sábado, janeiro 29, 2005

Dom Quixote em Porto Alegre

Há pouco assisti a um debate sobre Dom Quixote, no qual falaram Saramago, Eduardo Galeano e outras personalidades. O fidalgo de la Mancha completa 400 anos e é uma espécie de padroeiro espiritual das discussões aqui em Porto Alegre. São mais de 2 mil eventos, que discutem desde temas como "subindo em árvores para defendê-las" até "Serviços financeiros na OMC", passando por praticamente todo assunto que vocês possam imaginar.

Vira e mexe amigos ou alunos me perguntam se as propostas apresentadas pelas organizações da sociedade civil são viáveis. Algumas são, outras não. Há também aquelas que parecem absurdas à primeira vista - todo progresso social começa como um tipo de delírio até se concretizar.

Vi uma penca de excelentes eventos: uma palestra com Gilberto Gil e artistas africanos sobre a relação entre arte e política; uma discussão entre pessoas de todos os continentes sobre reforma da ONU e uma exposição emocionante da campanha Diálogos contra o Racismo do IBASE, na qual vários dos presentes choraram.

É claro que em meio a tantos eventos, há vários que me fazem pensar que uma política mais rigorosa de internação psiquiátrica faria maravilhas pelos movimentos sociais. Para centenas (quiçá milhares) de pessoas por aqui, o Muro de Berlim não caiu e a URSS tinha o melhor time, mas foi mal treinada e roubada pelo juiz. Também existe muito voluntarismo - achar que basta discursar de modo raivoso e agressivo para que o mundo comece a mudar. E às vezes um radicalismo preguiçoso de ser "contra tudo que está aí". A vida é mais complicada do que isso.

Outras são idéias simples que funcionam muito bem. Há uma ótima feira no FSM só com produtos feitos em cooperativas de economia solidária ou agricultura familiar. Pode se comprar de tudo nelas: alimentos, bebidas, roupas. Virei freguês dos sucos, maravilhosos e baratinhos (R$1). Está muuuuito quente em Porto Alegre, deve estar perto de 40oC. Líquido o dia inteiro, meus caros, senão ninguém aguenta.

Se a qualidade política das atividades varia, uma coisa se mantém constante: o fantástico nível de alegria, bom humor, jovialiadade e fraternidade que rola por aqui. Todo dia conheço pelo menos uma meia dúzia de pessoas legais, de cabeça aberta, com vontade de conversar e trocar idéias. Caminhar à beira do rio Guaíba (amigos geógrafos me fizeram a gentileza de esclarecer que ele não é lago, apesar do nome oficial dizer o contrário) me lembra que a vida pode ser muito mais bela, diversa e livre do que a rotina do escritório pode fazer pensar.


sexta-feira, janeiro 28, 2005

A Linha de Frente da TV Inteligente

O unico canal de televisao aberta nos EUA que presta chama-se Public Broadcasting Service (PBS). A PBS eh um canal que funciona atraves de dinheiro publico e de doacoes dos telespectadores -- sendo que estes perfazem a maior parte do orcamento da televisao. A PBS tem uma tradicao enorme e produz desde talk shows a programas infantis; a grande diferenca com os canais tradicionais eh a qualidade excepcional da programacao e a completa falta de apelacao ou de diminuicao ao menor denominador comum.

Seu grande forte, no entanto, eh a producao de documentarios. O "Frontline", programa jornalistico pioneiro, foi copiado pelo mundo afora e continua sendo referencia para programas como "60 Minutes", "Dateline", e ateh mesmo, o "Globo Reporter" de antigamente (sem as reportagens sobre os bichinhos do Pantanal ou de Abrolhos, que parecem se repetir toda semana). Seus reporteres sao objetivos, a narracao eh de primeira e os temas sao sempre interessantes. Alguns episodios do programa tornaram-se classicos -- sao citados em trabalhos serios como referencia e sao repetidos de vez em quando pelo canal.

Ha pouco tempo, a PBS resolveu colocar gratuitamente na internet os melhores programas do "Frontline". Nao preciso dizer que eh parada obrigatoria. Vale muito a pena conferir. Sem duvida alguma, isto eh o que existe de melhor na televisao daqui.

A Avenida das Utopias

O Fórum Social Mundial começou dia 26 com uma marcha enorme, que reuniu algo em torno de 200 mil pessoas. Saímos do centro de Porto Alegre e seguimos pela Avenida Borges de Medeiros, uma das principais da cidade, até a beira do Lago Guaíba (ou rio, ninguém sabe o que esse montão de água é!), onde estão localizados os eventos do FSM.

Foi uma verdadeira avenida das utopias, que me lembrou o poema de Drummond sobre um homem que passa por uma rua onde vê e saúda velhos amigos. Cada quarteirão era um sonho ou ideal político diferente. Passei a maior parte da marcha no grupo do IBASE, que incluía vários líderes de favelas do Rio, que vieram para cá graças a um fundo de solidariedade. Alguns passos para frente, e eis-me no meio de uns coreanos alucinados, que gritavam slogans pró-Palestina e faziam uma elaborada coreografia com uma bandeira.

Parei para descansar por poucos minutos e lá estou no meio de amigas feministas, que me falam de suas atividades e querem saber o que o IBASE está organizando. Logo vejo minha amiga estoniana, que me avisa de uma palestra de Eric Hobsbawm. Nosso papo é interrompido pela chegada de um ex-colega de faculdade, que está com o grupo que reúne assinaturas para garantir a criação do P-SOL, partido da senadora Heloísa Helena.

Outras amigas me levam para um passeio pelo acampamento da juventude, onde os anos 60 não acabaram (não sabia que ainda existiam tantos hippies no mundo, pensei que fosse só em Santa Teresa). Cartazes me contam sobre movimentos musicais e religiosos que apontam para outros mundos.

A avenida das utopias termina junto ao Guaíba, onde almoçamos ao som do ministro Gilberto Gil, que passava o som no anfiteatro do por-do-sol. Mano Chao tocou mais tarde, a programação cultural por aqui está excelente.

