Cabeça de Porco
Grande livro na praça: “Cabeça de Porco”, obra coletiva do produtor cultural Celso Athayde, do compositor e cantor MV Bill e do antropólogo Luís Eduardo Soares. Reunião da sensibilidade e do pensamento da favela e do asfalto – casamento urgente e necessário.
O livro é um conjunto de textos, cada um assinado por um dos autores. Athayde e MV Bill começaram uma pesquisa sobre os jovens que se envolvem com o tráfico de drogas, e entrevistaram várias pessoas nas favelas e periferias de todas as regiões do Brasil. Soares tocava uma pesquisa semelhante. Resolveram unir esforços: ganho para eles e para os leitores.
Athayde e Bill narram suas aventuras durante as entrevistas, que incluíram perseguições da polícia, fugas e situações de risco com os bandidos. Os dois também rememoram episódios marcantes de suas vidas – os textos sobre a descoberta do racismo são particularmente brilhantes. Soares faz análises teóricas a partir do material das entrevistas e de suas próprias pesquisas, identificando os padrões que se repetem em várias histórias.
O livro é muito bom, mas dois casos são verdadeiras obras-primas: a história da menina que recortava notícias de jornal sobre violência, até perder o irmão para as drogas e a narrativa de Athayde sobre como um jovem tímido chamado Alex Pereira virou o compositor e cantor MV Bill. Ambas renderiam filmes interessantíssimos, que espero que sejam realizados algum dia.
Soares foi professor do Iuperj, onde estudo. Não cheguei a ser seu aluno, mas o ouvi no instituto e li outros de seus livros. Mantém neste trabalho as intepretações anteriores, ressaltando o quanto o crime pode ser, antes de mais nada, uma maneira de “adolescentes invisíveis” conquistarem respeito numa sociedade em que parece não haver lugar para eles. Me impressionaram mais as contribuições de Athayde e MV Bill, mas como mencionei anteriormente, o casamento com a reflexão acadêmica é muito bem-vindo.
Cabeça de porco é uma gíria para cortiço e para uma situação difícil, beco sem saída. Não foi o que o livro me passou. Fico antes com a impressão de uma realidade trágica, sim, mas também de uma incrível capacidade de resistência, vitalidade e vontade de mudança. O tempo em que lecionei num pré-vestibular comunitário me convenceu, para a vida toda, do enorme potencial dos jovens das favelas. Talvez um dia a gente consiga juntar os cacos e construir uma nação.
1 Comentarios:
Primeiramente ,gostaria de fazer minhas as palavras de Mauricio Santoro e, ressaltar a iteligência e capacidade dos jovens (em especial ,os moradores das favelas ),expressas em arte.Meu desejo é que essa seja firmemente divulgada ,e que possam surgir outros milhares de manuscritos que revelem a realidade para unir as partes do corpo nação Brasil .
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