Em Busca do Cinema Inútil
O documentário é uma encruzilhada onde jornalismo e cinema se encontram, e como sou um apaixonado pelos dois temas, caí de amores, por tabela, pelo terceiro. O site NoMínimo publicou duas excelentes palestras sobre o futuro do documentário brasileiro. A primeira é um balanço dos dilemas da atividade em nosso país, feito pelo cineasta Eduardo Escorel. A segunda é a réplica de João Moreira Salles (cujo ótimo "Nelson Freire" ilustra este post).
Escorel elenca uma série de dificuldades que os documentaristas brasileiros enfrentam, desde os riscos de segurança até a chance de ficarem ultrapassados e obsoletos diante de grupos sociais marginalizados que começam a ter acesso à tecnologia do cinema. Mas os dilemas também podem ser "o desafio que nos motiva a persistir, procurando redefinir, a cada filme, nossa função e a fronteira entre os gêneros na tentativa de decifrar esse enigma chamado Brasil. "
Salles responde com elegância e inteligência, comemorando o fato de que "O diretor branco de classe média não é mais o único que filma. Não temos mais a prerrogativa da exclusividade. Seria o caso de dizer que as novas tecnologias representam a nossa Bastilha; e nós, evidentemente, fazemos parte do Ancien Régime."
Ele lembra que boa parte dos documentários brasileiros são formados por cineastas com esse perfil, filmando pessoas bem mais pobres. Os filmes têm um conteúdo social, de denúncia, e Salles afirma que chegou a hora de um "cinema inútil", menos explosivo, voltado para as questões do cotidiano - ele faz o paralelo com a cinematografia argentina, que eu adoro, e é basicamente um retratado da ampla classe média de nosso vizinho do sul.
Curioso Salles ter mencionado a Argentina, pois depois da crise de 2001/2002, um dos desejos citados com mais freqüencia era o de "viver num país normal". Ainda não conseguiram, mas sempre me emociona nos filmes de lá o sentimento de é que preciso recomeçar de algum ponto, do dia a dia mais imediato: o Café Buenos Aires em "O Filho da Noiva"; a galeria comercial e a relação pai-filho no "Abraço Partido", o sítio 1789 em "Lugares Comuns" ou simplesmente a metafórica "Kamchatka" (um lugar de onde resistir) no filme de mesmo nome.