Giramos um tanto pela área do FSM e fomos jantar num shopping das proximidades. Sugestão minha, recebida com protestos – mas todo mundo ficou feliz quando viu banheiros limpos e restaurantes sem fila. E quando encontrei nos corredores minha amiga do Movimento Piquetero (parecia um grupo de smurfs, com uns coletes azuis) o pessoal relaxou. Se até as organizações populares argentinas vão ao shopping, tudo é permitido.

Ontem assisti a algumas oficinas e conheci muita gente legal. Fica para o próximo post: largo este cyber café (só com software livre!) para ir para um debate sobre integração na América Latina.A utopia é como o tempo de Cazuza: não pára.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

A liturgia impossível do sacerdócio

1. Toda aula deve ser alegre.

2. A motivação é fundamental. Sem motivação não se vai nem até a esquina. Motive seus alunos a cada minuto.

3. Seja exibido. Mas não deixe ninguém perceber (muito). Se você não gosta de aparecer, desista da profissão. Se você gosta de aparecer MUITO, será um bom professor, mas apenas se lembrar que tem alunos.

4. Adore a sala de aula. Cure-se pelo giz, liberte-se pelo quadro. Realize-se nos alunos. Fique doente e deprimido nas férias.

5. O aluno é a coisa mais importante da sala de aula. Mais que o quadro, a matéria, o professor, mais até que a sala. Não pode ser considerado uma massa amorfa. O conhecimento do professor é inutil se o aluno não aprende. Sua linguagem, postura, forma, tudo deve se adequar aquilo que melhor servirá ao aprendizado do ALUNO.

6. Conheça seus alunos. Cada aluno é um individuo maravilhosamente diferente dos demais que cabe a você conquistar e cativar. Saiba seus nomes e sobrenomes, suas vidas. Saiba tudo sobre eles. Use isso contra (a favor) deles. Personalize a aula. Interaja. Faça perguntas direcionadas, e repita o nome dos alunos em sala. Faça-os sentir importantes.

7. Deve haver cumplicidade e empatia. Coloque-se constantemente no lugar dos alunos. E, assim, aprenda o melhor modo de aprender (e ensinar). Crie vínculos fortes. Os alunos devem acreditar que se não aprenderem estarão ofendendo pessoalmente ao professor. Devem temer a decepção do professor com eles mais que a própria morte.

8. Abandone toda a arrogância aquele que cruzar o espaço da sala de aula. Vaidade e Soberba andam juntas. O bom professor só precisa do primeiro pecado. A arrogância é o melhor modo de dar aula para si mesmo e perder o respeito de seus alunos. Ame as perguntas, mesmo as mais abusadas, como a grande oportunidade de duvidar de si mesmo. De se questionar. Em suma, de aprender. Mesmo as perguntas mais absurdas carregam em si o dom maravilhoso da alegria, ao nos fazer rir. Agradeça-as. A arrogância é a irmã xipofaga da insegurança.

9a. Seja seguro! O professor deve ser mais que um ator. Deve sentir, assumir e gozar seu glorioso papel. Não precisa ficar se justificando em sala. Ele tem o dom da palavra. “Ptah”, o Deus egípcio da criação. O que ele fala, naquele momento, é lei. Assuma este papel divino e siga em frente com alegria, dominando a audiência.

9b. Seja inseguro! Nenhuma aula é boa. “Os alunos detestaram.” “Devia ter falado mais disso.” “Esqueci aquilo.” “Seria melhor ter organizado de outro modo.” O manto celestial lhe abandona impiedosamente segundos após o fim da aula. Vire a noite remoendo a aula mal dada (todas são). Chore de ódio na escuridão do lençol por ter falhado com seus alunos. Prepare novamente. pesquise. aprenda. Cada aula pode sempre ser melhor.

10. Ame seus alunos. Respeite-os, aprenda com eles. Se nada mais lhe satisfizer, case com a melhor aluna (e siga aprendendo).

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Pratica ou Talento?

Uma das grandes dualidades presentes no Universo (como Yin/Yang, Nescau/Toddy, Fla/Flu, etc.) eh a da "pratica vs. talento". Existe o velho ditado de que a "pratica faz a perfeicao" mas tenho certeza de que, mesmo que eu praticasse fisica nuclear durante milenios, nunca chegaria a nada.

Isso existe para tudo: algumas pessoas realmente jah nascem com algum talento. Nao preciso lembrar dos casos de Mozart, por exemplo, que aos cinco anos jah compunha obras sinfonicas inteiras. Mas eh claro tambem que nao existe perfeicao absoluta sem pratica: a teoria soh te leva ateh certo ponto; depois disso, nada pode te preparar melhor do que botar a mao na massa.

Pensei em todas estas questoes esta semana ao sair do primeiro workshop sobre tecnicas de ensino. O que leva alguem a ser um "excelente" professor? A pratica ou o talento? Carisma eh indispensavel para um bom professor: se o cara te faz dormir, mesmo que ele seja "bom" e saiba bem do que estah falando, a aula perde o sentido e o conhecimento "evapora". Entratanto, quem diz que entrou em sala de aula pela primeira vez e deu um show estah no minimo exagerando e no maximo mentindo descaradamente.

Apesar do professor que conduziu o workshop ter afirmado repetidas vezes que a pratica era a que mais importava, nao pude deixar de perceber a ironia: o cara era um pessimo professor! Todas as coisas que ele dizia faziam um sentido enorme, mas nao consegui parar de bocejar. O cara era confuso, exagerava na entrega de papeis avulsos cheios daqueles organogramas que podem ser usados para descrever desde corporacoes ateh a circulacao de um shopping e dependia tanto do seu PowerPoint que, quando deu um pequeno problema durante a apresentacao (coisas do Windows...), o cara quase teve um ataque.

No final, fiquei ainda mais preocupado com a pergunta que nao quer calar: o que "faz" um bom professor?

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Do BBB para o CTI

Inédita: participante do Big Brother sofre um derrame cerebral na casa e sai de lá direto para o CTI. Dona Marielza era uma das estrelas do programa. Entrou pelo sorteio, o que significa que estava fora do padrão classe média prafrentex do show. Quarenta e muitos anos, negra, moradora de Duque de Caxias, dona de casa.

