Machuca
Numa manifestação pró-Allende
Quando estive no Chile, há dois meses, meu guia em Santiago foi um rapaz que estuda economia e sonha em ser cineasta. Perguntei a ele sobre o cinema local ele me falou da retomada da produção - são em torno de dez filmes por ano, marca expressiva para um país tão pequeno. Ele me recomendou assistir a "Machuca", o melhor da nova safra, coisa que não consegui fazer por conta da minha agenda apertada em Santiago. Felizmente, o filme chegou às telas do Rio.
O título se refere a Pedro Machuca, um menino que mora numa favela de Santiago e vai estudar num colégio de elite, dirigido por um padre estrangeiro, de idéias progressistas. É o último ano do governo de Salvador Allende e o país está dividido em extremos políticos, à beira de uma guerra civil e no meio de uma severa crise econômica, em que até os produtos básicos precisam ser comprados no mercado negro.
A história é contada mais do ponto de vista de Gonzalo, um garoto da alta classe média chilena que se torna amigo de Machuca, tentando superar as imensas barreiras sociais. Gonzala também se aproxima de Silvana, a espevitada vizinha de Machuca, cujo pai ganha a vida vendendo bandeiras dos partidos políticos do Chile, dos nacionalistas aos comunistas, e freqüentando todas as manifestações. Parece a protagonista da "Mãe Coragem" de Brecht, e de fato tem um destino semelhante àquela personagem... "Machuca" também tem referências ao ótimo "Adeus, meninos", de Louis Malle, que fala da França ocupada pelos nazistas. Até o passo de ganso dos militares chilenos lembra seus colegas alemães.
A queda de Allende é mais do que o pano de fundo político da trama, porque os destinos dos protagonistas são profundamente afetados pelos acontecimentos - os trechos que mostram o golpe de Pinochet são particularmente bem filmados e dramáticos. O desfecho da História é o que conhecemos: a repressão brutal e o fim da mobilização de massas (maior do que qualquer coisa que houve no Brasil) e do sonho de se criar um país diferente.
O próprio comportamento de alguns dos personagens ilustra muito bem os dilemas da classe média chilena, dividida entre o desejo de mudanças e a vontade de manter suas distinções e pequenos privilégios. Para não mencionar o medo às pessoas mais pobres e de pele mais escura. Há uma ótima seqüência que mostra uma reunião de pais, alunos e professores em que todas essas questões vêm à tona.
Seria diferente no Brasil? Só no sentido de que por aqui a classe média consegue ser ainda mais retrógrada e apática que sua contraparte chilena. A elite brasileira nunca precisou de um Pinochet porque os valores autoritários já estavam (e ainda estão, em larga medida) internalizados em nossa cultura política.
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