Lições de Timor Leste
"Queimado, Queimado, mas agora nosso – Timor Leste, das cinzas à liberdade”, da jornalista Rosely Foganes, é um dos melhores livros brasileiros sobre relações internacionais. Na realidade, não conheço nada tão bom mesmo lá fora, o que mais se compara pela qualidade e estilo é “Genocídio – a retórica americana em questão”, da jornalista irlandesa Samantha Power.
O Timor Leste foi colônia de Portugal até 1974. Quando os portugueses se retiraram, a Indonésia invadiu a nação e a ocupou por 25 anos. Um terço da população timorense morreu e o meio ambiente foi devastado por incêndios e napalm. Em 1999, houve um plebiscito, mediado pela ONU, com ampla vitória para a independência. Em represália, antes de sair do país a Indonésia incendiou as principais cidades e massacrou os timorenses.
Foi nesse quadro que a ONU chegou ao Timor instalando uma administração transitória sob comando do brasileiro Sérgio Vieira de Mello (foto). Rosely acompanhou a história do nascimento da jovem nação como repórter da Rádio Eldorado. O livro começa pouco após o massacre de 1999 e vai até o fim de 2001, traçando um panorama excelente das missões de paz das Nações Unidas, em pelo menos três pontos:
1)Os desafios da ONU, que pela primeira vez criou as instituições de um Estado, e as lições extraídas do processo para a administração outros territórios em crise. O cotidiano dos funcionários, as relações com a população, o comportamento variando do idealismo e da busca de aventura ao burocratismo apático.
2) O papel dos atores não-governamentais nas relações internacionais, em particular a ação da imprensa, das ONGs e dos missionários religiosos na proteção dos direitos humanos. O que motiva essas pessoas, a capacidade de adaptação e improvisação, o vício na adrenalina. As redes de solidariedade que se formam, a visão estratégica desses grupos (por vezes mais ampla que a dos Estados).
3) A especificidade da atuação do Brasil em missões de paz – dos militares, diplomatas, funcionários do MEC, etc - com a ênfase brasileira na cooperação social e no uso do esporte e da música como maneiras de aproximar as diferenças e resolver conflitos. Inclusive a subestimada influência internacional que pode ter a língua portuguesa.
A história de Timor Leste é um épico moderno da luta de um povo pela liberdade e pela manutenção de suas culturas e tradições. É emocionante sob qualquer ponto de vista, mas tem um apelo especial para nós, brasileiros, que muito compartilhamos com os timorenses. O livro tem páginas das mais bonitas que já li sobre a ação do Brasil no exterior, em especial no contato humano, do dia a dia.
Rosely montou um ótimo site, Timor Crocodilo Voador com notícias e links sobre nosso jovem país-irmão da língua portuguesa. Visita recomendada.
A missão do Timor foi encerrada prematuramente e o país voltou aos conflitos, que envolvem disputas étnicas e controle sobre recursos naturais. Mas os anos iniciais da ação da ONU oferecem lições que podem ser úteis para um esforço de paz no Líbano.
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