Tinha tudo para ganhar e ser a nova Cida? O público gosta de premiar os desamparados, o Big Brother é um dos mais bem-sucedidos programas de distribuição de renda do Brasil. Mas a massa também prefere os pobres à moda das novelas ou dos filmes dos Trapalhões: humildes, de bom coração e conformados com seu destino neste mundo. Além de herdar o Reino dos Céus, os mansos ganham bela vantagem no paredão.

Só que Marielza não era nada disso. Verdade que entrou tímida, cabisbaixa. Só que passados dois dias, mudou como se tivesse tomado a poção de Mr. Hyde. Seu ponto forte era colocar apelidos nos outros participantes. Termos como “jegue”, “stripper”, “rainha pornô”. Que ela não dizia pelas costas, mas usava de frente. Com essa delicadeza de divisão SS na frente russa, era questão de tempo até que seus colegas perdessem a paciência e a despachassem ao paredão.

Marielza teve o derrame ao se banhar no ofurô da casa. Se fosse uma piscina de plástico numa laje, nada disso teria acontecido. Agora é torcer por sua recuperação, olhando pelo lado positivo, o BBB também apresenta a vantagem extra de funcionar como plano de saúde. Se a galera das filas do SUS sabe disso, vem aí mais uma leva de candidatos. Pensando bem, se tiver assistência odontológica também considerarei a possibilidade.

O que causou o derrame em Marielza? Tensão? Atrofia do cérebro, devido à falta de uso provocada pela convivência com os pit-brothers? Envenanemento? Será que foram os ucranianos? Uma casa, vários suspeitos trancados... Isso é trama para Agatha Cristhie. Quanto a mim, aposto que o ofurô da casa foi comprado na mesma loja onde a Renata Sorrah adquiriu a escada assassina da novela das 20h.

No paredão de amanhã, teremos novamente Jean. Desta vez, o intelectual do programa enfrentará o padeiro boa-praça Marcos. A turma já entendeu quem são os rivais mais fortes. Infelizmente, terei que me afastar por alguns dias da cobertura do BBB, pois o dever me leva para Porto Alegre. Passarei uma semana no sul, participando do Fórum Social Mundial. Volto a este blog no dia 1 de fevereiro, acredito que com muitas histórias para contar. Só espero que o táxi não pegue fogo de novo.

domingo, janeiro 23, 2005

O sebo dos meus sonhos...

Hoje de manhã, bem cedo ainda, fui a um sebo que já conhecia, e já tinha ido muitas vezes, mas não lembrava. Fica numa galeria escura e apertada, como as lojinhas do Saara. O dono é um cara muito gente boa, que atochou seu parco espaço completamente com livros, deixando quase nenhum espaço para os clientes circularem. Como numa mina. Nenhuma consideração estética, nenhuma vitrine, nada para chamar atenção, a não ser os livros e revistas (as revistas em especial me fascinam, tem Reader's Digest dos anos 50, especial da Revista Cruzeiro sobre a Copa de 50). Volta e meia eu vou lá garimpar e sempre fico fascinado.

Neste sebo - não me lembro as outras vezes que lá estive, mas tenho certeza que foram várias - nunca encontrei nada que quisesse especificamente. Mas sempre tem dezenas de coisas que eu desejo. Não, não ficou claro! Sempre tem coisas que eu passo a desejar depois que vejo, mas que nunca tinha me dado conta antes que 'queria' tanto. Por exemplo, a coleção completa (ou quase) da revista formatinho do Batman, na época em que o Robin ainda era o Jason Todd (no numero 10, ele é um trombadinha roubando os pneus do Batmóvel). Eu emprestei essa coleção na aburrecência e nunca mais vi.

Mas o que eu comprei mesmo é mais incrível. O dono não acreditou quando eu preenchi o cheque, de R$ 570,00, sem pechinchar (ele não lembrava de mim, acho) para pagar a coleção completa da revista do Tio Patinhas, encadernada em 37 volumes, com a vagabunda capa dura azul e com letras douradas na lombada. Uma pechincha. O dono me disse que comprou de um professor do Colégio Metropolitano no Méier e se desculpou por não poder me ajudar a carregar, pois estava sozinho na loja. Fiquei algum tempo preocupado, olhando a coleção e me perguntando como levar aquilo para casa, sem ter a mais vaga idéia de que aquilo não era um problema at all.

Infelizmente acho que o cheque nunca será descontado, mas mesmo assim, poucas vezes acordei tão feliz. Acho que preciso de um José, como o do Velho testamento, que se candidate a explicar essas coisas para mim...

sábado, janeiro 22, 2005

Para os queridos leitores...

Tenho a impressao de que isso vai soar bastante ultrapassado, mas...

Tenho dois convites para contas do GMail (a conta de e-mail do Google com 1 giga de espaco gratis). Quem estiver interessado, por favor deixe seu nome e endereco eletronico nos comentarios. Quem chegar primeiro leva.

Grande abraco.

UPIDEITE: (27jan2005) Ainda estah valendo! Eh soh me mandar endereco eletronico e nome.

Tao Te Ching

Estando pelos lados da Universidade na hora do almoco, decidi que iria comer no predio central onde estah a livraria central. Como sempre faco, vou direto para a secao de promocoes, onde sempre se encontra algo acessivel a minha combalida conta bancaria.

Achei uma incrivel traducao do "Tao Te Ching" de Lao-Tzu, obra maxima do Taoismo, filosofia assaz popular na China, onde foi criada ha mais de 2600 anos. Nao eh um livro facil; tampouco eh um livro que se le do comeco ao fim. Funciona como uma especie de pequenos ensinamentos aleatorios, uma especie de auto-ajuda "avant la lettre". "Tao" se traduz como "o caminho", "o jeito", "o mecanismo". Como eu acho que os leitores desse blog e os proprios conspiradores que o escrevem podem sempre aproveitar um pouquinho de sabedoria milenar, decidi que vou espalhar alguns pedacos de sabedoria chinesa aos poucos. Pensem nisso como uma especie de "biscoitinho da sorte eletronico". Quem sabe a pessoa le aquilo exatamente no dia em que estah precisando? (Infelizmente, vai ter que ser em ingles -- sou um pessimo tradutor). Aproveitem a primeira delas.

