segunda-feira, setembro 26, 2005

Em Minha Terra


O melhor filme que vi até agora no Festival do Rio foi “Em Minha Terra” (Country of My Skull), uma co-produção entre África do Sul, Reino Unido e Irlanda. Elenco internacional, com o diretor John Boorman (O Alfaiate do Panamá, Esperança e Glória) e os atores Samuel L. Jackson e Juliette Binoche. Eles interpretam dois jornalistas que cobrem a Comissão para a Verdade e Reconciliação na África do Sul, na qual os acusados de violar os direitos humanos na época do apartheid ganhavam anistia, contando que confessassem seus crimes e encarassem suas vítimas, olho no olho.

O personagem de Jackson é um jornalista americano que acha a Comissão mero paliativo, ele quer os criminosos do apartheid na cadeia. Binoche interpreta uma poeta e jornalista sul-africana. Opositora do racismo mas pertecente à elite branca do país, defende a necessidade de entender e perdoar o que aconteceu, para seguir adiante com uma nova África do Sul. Ela prega o ubuntu, a crença tradicional africana na justiça como solidariedade e não como vingança.

O conflito inicial dos dois jornalistas se transforma numa sólida amizade e na tentativa – por vezes falha – de compreender os motivos do outro e enfrentar as feridas de um passado doloroso, que talvez não possam ser fechadas. O filme é também um hino à capacidade humana de superar as barreiras raciais, culturais e políticas. Uma das cenas mais bonitas é simplesmente uma xícara de café na biblioteca, em meio a uma conversa sobre poesia.

Me pareceu que o público-alvo é o ocidental, do EUA e da Europa, portanto há o esforço de traçar comparações com o Holocausto. Para nós, latino-americanos, os crimes do apartheid soam muito próximos, semelhantes aos das ditaduras militares. Muitos dos relatos de torturas poderiam ter acontecido no Brasil ou na Argentina.

Mas não tivemos ubuntu. Quando falei a meus alunos sobre a Comissão para a Verdade e Reconciliação, eles ficaram confusos. Como assim, ninguém é preso? Basta confessar? A vida é mais complicada do que isso e o desenrolar do filme deixa claro que há limites ao que se consegue perdoar. Ainda assim, defrontar-se com a verdade é sempre um processo saudável para um país, e uma condição sine qua non para a justiça.
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