Reproduzo reportagem que escrevi sobre as eleições no México e que foi publicada no site do
Ibase:
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O começo da rebelião zapatista no México, em 1994, pode ser considerado o início da onda de contestação ao neoliberalismo na América Latina. Doze anos depois, a população mexicana se prepara para eleger um novo presidente no dia 2 de julho, mas num cenário de violência e forte presença do autoritarismo na política.
Não há segundo turno no sistema eleitoral do país e as pesquisas de opinião dão empate técnico para os candidatos Andrés López Obrador (ex-prefeito da cidade do México e líder do Partido da Revolução Democrática/PRD, de centro-esquerda) e Felipe Calderón (um dos líderes do Partido Autonomista Nacional/PAN, agremiação conservadora do presidente Vicente Fox).
O Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México por 70 anos, amarga o terceiro lugar na disputa presidencial, mas continua a ter o maior número de governos estaduais e de parlamentares no Congresso.
López Obrador ganhou fama como prefeito ao implantar uma série de políticas sociais de distribuição de renda e prestação de serviços comunitários, como saúde. A maioria de seu apoio político está na capital e nos estados do sul, os mais pobres.
Seu rival, Calderón, destacou-se como deputado, líder partidário, ministro e dirigente de bancos públicos. Advogado pós-graduado em Harvard, foi um dos negociadores do Nafta e tem apelo nos estados do norte, nos quais estão instaladas as maquiladoras, indústrias que montam os produtos a serem exportados aos EUA e ao Canadá.
“A outra campanha”
A campanha eleitoral está marcada por discussões de baixo nível, acusações mútuas de corrupção e desrespeito à democracia. Nesse contexto, o Exército Zapatista de Libertação Nacional optou por não apoiar qualquer candidato e iniciou uma série de marchas e protestos sociais pelo interior do México, numa iniciativa batizada de “
A outra campanha”.
A iniciativa ocorre no formato de caravanas e sessões de diálogo em pequenas cidades mexicanas, com atenção especial às áreas indígenas. As pessoas discutem seus problemas e o subcomandante Marcos, agora rebatizado como “Delegado Zero”, discursa, expondo as posições políticas do zapatismo.
“A outra campanha” tem obtido pouco espaço na grande imprensa mexicana, com exceção do jornal progressista
La Jornada. Mas a mídia alternativa difunde pela Internet e por rádios os principais acontecimentos das marchas.
Violência e barbárie
O clima tenso das eleições mexicanas estourou em diversos conflitos por todo o país. Em abril, uma greve no setor de mineração e siderurgia no estado de Michoacán terminou na invasão policial que matou duas pessoas e deixou mais de 80 feridas.
O pior ocorreu em maio, na cidade de San Salvador de Atenco, a poucos quilômetros da capital. O confronto começou quando a prefeitura anunciou um plano para reformar o mercado municipal, mas a proposta incluía expulsar pessoas pobres que tradicionalmente utilizavam o local para vender flores. No lugar do centro popular, seria construído um shopping center.
A questão transformou-se numa
luta que mobilizou movimentos sociais de Atenco, que praticamente ocuparam o centro da cidade durante dias. Negociações avançaram e uma solução pacífica parecia à vista. Contudo, 400 policiais ocuparam de surpresa o mercado municipal e iniciaram uma feroz repressão contra manifestantes, matando um rapaz de 14 anos e prendendo cerca de 300 pessoas, muitas das quais foram espancadas e humilhadas.
A barbárie continuou após a detenção: um grupo de mulheres foi vedada e sofreu abusos sexuais e estupros por parte da polícia. Ativistas estrangeiras, do Chile e da Espanha, foram deportadas por participarem do protesto.
O prefeito de Atenco, Nazario Gutiérrez, pertence ao Partido da Revolução Democrática, mas a repressão se deu em parceria com tropas policiais do governo federal do PAN. A grande imprensa, sobretudo as televisões Azteca e Televisa, afirmaram que a culpa da violência era dos movimentos sociais e do zapatismo. Marcos reagiu suspendendo “A outra campanha” e declarando alerta vermelho no início de uma série de mobilizações e protestos contra a violência governamental em Atenco.
Mas continuaram os choques entre a população e as autoridades. Em junho, na cidade de Oaxaca, no sul do país, 40 mil professores(as) que protestavam durante uma greve foram atacados pela polícia.
Novamente, a repressão foi brutal: pelo menos quatro manifestantes morreram, incluindo uma criança. O número é incerto, pois a polícia é acusada de ter roubado corpos para evitar denúncias do massacre. O governador estadual, Ulisses Ruiz, pertence ao PRI e nega as acusações. Um protesto de cerca de 100 mil pessoas pediu a renúncia de Ruiz.
Chama a atenção o fato de que a onda de violência das autoridades mexicanas tenha sido desencadeada por acontecimentos normais em qualquer democracia: greves, passeatas, protestos sociais. Também é preocupante que a repressão tenha envolvido políticos dos três principais partidos e de todas as esferas de governo (federal, estadual, municipal).
Na disputa acirrada entre López Obrador e Calderón, o próximo presidente provavelmente será eleito com pequena margem de votos, o que pode agravar ainda mais as dificuldades das autoridades do Estado para manter um bom relacionamento com a oposição e os movimentos sociais.