Act by not acting,
accomplish by not straining,
understand by not knowing.
Regard the humble as exalted
and the exalted as humble.
Remedy injury with tranquil repair.

Meet the difficult while it is still easy;
cross the universe one step at a time.
Because the sage doesn't try anything too big,
he's able to accomplish big things.

Those who commit lightly seldom come through.
Those who think everything is easy
will find everything hard.
The sage understands that everything is difficult,
and thus in the end has no difficulties.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Preparando um sanduíche

Nesta semana conversei com meu orientador no doutorado sobre a temporada de estudos na Argentina e há boas novidades. O primeiro passo - e talvez o mais importante - foi resolvido. Já tenho uma orientadora em Buenos Aires. É uma cientista política que leciona na Universidad Torquato di Tella, na academia diplomática argentina e dirige a Fundação Centro de Estudos Brasileiros. Como o mundo das relações internacionais é uma conspiração, ela teve como assistente ninguém menos do que meu co-blogueiro BB.

- Prepare-se agora para enfrentar os colonos da CAPES - me avisou meu orientador.
- Por quê? Você acha que eles vão implicar com o fato de eu querer pesquisar sobre a Argentina em Buenos Aires?
- Claro, mas não te dirão dessa maneira. Os argumentos vão ser mais sofisticados. Por exemplo, "Na Di Tella não tem doutorado, por que você não pensa numa universidade na Europa ou nos EUA?".

Em todo caso, o IUPERJ firmou convênio com a Di Tella, criou um Observatório Político Sul-Americano e presta consultoria à Petrobras nessa área. O instituto tem necessidade de formar alunos especializados em América Latina o que ajuda nas discussões com a CAPES. Além disso, eu e meu orientador concordamos sobre a importância de analisar também a situação política em países como Bolívia, Chile e Ururguai, por conta de temas como as disputas em torno do gás natural e os conflitos sobre imigrantes ilegais.

Antes de tentar ensinar aos burocratas da pós-graduação as virtudes do trabalho de campo, preciso de um diploma oficial de espanhol como segunda língua. A prova é em maio e farei um preparatório no Instituto Cervantes, a partir do próximo mês. Vanderlei Luxemburgo pode achar que o castelhano tem uma notável semelhança com o português pronunciado incorretamente, mas receio que nesse aspecto a CAPES é menos tolerante do que o Real Madrid.

De resto, é aperfeiçoar o projeto de tese, que devo defender em março, e cursar a última matéria que falta para completar os créditos do doutorado. Se tudo correr conforme o planejamento, passarei o primeiro semestre de 2006 na Argentina.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Professores!

Quando eu era menino na escola, toda vez que o professor perdia o controle dos alunos e da aula, eu ficava com pena e ficava envergonhado por ele, se eh que isso eh possivel. Ficava triste porque jah naquela epoca eu via a figura do professor com reverencia, uma especie de guru, mestre zen na confusao que era o colegio. Posso inferir que a vocacao para seguir a tao famigerada carreira academica venha dahi, talvez.

O fato de nao ter que cumprir quaisquer creditos durante este semestre e ter que me concentrar no inicio da Tese (com letra maiuscula, esta personagem vai aparecer diversas vezes mais neste blog, com certeza) me liberou algum tempo para investir em novas empreitadas. Quando a Coordenacao da Pos-Graduacao da Universidade ofereceu uma serie de workshops para aprender tecnicas de docencia, lah estava eu. Primeiro da fila.

O Dom Quixote dentro de mim sempre tem dessas: "Ensino eh fundamental!", "Aprender a dar aulas eh bom!", "Os alunos merecem todo o seu apreco!" e coisas afins passam pela minha cabeca e embotam minha consciencia. Como tendo a respeita-la, sigo meus instintos. Comeca na proxima terca e dura seis semanas. No final, quem sabe, serei um professor melhor.

Numa nota paralela, encontrei-me com meu orientador hoje, primeira vez depois da volta. Contei-lhe brevemente algumas ideias para a Tese no que ele responde: "Gostei. Muito interessante. Vai dar tudo certo. Vamos conseguir um emprego para voce. Voce quer um emprego depois do doutorado, nao? As vezes temos que ser um pouco mercenarios, sabe?" Soltei um riso e sahi dali pensando que ser professor nao eh para amadores. Nem aluno.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

O Ciclo Barroco

Um mes antes de ir para o Brasil de ferias, tive o prazer de ler o livro "Cryptonomicon" de Neal Stephenson. Como disse antes, o livro ia para todos os lados, da Segunda Guerra Mundial aos tempos atuais. De acordo com entrevistas, Stephenson tinha dois objetivos principais ao contar sua historia: falar das origens do computador e do uso do dinheiro como meio circulante. O primeiro surge da necessidade durante a II Guerra de produzir codigos criptograficos estaveis e quebrar os do inimigo, calculando todas as possibilidades em tempo habil. Para o segundo, ele apresenta a passagem do ouro para o dolar depois da guerra e, subsequentemente, para os creditos interneticos nos tempos atuais.

Depois de escrever seu calhamaco de 1000 paginas, Stephenson nao ficou satisfeito. Tanto as origens do dinheiro moderno e do calculo matematico remontam, no minimo, ao periodo do iluminismo cientificista que comeca no seculo 17. Por que entao nao fazer algo que conte uma historia nesse periodo?

Ele fez. Chama-se "The Barroque Cycle" e, por enquanto, jah tem tres livros publicados. Estou tendo o prazer de ler durante as noites o primeiro deles, "Quicksilver". Os antepassados dos personagens de "Cryptonomicon" aparecem interagindo com figuras historicas como Benjamin Franklin, Isaac Newton e Leibniz. O primeiro livro trata da transicao do pensamento baseado na alquimia para o pensamento empiricista e cientifico. Perseguicoes religiosas nao faltam, assim como a ideia de que desenvolvendo os aparelhos certos, seria possivel fazer qualquer calculo em segundos e, finalmente, transformar ferro em ouro.

