segunda-feira, abril 24, 2006

Turismo e Direitos Humanos

Semanas atrás, li no Guardian um interessante artigo sobre turismo e direitos humanos. Fiquei surpreso com a reação indignada de muitos leitores, afirmando que uma coisa nada tinha a ver com a outra. Entrei no debate chamando a atenção para como o comportamento dos viajantes pode ser marcado por relações de violência e degradação com as comunidades que visitam. Citei expressamente o turismo sexual, que tantos danos tem causado ao nordeste brasileiro.

Uma das melhores oficinas das quais participei no Fórum Social foi exatamente sobre turismo sexual, tráfico de mulheres e imigração, organizada pelo Coletivo Mulher Vida, ONG pernambucana que faz excelente trabalho nesse campo. O evento foi tocado por um grupo de mulheres muito jovens, algumas adolescentes e fiquei muito impressionado pela dedicação e coragem dessa equipe.

Houve uma ótima troca de experiências e informações e ouvi histórias impressionantes, principalmente sobre a situação em Fortaleza, mas também Natal, Salvador e Recife. Quanto ao Rio, os dados apontam para um cenário mais confuso, o turista não vem para minha cidade especificamente em busca de sexo, é mais difícil lidar com o tema por aqui.

Outro problema sério é que muitas das mulheres envolvidas rechaçam as inicativas contra o turismo sexual, alegando que querem tirar seu sustento de vida e que elas ganham mais nessa atividade do que se trabalhassem como domésticas ou faxineiras. Mas o dinheiro vem a preço alto, envolve violência, degradação, uso de drogas. Muitas das mulheres e meninas envolvidas nesse tipo de prostituição (creio que em qualquer tipo) foram estupradas na infância ou vem de famílias desestruturadas por alcoolismo e miséria.

Quero tratar do tema em algum dos projetos nos quais estou engajado, mas ainda não sei exatamente como. Preciso de mais informações.

***

O Fórum foi encerrado com uma plenária de movimentos sociais. A maioria se manifestou de maneira favorável a Lula, defendendo-o com veemência, chamando-o de "companheiro" e até se oferecendo para ajudar na campanha à reeleição. Ingenuidade e falta de informação? Acho que não. A maioria dos líderes sociais presentes vem de um histórico de pobreza, perseguição e violência. Agora tem, entre trancos e barrancos, um presidente que passou pelo mesmo e que se mostra mais simpático a suas demandas, além de não tratá-los como um caso de polícia.

Nessas circunstâncias, sua posição pró-Lula faz sentido. Mas não pude evitar o pensamento de que os criadores do mensalão sabiam disso e que devem estar comemorando o sucesso de sua estratégia de corrupção, em meio a garrafas de Romanée-Conti e das meninas de Jeany Mary Corner.

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Após o Fórum, passamos uma tarde maravilhosa em Olinda. É um lugar especial, mágico mesmo. Vontade de ficar para sempre em meio àquelas ladeiras, sobrados de paredes amarelas e ateliês de pintura.

3 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

O estrangeiro que vai ao Brasil pra praticar turismo sexual e não se responsabiliza pelos seus atos é como o jovem de classe média-alta do Rio que reclama da violência mas não deixa de comprar sua maconha ou cocaína. Só não enxerga a relação causa-e-efeito quem não quer...

abril 25, 2006 11:32 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Oi Maurício,
vim pelo Tordesilhas, blog do meu marido, Renato. Mas, já conhecia Os Conspiradores do Google afora. Antes, queria dizer que adoro os seus textos, suas análises e comentários. Parabéns!

Também conheco o Coletivo Mulher Vida de um treinamento em captacao de recursos que participei há uns anos. Me lembro de ter ficado especialmente impressionada com o fato de que a maioria das meninas sonham mesmo é em se casar com um gringo, que as tire da vida. Muitas, se deixam levar por espertalhoes, que prometem o mundo e ou vao embora e nao pagam pelo servico ou as levam para a Europa para como escravas brancas.

O lance é que mesmo com as historias horriveis de desaparecimento e até assassinatos de colegas que partem acreditando neste sonho dourado, basta um único caso bem-sucedido, de ex-prostituta que realmente consegue se casar com um homem bacana, para reacender a esperanca das meninas. Aí, elas voltam a cair na esparrela. No final, a maioria é romantica e o que quer mesmo é mudar de vida. Triste, realmente.
Beijoes,
Vanessa

abril 25, 2006 3:42 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Car@s,

Nica, tenho a impressão de que muitos estrangeiros encaram o turismo sexual no Brasil como uma espécie de safári, uma terra exótica onde as mulheres são fáceis e vale tudo, até porque eles pagam em dólares/euros, elas são pobres etc. Mas claro que há muitos brasileiros que agem igual. Talvez sejam até em maior número.

BB, li a matéria, inclusive conheço o antropólogo americano que fez o estudo. O problema é que o trabalho deles se restringe à discoteca Help, em Copacabana. È impossível generalizar aquelas conclusões para outros lugares. Em Fortaleza, por exemplo, há uma disseminação assustadora da prostituição infantil.

Vanessa, seja bem-vinda. Já estou fã do Tordesilhas e estou ansioso pelos relatos da viagem à Bolívia.

Fico feliz em saber que você também conhece e admira o trabalho do Coletivo Mulher Vida. Elas me emprestaram o livro sobre as histórias das prostitutas e os sonhos e expectativas são exatamente os que você descreveu.

Talvez o mais difícil de combater o turismo sexual seja exatamente lidar com as mulheres que vêem nessa prática torpe um modo de, bem ou mal, ganhar a vida com um pouco menos de indigência material.

Abraços

abril 25, 2006 5:07 PM  

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