sexta-feira, agosto 19, 2005

A Perda do Consenso


Dado o debate para lá de interessante nos comentários ao post sobre Nabuco, decidi responder com um novo texto, principalmente a partir das questões levantadas pela Claudia e pelo BB sobre Nabuco e as dificuldades da atual política externa.

Antes de ser embaixador em Washington, Nabuco vivera nos EUA como secretário diplomático e seus diários da época acabam de ser editados: a Veja publicou trechos bem interessantes. O barão do Rio Branco acertou na mosca - como ele, Nabuco tinha sensibilidade para entender os Estados Unidos e perceber que a Velha Europa não era mais o centro do mundo, o que não era assim tão claro no início do século XX.

Conversando com acadêmicos, diplomatas e empresários, o que observo hoje em dia é uma forte desconfiança dos EUA, ou pelo menos a opinião de que as principais oportunidades políticas e comerciais para o Brasil estão no mundo em desenvolvimento, em particular na Índia e na China, embora às vezes se mencione também a África. A excelente pesquisa realizada pelo CEBRI com a comunidade de política externa brasileira também segue essa linha.

É uma agenda muito diferente daquela do barão do Rio Branco e de Nabuco. O que podemos aprender com eles é a necessidade de estar atentos às mudanças na política internacional (como a ascensão de novas potências) e a implementação de uma estratégia de política externa coerente com os objetivos e possibilidades concretas do Brasil. No caso deles, a delimitação das fronteiras e a promoção das exportações do café e da borracha.

Neste segundo ponto é que me parece que o governo Lula cometeu muitos erros - o embaixador Rubens Ricupero foi um dos se queixou em sua coluna da perda do consenso sobre a diplomacia, em função do Itamaraty buscar prestígio simbólico na esfera multilateral de um modo que exagera as possibilidades do Brasil ser uma liderança para o mundo em desenvolvimento. Em boa medida é uma maneira de tentar compensar as frustrações com a estagnação econômica, mas só existe boa diplomacia quando ela se faz de acordo com as bases reais do poder nacional.

Soube há pouco das novas denúncias de corrupção envolvendo Palocci. Será que a crise vai finalmente atingir a economia? Acompanharei os acontecimentos e depois escrevo a respeito.

4 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

"só existe boa diplomacia quando ela se faz de acordo com as bases reais do poder nacional."
Perfeito Maurício! acertou na mosca!
Desde àquela Cúpula Árabe-Sul Americana que percebe-se uma clara sobrevalorização do poder que o Brasil não possui na realidade! muito antes dessa cúpula o BB havia me alertado para isso.
Culpar a China agora não adianta.

agosto 19, 2005 11:46 PM  
Blogger Anjo Mecânico said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Qual a grande mudança geopolítica mundial agora em curso? É relevante o dolar estar se desvalorizando? O que o Euro pode representar?

agosto 20, 2005 3:55 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Helvécio,

ninguém lê Aron e Morgenthau impunemente. Se você tiver a Folha de S. Paulo deste domingo, leia a coluna de Ricupero, ele fala sobre Nabuco, comentando em detalhes os Diários.

Anjo,

eu precisaria do talento de Nabuco e de Rio Branco para lhe responder com precisão. Posso apenas arriscar.

Acho que o poder está se tornando mais difuso e o sistema internacional caminhando para o retorno à multipolaridade. O euro pode se tornar uma nova moeda de reserva, enfraquecendo ainda mais o dólar.

A China já é uma potência industrial e está reformulando as forças armadas. A Índia expande seu setor de serviços e se torna líder em informática e telecomunicações.

Euroa, Índia e China: oportunidades para o campo da ação diplomática do Brasil.

Abraços

agosto 21, 2005 11:12 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Cara Isabela, caro BB.

O ponto é bom mesmo. Até onde posso ver, a Europa dos próximos anos continuará marcada por divisões internas que impossibilitam uma política externa comum.

Contudo, mesmo com o baixo índice de crescimento econômico, a maioria da população desfruta da boa qualidade de vida, com liderança em setores de ponta da economia. O Estado de Bem Estar Social foi fragilizado, mas permanece lá.

Abraços

agosto 22, 2005 4:31 PM  

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