No fim, nao deixa de ser ironico: a ciencia como uma especie de alquimia, o dinheiro como uma especie de fe. E eh isso mesmo.

Jean: os intelectuais no paredão

Ontem Jean, o professor universitário de literatura, derrotou a rival Juliana no primeiro paredão do BB5. Jean se queixou de que foi para a berlinda por ser gay. Acho que isso influiu, mas o fator decisivo foi sua condição de intelectual - o pioneiro no Big Brother e nos reality shows, a menos que se considere Supla nessa categoria (em comparação a pensadores do quilate de Alexandre Frota ou do Cigano Igor, é uma avaliação justa).

Jean caiu no o paredão devido aos votos combinados do grupo dos pit-boys da casa. Como em toda a edição do programa há sempre uma meia dúzia que faz esse gênero, é natural que eles andem em bando. Observá-los é muito interessante e faz pensar naqueles documentários sobre vida selvagem do Discovery Channel, ou talvez na seqüência inicial de "2001 - uma odisséia no espaço", só que sem o lampejo de inteligência de inventar a tecnologia a partir de ossos. Enfim, é sabido que nós humanos compartilhamos 98% dos genes com os chimpanzés e a julgar pelo que vejo no BBB, nossos primos símios ficaram com a melhor parte dos 2% restantes.

Certamente pelo instinto de manada, os pit-boys entenderam que vigora a lei da selva: é preciso mandar para o paredão os rivais mais perigosos. E Jean se destacou. Liderou o grupo em diversas ocasiões, em especial nas operações com dinheiro (ser o único que sabe calcular porcentagens deve ter ajudado). Além de momentos antológicos, como o que comentou a redação de sua tese de mestrado ou conversou sobre a revolução cubana com Bial.

Sua rival no paredão foi uma adolescente do interior da Bahia, que faz o gênero "mamãe, veja como sou clubber" e parece uma versão desbotada da Katie Holmes em "Pieces of April". Para quem, como eu, passa pelo circuito Escola de Comunicação-Espaço Unibanco de Cinema-Centro Cultural Banco do Brasil, é tão banal que chega a doer. Para a massa dos espectadores do programa, imagino que seja exótica como um gótico de novela da Glória Perez.

Jean a venceu por uma porcentagem muito pequena dos votos, 0,5%. Acredito que ele foi para o paredão pela ameaça que seus dotes intelectuais representavam à manada dos pit-boys, mas que foi salvo pela campanha que os grupos gays promoveram a seu favor. O rapaz pareceu muito chocado e abalado com a experiência. Para ficar no meu campo da teoria política, ele acreditava no mundo de Rousseau ("O Big Brother nasce bom, é a sociedade que o corrompe") e agora descobriu que vive na selva de Hobbes ("Quando os recursos são escassos, o Big Brother se torna o lobo do próprio Big Brother"). E os recursos sempre são escassos. Sempre.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Queer Eye for the Macedonian Guy


"Mãe, não sei se invado a Índia ou compro mais cremes!" Posted by Hello

Uma amiga diplomata contou que durante uma aula no Instituto Rio Branco a professora perguntou qual tinha sido a importância do rei Luís XIV para a história. Um dos alunos prontamente respondeu: "Foi o primeiro metrossexual!". Se ele assistir a "Alexandre", de Oliver Stone, terá que retroceder dois milênios em seus cálculos. A maioria dos cenários e figurinos desse épico de três horas parece ter sido tirado de um episódio de Queer Eye for the Straight (e Macedonian) Guy. Também abusaram da computação gráfica. Os jardins suspensos da Babilônia mostrados no filme não ficariam mal num carro alegórico da Portela.

Lá pelas tantas, alguns diálogos do filme começaram a me soar estranhamente familiares. Vejam só: um cara louro (com uma tintura de cabelo ridícula, mas ainda assim louro) fala o tempo todo em conquistar o Oriente Médio, libertar os povos que vivem oprimidos por tiranos, estabelecer uma ordem internacional onde o comércio possa circular sem barreiras, conquistar corações e mentes dos súditos...

Lembrando dos papos com meu co-blogueiro BB sobre "Gladiador", "Alexandre" também é um filme sobre o novo papel dos EUA no mundo. Não é à toa que os americanos começaram a se identificar com os impérios antigos. Nos clássicos romanos dos anos 50 e 60 como "Ben Hur", "Quo Vadis" ou "Espártaco", os espectadores eram levados a torcer por aqueles que eram oprimidos por Roma - cristãos ou escravos. Agora, nos pedem para simpatizar com os conquistadores.

No filme de Stone, essa visão aparece num retrato de Alexandre como um cara legal, um conquistador benevolente que trata bem os povos que domina - os muitos massacres que perpretou na Grécia e na Ásia são apenas mencionados de passagem. Os orientais são mostrados como uma gente estranha, meio selvagens, meio crianças, depravados. Até o rei da Pérsia se parece com Bin Laden! E o império macedônio incorporou territórios do Iraque, Afeganistão e Irã. Só ficou de fora a Coréia do Norte.

Li nos jornais que há uma onda de interesse pela figura de Alexandre nos EUA. Além do filme de Stone se planejam duas outras versões, inclusive uma dirigida por Mel Gibson - suponho que sem cenas de homossexualismo e com o rei macedônio apanhando o tempo todo. Para quem gosta de história antiga, vale conferir o artigo de Daniel Mendelsohn na New York Review of Books, onde ele comenta o filme e fala dos trechos da vida de Alexandre que ficaram de fora, como o episódio do nó górdio e sua visita ao Oráculo de Siwah, no Egito. Estou com uma biografia do rei macedônio na minha mesa de cabeceira, mas ela é a sexta na fila.

Amanhã no blog: "Jean: os intelectuais no paredão".

domingo, janeiro 16, 2005

Blogando do Frio

Retorno totalmente as minhas funcoes de blogueiro na terra do Tio Sam a partir de hoje. Cheguei em meio a uma nevasca com frio abaixo de zero e rapidamente percebi que o trabalho tem que recomecar. Depois de passar no Rio as melhores ferias de fim de ano da minha vida, a volta a Montanha Fria, Carolina do Norte, teve gosto bastante azedo.

