Taxas Globais
Para fechar o ciclo de posts sobre o Fórum Social Brasileiro, vai o link para meu artigo "De Recife a Nairóbi", publicado no Jornal do Brasil, onde falo da importância do FSB e o ligo aos fóruns que ocorrem em outros países.
Abaixo, reproduzo meu artigo sobre a questão da criação de taxas globais contra a pobreza, que saiu no site do Ibase. Nessa iniciativa, o Brasil tem papel-chave. OK, também odeio pagar impostos, mas a proposta é interessante. Deve ser um dos temas da minha aula na próxima semana.
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Taxas globais: nova arma contra a pobreza
A Associação Brasileira de ONGs, a Fundação Friedrich Ebert e a Attac realizaram no Fórum Social Brasileiro o painel de debates Taxas globais: uma fonte de financiamento para combater a pobreza? Parte do seminário Financiamento para o Desenvolvimento, o evento reuniu diplomatas e representantes da sociedade civil da América do Sul e da Europa.
O espírito do encontro foi resumido por Peter Wahl, da ONG alemã Weed: "O filósofo Schopenhauer dizia que toda boa idéia passa por uma fase em que é considerada loucura, outra em que é tida como inviável e um estágio em que é implementada. No que diz respeito às taxas globais, estamos entre o segundo e o terceiro momento".
O diplomata chileno Alexis Guardia analisou o contexto histórico, mostrando que as discussões sobre taxas globais nasceram da constatação de que a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) havia caído muito nos anos 1990. Faltavam US$ 50 bilhões para que os países pobres fossem capazes de alcançar as Metas do Milênio, o conjunto de objetivos sociais definidos na ONU em 2000. Diante da incapacidade de elevar a AOD aos valores necessários, ONGs, acadêmicos(as) e governos propuseram fontes alternativas para financiar o desenvolvimento.
Guardia listou iniciativas como taxar globalmente transações financeiras internacionais, emissão de gases poluentes como o dióxido de carbono, comércio de armas e passagens aéreas. O diplomata também mencionou mecanismos alternativos, como medidas para facilitar remessas de dinheiro de imigrantes a seus países de origem, incentivos às doações privadas e até a proposta britânica de lançar títulos financeiros para custear projetos sociais no mundo em desenvolvimento. Segundo Guardia, "os problemas técnicos com relação a essas iniciativas foram resolvidos, a questão agora é política".
As maiores dificuldades enfrentadas pelos defensores das taxas globais dizem respeito aos interesses econômicos que seriam prejudicados com sua adoção. As empresas do mercado financeiro são as mais resistentes, alegando que tentativas de aumentar os custos das transações econômicas resultariam na fuga de investidores e na diminuição dos recursos disponíveis ao desenvolvimento. As ONGs que apóiam as taxas afirmam que elas teriam efeito regulatório, desestimulando especulação em operações de câmbio, derivativos e outros instrumentos financeiros.
O diplomata brasileiro Alan Coelho de Séllos apresentou a iniciativa do governo Lula de taxar as passagens aéreas internacionais e utilizar o dinheiro para o combate à Aids. A proposta entrará em vigor ainda em 2006 e conta com o apoio do Chile e da França. Séllos destacou que a idéia nasceu da Ação Internacional contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo presidente Lula à Assembléia Geral da ONU.
"Vamos aproveitar as estruturas existentes, sem criar uma burocracia nova", afirma Séllos. A taxa será cobrada no momento em que as pessoas comprarem passagens para os países que fazem parte da iniciativa. Trata-se, na realidade, de um acréscimo sobre os tributos aeroportuários já em vigor. O dinheiro será repassado ao Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, da Organização Mundial da Saúde. O diplomata brasileiro ressaltou que a prioridade será enfrentar a "transmissão vertical" da Aids, da mãe para as crianças.
Além disso, o Brasil deverá contribuir com US$ 12 milhões para a recém-criada Central Internacional de Distribuição de Medicamentos, que visa ao abastecimento dos países mais pobres do mundo. A Presidência enviou projeto de lei ao Congresso pedindo autorização para a transferência dos recursos, que sairão diretamente do orçamento do governo federal.
Peter Wahl comentou as análises dos dois diplomatas e chamou a atenção para a importância dos temas tributários na história moderna, destacando seu papel decisivo na eclosão da guerra de independência dos EUA (recusa em pagar impostos ao rei da Inglaterra sem ter representação no parlamento) e na Revolução Francesa (nobreza e Igreja isentos de impostos, sustentados pela população plebéia).
Para Wahl, o neoliberalismo é responsável pela "refeudalização" dos impostos, realizando cortes tributários para grandes empresas e pessoas ricas e jogando a carga sobre os grupos mais pobres – o mesmo tipo de conflito que levou às grandes contestações sociais do passado.
"As taxas globais são inovadoras porque antes toda a tributação era no âmbito do Estado nacional. Além disso, elas podem oferecer soluções como suprir a ONU com uma fonte de financiamento que torne a organização imune da chantagem exercida pelos EUA", destacou Wahl, lembrando que os Estados Unidos são os principais mantenedores financeiros das Nações Unidas e se valem desse poder de pressão para impor seus interesses.