Deborah, além de ser uma música psicodélica de Jon e Vangelis que começa com "I read your letter..." é também uma aluna de classe média baixa do colégio Pedro II - Engenho Novo. O pai é funcionário público sem reajuste há dez anos, a mãe, dona de casa, acho. Renda familiar, cerca de R$ 300,00 per capita.
Já o
PROUNI é uma iniciativa pioneira do governo Lula para colocar na universidade jovens de baixa renda aproveitando as vagas ociosas nas faculdades particulares (todas têm. Até as federais têm). As contrapartidas para as particulares envolvem uma miríade de numeros absurdamente complicados para compreensão. Isenção de impostos, liberação de documentos que empresas endividadas não tem direito, etc.. As filantropicas ou comunitárias (como a PUC) não têm escolha. Têm que participar. Para cada 10 alunos pagantes a universidade tem que abrir uma vaga para o PROUNI. De cada dez vagas, na média, seis são para 50% de bolsa (para quem tem renda familiar per capita de até 700R$) e quatro para 100% (para quem tem renda familiar até 350 reais per capita). Para se candidatar precisa ainda ter acertado pelo menos 45% do ENEM (exame nacional do ensino médio). Se você é negro, indio ou descendente dos primeiros fenícios que subiram a pedra da Gávea, você tem direito a cotas no PROUNI, mas é mais facil passar em primeiro lugar para medicina na UFRJ que entender como essas cotas funcionam.
Criticas (direto da boca do Padre Hortal, reitor da PUC): Estas universidades já tem uma política de bolsas, que terão que ser abandonadas devido ao Prouni. Haverá uma centralização completa da política de bolsas que fere a autonomia universitária. Trata de modo igual todas as particulares, filantrópicas ou comunitárias e acredita que pode solucionar o problema da educação superior sem investimentos na publicas, que continuam sucateadas. Pior, a maior parte destes alunos carentes não terão condições reais de fazer o curso pois não conseguirão pagar sequer as cópias de um curso de humanas (+ barato que engenharia ou medicina, cujos livros são caríssimos). No Curso de RI estimo que os alunos tirem 100 a 150 páginas de xérox por semana. A preço PUC, por mês ele gasta cerca de R$ 70,00. Mais passagem, mais almoço, impossível numa família de renda percapita de ATÉ 350,00.
Além disso, um aluno matriculado apenas em TCC (trabalho de conclusão de curso) no ultimo periodo de, digamos, Engenharia de Telecomunicações, paga a essa universidade cerca de R$ 120,00 pelos créditos que cursa, mas para os efeitos de vagas no PROUNI conta como 1 inscrito. Dez alunos de TCC rendem a Universidade R$ 1200,00, mas a faculdade tem que abrir uma vaga no primeiro periodo para um aluno do PROUNI que, se pagante, pagaria 1200 reais para a Universidade, pois cursará muito mais créditos. Alega-se que este critério não é justo. E que se não for revisto, no futuro haverá turmas inteiras só de PROUNI nas faculdades, que certamente falirão. Muitas já estão quase falindo devido a inadimplência.
Some-se a isso a desorganização do MEC em enviar os documentos, cadastrar os alunos, divulgar prazos (foram quase dez portarias que mudavam constantemente as regras, os prazos, as ordens) que deixava boa parte da responsabilidade de verificar a veracidade das informações dos alunos na mão da Universidade. Como podem os burocratas das universidades descobrir, por seus próprios meios, a veracidade de declarações como "minha mãe não trabalha, é dona de casa"; "nunca conheci meu pai, ele nunca dá dinheiro", ou mesmo "minha avó é doente e mora comigo." ??
Em suma, tudo isso, me levava a ver o PROUni como uma ferramenta clientelista, de curta duração e sucesso escasso. Mas Deborah me fez mudar de idéia.
Deborah nunca foi minha aluna. Descobri que ela era uma das melhores alunas do colégio por acaso. O professor de Geografia me pediu, durante as férias de Julho para auxiliar um grupo de alunos do colégio na formação de posição da delegação sueca e da coréia do Norte. Isso mesmo! Deborah liderava um grupo de secundaristas na tarefa nada simples de simular uma assembléia da OMC (e ONU) sobre temas cabeludos de politica internacional. A simulação, por coincidência era o MIRIN (modelo intercolegial de de Relações Internacionais) organizado pelos meus então futuros alunos de RI da PUC. Eu gastei uma parte das minhas férias orientando Deborah e seus cumplices sobre os meandros da OMC, subsídios, grupo de Cairns, Rodada Uruguai e PAC, e ela ia aos poucos se apaixonando por Relações Internacionais.
Na simulação seguinte (o grupo da Deborah se viciou em Simulações e eles passaram a frequentar todas) na Estácio de Sá, Deborah foi premiada como melhor delegada de seu comitê. Escreveu as pressas uma redação para o concurso
Jovens Embaixadores da Embaixada americana e foi a única selecionada do Estado do RJ, para passar duas semanas em Washington as custas de Bush. Lá foi
recebida pelo Colin Powell, inaugurando um curriculum internacional que já é mais interessante que o meu. Mas mesmo assim, teve que fazer vestibular para DIREITO!!! Não existe faculdade de RI nas Públicas e a família da Deborah, nem em sonho podia arcar com mensalidades de 4 dígitos cobradas pela PUC ou mesmo pela Estácio. O sonho acabou.
Mas, parece que graças ao Tarso Genro, quem diria, Deborah será finalmente minha aluna. Segue o e-mail que ela me mandou:
Oi professor!
Agora é oficial: Pode me chamar de ALUNA! A PUC me ligou pra avisar que eu tenho que ir lá amanhã pra fazer a matrícula. Vou cursar RI com bolsa de 100% na faculdade que eu sempre quis! Tentei te avisar assim que soube mas o ORKUT está sempre dando problema. Obrigada pela torcida. Saber que meus amigos estavam esperando uma resposta positiva me animou bastante.
Da sua mais nova aluna,
Deborah
Lembram da historinha do menino com as estrelas do mar encalhadas na praia??? É isso!