Aos amigos e pessoas queridas, retomo o meu proseado a distancia.

Aos leitores casuais deste blog, a segunda voz volta a ativa.

Ao Mauricio, obrigado por tudo no Brasil, meu caro. E retomemos a conversa internautica!

Machuca


Numa manifestação pró-Allende Posted by Hello

Quando estive no Chile, há dois meses, meu guia em Santiago foi um rapaz que estuda economia e sonha em ser cineasta. Perguntei a ele sobre o cinema local ele me falou da retomada da produção - são em torno de dez filmes por ano, marca expressiva para um país tão pequeno. Ele me recomendou assistir a "Machuca", o melhor da nova safra, coisa que não consegui fazer por conta da minha agenda apertada em Santiago. Felizmente, o filme chegou às telas do Rio.

O título se refere a Pedro Machuca, um menino que mora numa favela de Santiago e vai estudar num colégio de elite, dirigido por um padre estrangeiro, de idéias progressistas. É o último ano do governo de Salvador Allende e o país está dividido em extremos políticos, à beira de uma guerra civil e no meio de uma severa crise econômica, em que até os produtos básicos precisam ser comprados no mercado negro.

A história é contada mais do ponto de vista de Gonzalo, um garoto da alta classe média chilena que se torna amigo de Machuca, tentando superar as imensas barreiras sociais. Gonzala também se aproxima de Silvana, a espevitada vizinha de Machuca, cujo pai ganha a vida vendendo bandeiras dos partidos políticos do Chile, dos nacionalistas aos comunistas, e freqüentando todas as manifestações. Parece a protagonista da "Mãe Coragem" de Brecht, e de fato tem um destino semelhante àquela personagem... "Machuca" também tem referências ao ótimo "Adeus, meninos", de Louis Malle, que fala da França ocupada pelos nazistas. Até o passo de ganso dos militares chilenos lembra seus colegas alemães.

A queda de Allende é mais do que o pano de fundo político da trama, porque os destinos dos protagonistas são profundamente afetados pelos acontecimentos - os trechos que mostram o golpe de Pinochet são particularmente bem filmados e dramáticos. O desfecho da História é o que conhecemos: a repressão brutal e o fim da mobilização de massas (maior do que qualquer coisa que houve no Brasil) e do sonho de se criar um país diferente.

O próprio comportamento de alguns dos personagens ilustra muito bem os dilemas da classe média chilena, dividida entre o desejo de mudanças e a vontade de manter suas distinções e pequenos privilégios. Para não mencionar o medo às pessoas mais pobres e de pele mais escura. Há uma ótima seqüência que mostra uma reunião de pais, alunos e professores em que todas essas questões vêm à tona.

Seria diferente no Brasil? Só no sentido de que por aqui a classe média consegue ser ainda mais retrógrada e apática que sua contraparte chilena. A elite brasileira nunca precisou de um Pinochet porque os valores autoritários já estavam (e ainda estão, em larga medida) internalizados em nossa cultura política.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Sai que é suuua, Giuliano

A idéia é genial em sua simplicidade. Colocar um jogador de futebol no BBB. Não de um time grande, evidentemente, mas um daqueles operários anônimos que batalham em equipes da segunda ou terceira divisão. Ainda melhor se for no interior. E eis que o goleiro Giuliano, do Tubarão de Santa Catarina, é selecionado para o programa.

Poderia ser uma grande frustração se o sujeito fizesse a linha "viemos aqui para somar, e não para dividir, o time está bem preparado", etc. Mas arqueiro do Tubarão pertence a uma estirpe mais rara: o goleiro canastrão, romântico meloso. O padroeiro da espécie é, claro, Julio Iglesias, que depois do Real Madrid foi ganhar alguns milhões gravando discos que fazem Wando parecer um artista contido e introvertido.

O romantismo canastrão de Giuliano vem com mais nuances que as baladas de Iglesias. Tem toques psicanalíticos ("Você é a pessoa com quem mais me identifiquei nessa casa") ou de uma candura que beira o cinismo cru de cais de porto ("O que você acha que precisa dar para ficar mais solta aqui dentro?"). Como todo bom romântico, é um masoquista devorado pela autopiedade, no estilo veja-como-sofro-e-por-favor-mostre-compaixão ("Estaria tudo tranqüilo se eu não estivesse aqui com você").

A reação das mulheres ao goleiro deveria ser estudada por um zoólogo. Parece comercial de desodorante, ele não consegue dar dois passos sem que alguma das participantes desabe em seus braços, se ofereça para dividir a cama com ele ou massageie suas costas com o pé. Aposto que não se fala em outra coisa no vestiário do Tubarão.

Como sempre, vale destacar o ótimo trabalho de edição da Globo. A cada, digamos, dividida em cima do goleiro, entram narrativas esportivas de suas performance nos gramados. Sai que é suuua, Giuliano!

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Meu tio enganou um cara

Eu sabia que um dia isso iria acontecer. Minha família vai aparecer no Linha Direta (parece até que este blog tem convênio com a TV Globo). Calma, não falo de serenatas nem de cenas de sangue no bar da rua Monte Alegre. Desta vez, quem vai ao ar é o ramo paraense-oligárquico.

Há alguns anos houve um acidente aéreo muito comentado, no qual o piloto marcou a rota como 250 em vez de 25 e o avião acabou caindo no Centro-Oeste, no meio do nada. A bordo havia um dos meus tios, que na versão oficial guiou os passageiros sobreviventes até uma fazenda, onde conseguiram ajuda. Depois disso ele se tornou uma celebridade de 15 minutos, deu algumas entrevistas e até tentou se eleger vereador com base em suas aventuras. Sem sucesso.

Na versão oficiosa, meu tio enganou um cara e quem teria feito todo o trabalho de guia seria um rapaz semi-analfabeto, seringueiro. Meu tio teria se aproveitado da ignorância do sujeito e posado para as câmeras como um herói. Acho bem verossímil. O que você espera de um sujeito que cobrava para dar entrevistas?

