quarta-feira, julho 19, 2006

Beirute: fim do sonho


 

Houve um sonho em Beirute. O de uma cidade cosmopolita, aberta ao mundo, na qual diversas religiões conviviam e o comércio florescia. A Paris do Oriente Médio, como era conhecida. Entreposto entre o mundo árabe e o Ocidente, refúgio para a vanguarda política e intelectual árabe, perseguida pelas ditaduras da região.

Como tantos Estados do Oriente Médio, o Líbano foi criado com base nos arranjos da França e da Inglaterra após derrotarem o Império Otomano na Primeira Guerra Mundial. A comunidade cristã de Beirute, que mantinha laços tradicionais com os franceses, foi contemplada com um território que incluía as zonas agrícolas do sul, habitadas por muçulmanos xiitas, além de minorias sunitas, drusas etc.

A demografia explodiu o frágil equilíbrio político do Líbano. Os xiitas tinham mais filhos do que os outros grupos sociais. As disputas pelo poder dentro do país foram um imã irresístível para o envolvimento das nações vizinhas. Ao longo dos 15 anos de guerra civil, passaram pelo país tropas da Síria, Israel, EUA, a Organização pela Libertação da Palestina e sabe-se lá quantos agentes secretos e grupos terroristas.

Seguiram-se 15 anos de reconstrução e paz precária, sob a tensão permanente das tropas sírias e israelenses, do Hezbolá e das milícias. A glória do passado não voltou, mas uma parte de Beirute foi reconstruída e o turismo ajudou a recuperar a economia, com visitantes chegando dos países árabes e do próprio Brasil, onde vivem cerca de 6 milhões de descendentes de libaneses.

Mesmo esse sonho modesto acabou. Bairros inteiros de Beirute foram destruídos. Os danos à infraestrutura estão calculados em US$2 bilhões. A indústria de turismo, evidentemente, ficará em colapso por muito tempo. A política no Oriente Médio é um tributo à estupidez humana, mas mesmo nesse contexto o conflito atual se destaca pela barbárie e pela carnificina sem sentido.

Na blogosfera, libaneses e israelenses discutem. Algumas opiniões:

Zadig Voltaire:

“Irã, Síria, Hezbolá e Israel estão transformando o Líbano num campo de matança. Meu belo país está em chamas devido à ideologias malucas. Meu Líbano de alegria está sendo devorado por monstros humanos. Meu gentil Líbano está sendo dilacerado em nome da religião... “

Carmia (Haifa, Israel):
"Eu estava assistindo ao noticiário sobre os mísseis que caíram em Nazaré e mataram duas crianças quando meu namorado ligou daquela área, em seu caminho de volta do trabalho. Ele viu seu segundo míssil em um dia - acertou o posto de gasolina onde ele abastece... Ele está ficando nervoso porque os foguetes começaram a cair em sua cidade e também no município no qual ele trabalho, e pensa seriamente em deixar o norte, por enquanto."

Anton Efendi (EUA):
“Esses Estados árabes sabem o que está em jogo e percebem que não é nada menos que um golpe. É um golpe no Líbano, um golpe nos territórios palestinos e um golpe na região também, e a Síria é o centro de tudo... Em todo caso, não há retorno ao status quo ante. O Hezbolá foi exposto e tomou-se a decisão de eliminar sua ameaça militar... Mas um elemento crucial nisso tudo é a neutralização de Assad [presidente da Síria]”.

Depoimento de libanesa no blog MsLevantine (EUA):
“Quando a guerra civil libanesa de 15 anos acabou em 1990, todos esperávamos que a nação tivesse finalmente se transformado de um sinônimo de violência urbana na “Ibiza” do Oriente Médio. Beirute estava atraindo hordas de turistas, seus terrenos se valorizavam rapidamente e os cidadãos se felicitavam com a idéia da riqueza longamente desejada.”

West Bank Mama (mulher em assentamento israelense na Cisjordânia):

“Não gosto de Ehud Olmert. Não votei nele na última eleição e discordo de quase tudo do que ele defende politicamente. Sou membro de uma comunidade que ficou amargamente desiludida em agosto do ano passado, quando o desengajamento do Gush Katif [assentamentos isralenses em Gaza] foi implementado – e posso sofrer pessoalmente se ele quiser implementar outro plano semelhante na Judéia e Samaria [Cisjordânia]. Mas fiquei muito contente com seu discurso no Knesset [parlamento] na noite passada.”

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício,

Belo post. Fez-me lembrar de um blog escrito por um brasileiro que trabalhava na ONU e morava em Beirute.

Se meus neurônios não me traem, creio que o sujeito era amigo seu. Caso ele seja realmente um conhecido - e se você ainda tiver o link para o blog dele -, por favor, publique o link do site mais uma vez.

Abraço,
Renato

p.s. Os dias que correm me trazem a cabeça as citação de Chesterton e Serge, respectivamente: "A história nos ensina que a história não nos ensina nada" e "É meia-noite no século". :-(

julho 19, 2006 8:22 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Renato.

O blog a que você se refere é o http://kallas.blogspot.com. O Fernando é um jornalista brasileiro que trabalhou para a ONU em Beirute. Ele agora vive na Espanha, mas tem escrito bastante sobre o conflito. Vale a visita.

Não o conheço pessoalmente, apenas por Orkut, mas temos amigos jornalistas comuns.

É meia-noite no século, amigo, e acho que ainda escurecerá mais.

Salve, Igor.

Os israelenses encaram a guerra como autodefesa diante do terrorismo. Eles estão assustados com o aumento do poder de fogo do Hezbolá e com as novas táticas do Hamas, que chegou a cavar um túnel para seqüestrar um soldado.

O problema é que Israel insiste em se considerar como vítima, um Estado perpetuamente ameaçado, e não a potência militar regional que se tornou. O que os israelenses vêem como "autodefesa" os árabes vizinhos enxergam como hegemonia e agressão. Difícil pensar outra coisa depois de olhar as ruínas no Líbano...

Abraços

julho 20, 2006 1:54 PM  

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