O Velho Gringo
Em 1913 o jornalista e escritor americano Ambrose Bierce despediu-se dos amigos e anunciou que iria ao México buscar uma morte digna diante de um pelotão de fuzilamento, que lhe parecia alternativa melhor que ser devorado por doenças, decrepitude ou falecer após cair da escada. Nunca mais foi visto. Do hiato histórico, Carlos Fuentes inventou o romance “O Velho Gringo”.
Fuentes, um dos mestres da literatura mexicana (tradição riquíssima que nos deu Octavio Paz e Juan Rulfo), imagina Bierce juntando-se aos guerrilheiros do general Tomás Arroyo, que combatem ao lado de Pancho Villa na Revolução que incendeia o país. O velho gringo se aproxima também de Harriet, uma americana que chegara ao México para ser preceptora dos filhos de uma família de latifundiários. O trio tem um convívio intenso e tumultuado, à medida que as lutas políticas os colocam diante daquilo que gostariam de esquecer ou vingar em seus próprios passados.
As descrições dos ambientes e das pessoas são soberbas, o único autor que conheço capaz de rivalizar com Fuentes nesse aspecto é Balzac. Há trechos antológicos no romance, como a cena em que o bando maltrapilho de guerrilheiros invade uma fazenda e se vê estupefato diante do salão de espelhos da casa grande. A sensualidade, outra marca de Fuentes, também está presente o tempo todo.
Fuentes é filho de diplomata e exerceu o ofício por alguns anos, passou boa parte da juventude entre América Latina e Europa. Talvez por isso sua obra seja tão impregnada pela busca da identidade nacional mexicana – da qual a Revolução é um elemento essencial. Neste romance em particular, o eterno confronto com os EUA é muito forte (“Estamos prisioneiros do negócio de matar eternamente as pessoas com outra cor de pele. O México é a prova do que pudemos ser”, diz Bierce), bem como o jogo da fronteira, metáfora para o limiar das mudanças de identidade possíveis a uma pessoa (“Há uma fronteira que só nos atrevemos a cruzar de noite – dissera o velho gringo -: a fronteira das nossas diferenças dos demais, dos nossos combates com nós mesmos”).
O livro é ambientado nos desertos do norte do México e a paisagem agreste da região é quase um personagem, presença que lembra os faroestes clássicos, de quem o romance também toma como empréstimo temas como vingança, honra e a masculinidade provada a sangue frio e pelas armas.
“O Velho Gringo” foi publicado em 1985. Ironicamente, menos de uma década depois o norte do México iniciou uma profunda transformação, tornando-se a área preferencial para a instalação das maquilladoras, que montam produtos a serem exportados para os EUA valendo-se do tratado de livre comércio entre os dois países. Também é o território que os candidatos a emigrantes devem cruzar para chegar aos Estados Unidos.
Fronteiras, migrações, identidades. O velho gringo teria sorrido e dito algo espirituoso e sarcástico, entre um e outro gole de uísque.
1 Comentarios:
Te respondo assim que acabar o calhamaço de 600 páginas sobre a história da Bolívia no século XX e devorar outro volume sobre as políticas de combate à pobreza nesse país.
Abraços
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