Sei que o acidente vai aparecer no Linha Direta - Justiça, aqueles programas dedicados a casos famosos do passado, como o assassinato de Zuzu Angel, o crime de Sacopã etc. Mas desconheço qual versão irá ao ar na Globo. Espero que a oficiosa.

terça-feira, janeiro 11, 2005

O Drama de Pedro Bial

Há alguns anos meu irmão veio me avisar que "tem um programa estranho no SBT, o Supla e o Alexandre Frota estão numa casa". No dia seguinte, maravilhado, conversei com minha chefe - na época eu tinha a vida mansa de escrever sobre cinema e literatura para o Cadê? - sugerindo a ela uma coluna sobre aquele fenômeno de mídia. Foi divertidíssimo. Ainda hoje me lembro de textos como a comparação entre Alexandre Frota e o mito da caverna de Platão, ou a descrição antropológica de Supla apresentando um livro aos colegas da Casa dos Artistas.

Como agora tenho um blog, armado e perigoso, decidi repetir a dose. Passarei a comentar aqui os episódios do Big Brother Brasil 5.

Como ontem foi o primeiro programa e ainda não conheço direito os participantes, me limitarei a dissertar sobre o apresentador. Pedro Bial vive um drama. É só olhar para ele para perceber os dilemas éticos que decorrem de seu posto como Chacrinha pós-moderno. Vejo ele se esforçar para parecer espontâneo, fingir que acha graça nas frases feitas que repete e noto nitidamente seus pensamentos:

"Vida cruel, eu preferia discutir o fluxo de consciência em James Joyce no meu programa de literatura na Globonews. O que será que minha turma de poetas marginais do Baixo Leblon vai pensar dessas piadinhas que conto aqui toda noite? Quando chegar em casa, vou tomar uma ducha para tirar essa poeira e assistir aos DVDs do Kieslowski, com as legendas em polonês e tudo".

Em suma, o clássico conflito de Fausto, o intelectual que vende a alma para o demônio em troca de poder. Bem, no caso está mais trocar uma atividade secundária por outra que permite ao sujeito ser reconhecido nas praias e, com sorte, conseguir um desconto no supermercado. No fundo traz menos danos à saúde do que escrever uma biografia apologética do Roberto Marinho. Bial deveria ler Goethe. Esses pactos sempre terminam mal e o inferno não tem serviço de atendimento ao consumidor.

À primeira vista, o programa promete. Jean, o professor universitário de literatura, tem tudo para ser meu próximo herói intelectual. Eu andava mesmo cansado de Rousseau.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Sorria, você está sendo filmado

No sábado rolou o encontro de confraternização dos Conspiradores. Apesar da taxa de comparecimento vergonhosa dos leitores deste blog (aventou-se a hipótese de muitos deles não existam e sejam apenas pseudônimos dos criadores do site) a noite foi marcada pela boa conversa que se prolongou até o início da madrugada. Foram feitas revelações bombásticas sobre a origem da banda Detonautas e sobre as tramóias do ramo paraense-oligárquico da minha família, discutiu-se cinema, política e os bastidores soturnos das principais instituições acadêmicas da cidade. Quem vacilou e não foi, perdeu. Agora não adianta chorar.

Lá pelas tantas, nossa reunião foi surpreendida pela visita de uma equipe de moças e rapazes com camisetas amarelas com a inscrição “sorria, você está sendo filmado”. Um deles estava armado com uma filmadora digital e outra anunciou que iria começar uma brincadeira conosco. A maioria dos Conspiradores reagiu com uma atitude na tênue fronteira entre a boa educação e a vocação para otário, quando um dos participantes respondeu, dois tons de voz acima:

“Eu NÃO QUERO brincar.”

Um comentário desses não admite réplicas e a pobre equipe deixou a mesa de fininho, prosseguindo em sua missão de importunar os demais freqüentadores da Cobal. Foi então que notei o carro do grupo, devidamente pintado com o slogan “Caça às celebridades”. Pois é, a gente tenta passar anônimo e não consegue. Alguém sabe do que diabos isso se trata? Perdemos a oportunidade de aparecer no Big Brother? Foi algo na linha da serenata do tio Ricky? É coisa da CIA? Respostas para este site.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

"Tsunami Alaga Jurujuba!"

Pequeno post soh para dividir com os leitores deste blog uma das manchetes mais criativas que jah vi, publicada ha dois dias atras na parte interna do Globo.

Fico imaginando a reuniao de pauta que levou a essa manchete:

"Po, a tsunami asiatica eh o assunto do momento..."
"Voces sabiam que Jurujuba alagou? Serah que foi por causa da mareh? O Cesar Maia ta dizendo que foi a tsunami..."
"Perfeito! Vamos colocar em letras garrafais: Tsunami arrasa Jurujuba!"
"Po, mas nao arrasou, ne? Soh destruiu umas obras do projeto Eco-Rio..."
"Ta bom. Entao tira o `arrasa´ e coloca `alaga´."
"Beleza. Nada como colocar `tsunami´ e `Jurujuba´ na mesma frase, ne?"

Mas o mais incrivel mesmo seria se a proxima fosse em ingles:

"Godzilla destroys Barra!"

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Opção Argentina

Há alguns dias meu orientador conversou comigo a respeito do meu projeto de tese e entre as sugestões deste ou daquele enfoque teórico, me disse que eu deveria pensar em fazer um sanduíche (mais formalmente: estágio de doutorado) na Argentina, já que meu tema são as relações do Brasil com aquele país. A idéia é que eu passe um semestre de 2006 em Buenos Aires, estudando na Universidad Torcuato di Tella e pesquisando no Palácio San Martín, o ministério das relações exteriores.

Comecei a pensar seriamente no projeto. É comum no IUPERJ que os doutorandos fiquem de 6 meses a 1 ano no exterior, mas dos alunos que conheço, todos os que fizeram esse estágio foram para os EUA ou para a Europa, mesmo quando tinham como tema de tese outros países e continentes.

É claro que a estrutura acadêmica dos EUA e da Europa é muito melhor do que a da Argentina. Mas mergulhar na vida daquele país por um semestre me daria um conhecimento que nenhum livro ou pesquisa acadêmica conseguiria me oferecer. E a ótima impressão que tive de Buenos Aires, quando estive de férias por lá em 2004, me faz acreditar que eu gostaria de um período na cidade. Ainda mais podendo viajar um pouco pelo Uruguai e pelo Chile, países vizinhos.

