu. Seu excelente filme "Hotel Ruanda" captura os espectadores através da saga real de um herói em meio à tragédia: Paul Rusesabagina, magnificamente interpretado pelo ator americano Don Cheadle (um dos favoritos do diretor Steven Sordenberg). Paul é o gerente de um hotel de luxo na capital ruandesa e um homem inteligente, cheio de jogo cintura para lidar com a corrupta elite do país.

Quando o genocídio começa, a preoucupação de Paul, que pertence à maioria hutu, é salvar sua esposa tutsi. Mas a velocidade dos acontecimentos o força a assumir responsabilidades e ele acaba protegendo mais de mil pessoas que buscam abrigo no hotel que administra. À medida que os massacres aumentam, Paul precisa usar suas conexões e inteligência para escapar da morte. Sem jamais disparar um tiro, ele é um oásis de humanismo numa terra enlouquecida.

O filme traça muito bem a evolução dos acontecimentos, mostrando como a diferença étnica tutsi/hutu foi em larga medida inventada pelos colonizadores belgas, que se basearam na divisão para governar o país. Narra com realismo a indiferença das potências ocidentais, que inclusive retiraram as tropas de paz da ONU e abandonaram Ruanda à própria sorte, influenciadas pelo fracasso dos EUA na Somália, apenas alguns meses antes. O único defeito da visão do filme é colocar a culpa do genocídio primordialmente na mílicia hutu, deixando de lado o papel essencial que o governo exerceu na tarefa.

Depois de Paul, o personagem de mais destaque na trama é o coronel Olivier (Nick Nolte) inspirado no general canadense Romeo Dallaire, que comandou as tropas da ONU em Ruanda. Dallaire era um militar apaixonado pelas tarefas da paz, um homem digno cuja missão foi impossibilitada pela indiferença do Conselho de Segurança. Dallaire quase enlouqueceu e teve problemas psicológicos sérios em virtude do que presenciou: "Minha alma está em Ruanda, e não sei se um dia ela voltará". Mas parece estar se recuperando: tornou-se senador no Canadá, escreveu um livro sobre o fracasso das Nações Unidas em Ruanda e será tema de um filme.

Dallaire tinha consciência da importância da imprensa para forçar os governos ocidentais a intervir e dizia que um repórter em campo valia mais do que um batalhão. No filme, a mídia é representada por dois jornalistas, um correspondente burocrático que reclama do ar-condicionado com defeito e um cinegrafista ousado vivido por Joaquin Phoenix - bom personagem que merecia aparecer mais na trama.

Enfim, recomendo "Hotel Ruanda" como o melhor filme ocidental sobre a África contemporânea, com uma perspectiva humanista e crítica às injustiças.

5 Comentarios:

Blogger Cazalberto said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Muito legal o texto, Maurício. Venho aqui frequentemente e gosto muito de sua prosa. Tenho o livro Clube do Bang Bang. Muito triste.
Já havia lido sobre esse filme. Porém, com a sua indicação, agora é hora de vê-lo de verdade. Um abraço. Apareça pra um café: http://www.cazalberto.blogspot.com/

agosto 29, 2005 4:57 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro Maurício, fui ver o filme no sábado e justamente ia te indicar: é muito bom! O tio do Leo, que foi embaixador nos Camarões e saca muito de África, explica que o tal "mille collines" do hotel é pq assim q o país é conhecido, como um dos mais belos da África. Eu não tinha idéia de nada! E obrigada por me esclarecer qto ao real "cel Oliver". Beijinhos, Monique

agosto 29, 2005 9:50 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Cazalberto.

Gostei muito do seu blog - compartilhamos o template e o gosto por literatura e cinema. Vou colocá-lo nos blogs conspiradores.

Oi, Monique.

É curiso que a rádio racista que aparece no filme, e existiu realmente, também se chamava "Mille Colines", pelas razões que o tio do seu marido indicou. Mas omitiram o nome no filme, acho que para não confundir os espectadores e misturar vilões e heróis.

Como estão as coisas na revista? Vi que a nova edição saiu com uma grande tarja avisando que é, de fato, a publicação da Biblioteca Nacional.

Abraços

agosto 30, 2005 12:11 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Júlio,

sabia sim! O Hotel Ruanda foi indicado para ator, atriz e roteiro original, mas não levou nada.

O prêmio de ator ficou mesmo para o Fox.

A mostra parece que sai, sim. Estamos em boas negociações com o CEBRI, aguarde mais notícias!

Abraços

setembro 02, 2005 5:39 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Fala Maurício! Pois é, a revista número 2 saiu com uma tarja e a número 3 chega às bancas na semana q vem com novo projeto gráfico. Até q enfim! :0)
Eu queria mais informações sobre essa tal mostra de cinema em parceria com o Cebri, hein!
Super beijo e parabéns pelo blog, Monique

setembro 03, 2005 7:19 PM  

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