Bonecas Russas
“Bonecas Russas” poderia ser um grande filme, mas bate na trave. Ainda assim, diz muito sobre a Europa contemporânea, talvez mais por seus defeitos do que por suas qualidades.
O filme é a continuação de “Albergue Espanhol”, simpática comédia sobre um grupo de jovens vindos de vários países da Europa, que dividem um apartamento em Barcelona enquanto estudam na universidade. A geração do programa Erasmus, da formação de um continente unificado.
A ação de “Bonecas Russas” se passa cinco anos depois. Xavier, o protagonista do primeiro filme, está para completar 30 anos. Largou um emprego público para tentar ser escritor (só no cinema um francês faz isso!) mas vive de biscates televisivos para novelas de segunda categoria e de frilas como ghost writer. O que detona a trama é o convite para o casamento de um amigo em São Petersburgo, que leva Xavier a pensar no caos de sua vida amorosa.
O amigo em questão é William, o “vilão” de “Albergue Espanhol”, no sentido em que se envolvia em confusões por incorporar todos os esteriótipos nacionais (por exemplo, alemães são nazistas e italianos, desleixados). O rapaz evoluiu e se apaixonou por uma bailarina russa. A Rússia é mostrada no filme como uma prima pobre da Europa, cheia de cortiços decadentes e brega até o limite do possível.
Ao longo do filme, Xavier passa pela cama de quase todo o elenco feminino em busca da mulher ideal. Seu comportamento usual faz Jece Valadão soar como porta-voz contra as desigualdades de gênero. No fim, “Bonecas Russas” defende uma visão bastante convencional do amor, embora aqui e ali acene com a idéia de que existem outras possibilidades – a personagem mais feliz na sua vida romântica é a lésbica por quem Xavier se apaixonou em “Albergue”, e que agora é uma bem-sucedida jornalista econômica.
O filme é o retrato de uma Europa onde é difícil fazer a passagem de uma eterna adolescência às responsabilidades da vida adulta. Quase todos os protagonistas vivem de trabalhos temporários, frilas, biscates. Estão sempre sem grana e não parecem ter muita perspectiva do que querem da vida. São incrivelmente vazios e fúteis. Às vezes fazem vagos discursos contra a globalização.
Há um momento em que a ex-namorada de Xavier, Martine, viaja ao Brasil para participar do Fórum Social Mundial e volta entusiasmada com o que viu. Só que a personagem é tão chata que soa como uma agente infiltrada da turma de Davos. Não sei se a intenção do diretor foi homenagear o “outro mundo possível” do Fórum ou simplesmente ironizá-lo como delírio de pessoas frustradas e um pouco hipócritas.
No fim de “Bonecas Russas”, os personagens passam por várias aventuras, mas não mudam. Não há amadurecimento ou uma transformação significativa na vida. Falta um horizonte. Igualzinho à Europa contemporânea.
E a Itália, hein? Finalmente botou Berlusconi para fora, mas somente graças ao voto dos descendentes de italianos no exterior, que pela primeira vez puderam votar em representantes à Câmara e ao Senado, e escolheram a coligação de centro-esquerda liderada por Romano Prodi. “Bonecas Russas” não fala de imigrantes e estrangeiros na Europa, mas talvez esteja nesse contingente a pista para dinamizar o Velho Mundo.
3 Comentarios:
Grande Igor,
V ainda pode ser o grande filme do ano. Foi uma ótima surpresa, porque não achei que conseguissem fazer uma adaptação tão boa dos quadrinhos do Alan Moore.
Quanto à overdose de leituras, meu caro, são os ossos do oficio. Daqui para frente é isso, relatórios de embaixadas, esboços de tratados diplomáticos, por aí vai.
O que se pode dizer de um país que prende um líder mafioso na cidade de Corleone? A Itália é um clichê ambulante, parece um parque temático da Disney.
Abracci
Caríssimo santoro, bela dica. Gostei muito do Albergue Espanhol, e esse outro merece a conferida.
Quanto à Itália, o assustador é a capacidade do Berlusconi de ainda ser capaz de dividir o país...
Salve, Leo.
O Bonecas Russas não é tão bom quanto o Albergue, mas ainda assim vale a pipoca, em especial para quem gostou do primeiro filme.
O fato do Berlusconi ter tanto apoio de fato depõe contra a Itália. Receio que minha segunda pátria ande tão mal quanto a primeira.
Abraços
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