Antes de colocar o projeto em prática, há várias providências a serem tomadas. A burocracia da bolsa-sanduíche da CAPES. Aulas intensivas de espanhol. A negociação de uma licensa no IBASE. Mas começa a se desenhar uma opção argentina.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Confraternização d´Os Conspiradores

Prezados leitores e leitoras,

como sabem, meu nobre co-blogueiro Bruno Borges, nosso embaixador nos EUA e agente em Duke University, passa algumas semanas nos trópicos antes de retornar para suas atividades ao norte da linha do Equador. Como a maioria de vocês não conhece o Bruno, e vice-versa, resolvemos marcar uma pequena confraternização regada a bom papo no próximo sábado, no galeto da Cobal do Humaitá, a partir das 21h. Estão todos convidados, inclusive aqueles de vocês que não conhecemos e que vieram parar neste site Deus sabe como...

Como tema da confraternização, propomos a seguinte discussão: o que devemos fazer para dominar o mundo? Desvios para discutir temas como novelas, cinema, literatura e a minha vida familiar também serão bem-vindos.

Sem mais, vos espero no sábado.

terça-feira, janeiro 04, 2005

Início de Ano (fragmentos)

Vamos tentar nos ver mais em 2005 O fim de ano foi legal, mas todo mundo pegou intoxicação alimentar por causa do salpicão Preciso de alguém para organizar uma visita da Portela e do Lula ao Forum Social Qual é seu número de CPF Não consigo cadastrar a porcaria do cartão alimentação, o tíquete era muito melhor Como é que se muda o tamanho da tabela no Word Acho que você deve repensar seu projeto e focar na política externa argentina Tem um dinheiro pro almoço, tio Por que você não me mandou cartão este ano Anote o número do meu celular em Londres Alguém precisa regar as plantas durante o recesso Você ainda não soube do que rolou na festa Estou recolhendo donativos para as vítimas da tsunami Obrigado pela ajuda mas fui efetivado na ActionAid Segue em anexo o programa da minha matéria em janeiro Você pode divulgar esse anúncio de estágio entre seus alunos Este mundo é imperfeito para caramba Pois é, eu teria sugerido a Deus cortar as segundas-feiras Já viu Edukators, é tão bom quanto Os Sonhadores Preciso ler o novo livro do Bóris Fausto Tem régua por aí, meninos

Bem-vindos a 2005. Feliz Ano Novo.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Promessas para 2005

Como um bom conspirador, resolvi elaborar um plano de acao estrategica para o proximo ano. Em dez pontos, aqui vao as principais resolucoes:

(1) Nao me estressar com bobagens -- Preciso ter mais sangue frio do que tenho atualmente para os pequenos problemas que (sempre) surgem;

(2) Procurar ser mais otimista -- Deixar de acreditar que "tudo vai dar errado, mas o que vier eh lucro";

(3) Fazer exercicio fisico -- Um bom conspirador precisa sempre estar em boa forma, mesmo que seja soh para garantir;

(4) Ser mais ativo e menos preguicoso -- A lei do menor esforco precisa ser revogada em minha vida. A partir de agora;

(5) Ser mais carinhoso com quem importa -- Pois eh. Auto-explicativo;

(6) Trabalhar com o longo prazo em mente -- Apesar do que disse Lorde Keynes;

(7) Acreditar que o tempo eh relativo -- Como disse o Professor Einstein;

(8) Saber que 2005 eh apenas o meio da decada -- Ainda faltam cinco anos para que a gente possa falar da "decada de 00", portanto ha ainda muito o que fazer;

(9) Ser mais prestativo e solidario do que no ano que passou -- Porque nao chegaremos a lugar algum sem isso; e finalmente

(10) Acreditar que tudo eh possivel com a forca da mente e com o treinamento jedi.

NOTA: Nao sou Lair Ribeiro e nao tenho doutorado em neurolinguistica. Esta lista nao eh de auto-ajuda -- esta eh a MINHA lista. Alias, como pode bem atestar meu co-conspirador de blog, seguir opinioes de Cientistas Politicos eh sempre por conta e risco dos envolvidos. De qualquer maneira, um bom ano para os colegas, amigos e conspiradores.

domingo, janeiro 02, 2005

Retrato do Artista Quando Looser

No primeiro dia de 2005 o Telecine brindou o público com "8 Mile - a Rua das Ilusões". O filme é estrelado pelo rapper Eminem e é metade autobiografia, metade ficção, contando a história de um rapaz pobre, da periferia de Detroit, que sonha escapar de lá através da música.

Até aí podia ser "Xuxa no Mundo dos Duendes", mais um daqueles filmes onde celebridades interpretam a si mesmas em papéis heróicos entrelaçados com números musicais. Não é assim com "8 Mile". Primeiro, o diretor é o excelente Curtis Hanson (de "L.A., cidade proibida"). Segundo, o roteiro é muito bom, com personagens interessantes, que fogem ao simplismo bem/mal. Terceiro, o filme não glorifica ninguém, é um autêntico retrato do artista como looser. Você já viu um filme da Xuxa em que ela apareça como covarde, indecisa, apanhe dos rivais, seja traída por amigos e pela namorada e tenha que morar num trailer com a mãe maluquete?

Outra surpresa é que Eminem é um ótimo ator, desbanca muito profissional por aí. Seu personagem caminha no fio da navalha entre desistir de tudo e reunir as forças para tentar sair dos vários problemas que despencam sobre seus ombros, inclusive a violência, que está sempre à espreita. Os fãs do rapper podem curtir as músicas da trilha sonora - a mais bonita delas, "Lose Yourself", inclusive ganhou o Oscar.

Para quem curte o gênero "filme de gueto", vale conferir também no Telecine "Império". É a história de um traficante que quer mudar de vida e tenta legalizar seu dinheiro através de um corretor de Wall Street. Só para descobrir que elite e submundo estão mais próximos do que pensava. Sônia Braga faz uma ponta como a sogra porto-riquenha (é...) do personagem principal.


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