Acompanho as eleicoes norte-americanas de maneira erratica. Sou completamente viciado em politica (como meus amigos sabem), mas minhas atividades como "cientista" politico estao tomando quase todo o meu tempo no momento. Entretanto, (1) esta eh a primeira eleicao presidencial que acompanho NOS Estados Unidos, o que eh uma experiencia unica; e (2) dentro de um Departamento de Ciencia Politica com alguns dos melhores analistas de politica norte-americana do mundo. Nao eh pouca coisa. A cada dia aprendo mais sobre a politica deste pais e suas idiossincrasias.
A ultima semana foi bastante agitada politicamente e esta semana promete. Aqui vao algumas impressoes minhas sobre o processo NESTE momento e de como estah se desenrolando. Nao pretendo assumir nenhuma postura de conhecedor profundo porque realmente nao sou. Para aqueles que me conhecem, gosto de Relacoes Internacionais e minhas posicoes geralmente beiram o que a disciplina chamaria de "realistas." Entao vamos.
(1) O carisma de Kerry -- questao profunda essa. Sou weberiano para isso: acho que politico tem que ter carisma e burocrata tem que sentar a bunda e trabalhar. Gosto de politicos negociadores, gosto de posicoes decisivas, gosto de magnetismo pessoal. Nao estou pregando "culto de personalidade" (longe de mim!). Durante a campanha, assisti a inumeras entrevistas de Kerry, assisti aos debates das primarias, assisti aos discursos feitos de improviso e aos discursos feitos por "speech-writers." Kerry nunca me chamou a atencao. Ele tem fala mansa, leva um tempao pra pensar, suas respostas sao cuidadosas, assim como os termos que utiliza. Inegavelmente eh um aristocrata ("Bostonian"), daqueles com os quais os americanos tem uma relacao de amor e odio. Numa comparacao a brasileira: Kerry eh o Suplicy dos EUA. Eu gosto do Suplicy, gosto do que ele diz, gostaria que ele fosse central, eh uma cara moderado e tudo. Mas dah um sono...
Nessa ultima semana, no entanto, o santo de Winston Churchill baixou em Kerry (estou exagerando, eu sei...). Especialmente no debate o cara me surpreendeu. Ateh porque eu e a torcida do Dallas Cowboys nao esperavamos nada. Ele foi conciso, preciso, decisivo, se superou. Como dizem os analistas: "ele achou o tom certo." As pesquisas pos-debate imediatamente reagiram, especialmente nos "swing states." Se continuar assim nas proximas semanas, o W nao fizer nada de especial, e nao pegarem o Bin Laden, os democratas ainda estao dentro da parada.
(2) As diferencas -- triste questao. Como escrevi neste blog anteriormente, nao ha muitas. Alias, nao ha quase nenhuma. Quem assistiu ao ultimo debate (especialmente sobre questoes de politica externa) e prestou atencao aas propostas em vez da encenacao teatral, sabe do que estou falando. Primeiro, a diferenca: sao dois TONS diferentes. Enquanto um eh a favor do unilateralismo descarado, o outro diz que a ONU eh importante. Meus colegas americanos dizem que isso eh importanTISSIMO. Eu diria, eh importANTE, mas a ideia eh: "posso dar uma paulada na sua cabeca, por favor?"
No Iraque, nao ha quase diferenca. O plano de saida ("exit strategy") eh o mesmo: esperar pelas eleicoes "democraticas," torcer para que a violencia diminua, que o pais nao se desintegre e que o novo governo iraquiano consiga dar conta do recado (i.e., ficar quietinho). Retirar os soldados depende de situacao futura. E ha uma ameaca velada de reintroduzirem por aqui o alistamento obrigatorio (o "draft") em que os filhos da elite e da classe media podem ser chamados para bronzear no deserto. Na Coreia do Norte, a ideia eh a mesma. Envolver a China um pouquinho mais ou pouquinho menos nas negociacoes de nao-proliferacao. (Alias, Brasil cuidado! Escreverei sobre isso depois)
O Iran. Jah pensei nisso varias vezes, mas acho sinceramente que se a situacao no Iraque continuar como estah, os americanos terao poucas chances de enfrentar o Iran. O Iran nao eh cachorro morto como era o Saddam, eles sao o proverbial "osso duro de roer." Jah li papers de "think-tanks" conservadores que dizem que invadir o Iran eh MUITO perigoso. Em outras circunstancias, eu concordaria com a possibilidade de invasao. Mas do jeito que estah a sociedade norte-americana neste momento, acho pouco provavel. Posso estar redondamente enganado, mas...
(3) O americano medio -- Empregos, empregos, empregos! Para o famoso "median voter," politica externa eh coisa pra especialista. Enquanto os meninos nao morrerem em escala consideravel, a questao central ainda eh "serah que vou manter o meu emprego?" Quem assistir a TV por dez minutos, pode achar que a guerra nao eh contra o Iraque, mas contra a China. TODOS os candidatos repetem o mantra: "nao permitirei que os empregos americanos sejam roubados pelos chineses! Votem em mim para o senado. Votem em mim para a Camara." Kerry tem um discurso afiado sobre politica domestica e os proximos debates serao sobre isso. Alias, esta eh A grande diferenca entre os dois: enquanto o W eh completamente voltado para as questoes das corporacoes, Kerry tem uma proposta interessante para o Sistema de Saude, Educacao e outras coisas.
Desculpem pelo post longo. Se houver interesse posterior, escrevo mais.