Questão de Justiça
A inação do governo nesse campo surpreende - é de fato um retrocesso com relação aos atos de FHC. Quase todos os dirigentes do PT sofreram perseguição na ditadura, como membros de sindicatos, comunidades religiosas, movimentos estudantis etc. Na Argentina e no Chile, a ascensão ao poder de políticos oriundos da esquerda peronista ou do Partido Socialista levou a novas investigações sobre os crimes dos militares. A Suprema Corte argentina inclusive cancelou as leis de anistia , a Ponto Final e a Obediência Devida. No Chile, encontraram-se brechas legais para processar os acusados - por exemplo, considerando os "desaparecidos" como estando vivos e portanto o crime de seqüestro por parte da repressão ainda em curso.
A Lei de Anistia brasileira é uma concessão feita aos militares no contexto da transição negociada para a democracia, uma vez que aqui não houve o colapso do regime por uma derrota militar (Argentina) ou em plebiscito (Chile). Pelo contrário, há um monte de órfãos da ditadura, a própria esquerda quase chora de emoção louvando o governo Geisel. Quer dizer, não me parece haver o apoio político necessário para levar aos tribunais os criminosos.
Ainda assim, há muito o que poderia ser feito, a começar pela instalação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação, nos moldes das que foram estabelecidas na África do Sul e em vários países latino-americanos. A abertura dos arquivos dos órgãos de repressão. O uso dos mecanismos do direito internacional para punir torturadores envolvidos na Condor e em outros crimes contra cidadãos estrangeiros. O uso do que os argentinos chamam de "escracho", a identificação pública e o protesto social como forma de punir torturadores. Instrumentos não faltam.