Renato Russo: temos nosso próprio tempo
Eu tinha 10, 12 anos e adorava desenhar. Foi assim que comecei a gostar de música: como trilha sonora enquanto preenchia pilhas de cadernos de ilustrações. Naquela época, a Legião Urbana tinha acabado de lançar “Quatro Estações”, disco (os CDs ainda não tinham se tornado populares) em que quase todas as canções viraram sucessos nas rádios. Paixão imediata. Renato Russo foi meu profeta da adolescência. Crítico social, poeta, trovador. Morreu no mesmo ano em que entrei para a faculdade – de jornalismo, mesmo curso que meu ídolo havia feito.
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fabrica?
Nesta semana assisti ao show-tributo a Renato exibido pela TV a cabo. Os outros membros da Legião brigaram com a família do vocalista e rolam disputas sobre direitos autorais. Talvez por isso a celebração tenha sido tão mixuruca. Típico caça-níqueis de gravadora: reunir um grupo de artistas que estão fazendo sucesso e colocá-los para cantar músicas de Renato, mesmo que não tenham nada em comum com as canções legionárias. Exceções: as apresentações do Capital Inicial e dos Titãs.
Pena que Cássia Eller não esteja mais entre nós – a meu juízo, ela foi a melhor intérprete de Renato Russo. Gosto mais das versões dela para “Por Enquanto” e “Primeiro de Julho” do que as da própria Legião.
Mudaram as estações e nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente
Verdade que há muito deixei de escutar Renato Russo. Dei vários dos CDs da Legião para meu irmão e o único que ainda ouço com freqüência é o “Dois” - gosto das canções de amor e do lirismo do disco. Muitas das mensagens políticas de Renato, que me comoviam na adolescência, hoje me soam simplistas, sobretudo a dos últimos 5 anos da Legião. Implico com as metáforas, com o tom melodramático. Algumas canções lançadas postumamente parecem tiradas de um manual de auto-ajuda. Prefiro a ambigüidade de Cazuza, a quem também admiro mais como poeta e letrista.
Temos nosso próprio tempo...
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens
Ainda assim, fica o carinho por Renato Russo e por aquele adolescente que vibrava a cada rock-denúncia da Legião. Foi uma parte importante da minha vida, como os cadernos cheios de desenhos, que infelizmente deixei de lado e joguei fora quanto a paixão pela literatura e pelo cinema bateu com força. Por coincidências, nesta semana vários amigos do segundo grau (acho que hoje em dia é ensino médio), a quem não há via há anos, me procuraram. Constatei o tamanho da distância que nos separa.
Nesta manhã de sábado, enquanto coloco as roupas para lavar e arrumo a estante, quem sabe coloque a Legião para tocar. Só um pouquinho. Só por hoje.
Os sonhos vêm, os sonhos vão. O resto é imperfeito.
6 Comentarios:
Maurício,
o poeta levanta-se do túmulo, arqueia um cumprimento elegante - muito educado -, agradece a homenagem e diz que o show não pode para.
Abraço,
Renato Feltrin
Maurício,
perdão pelos dois comentários em linha, mas é irresistível. Posto abaixo um texto antigo, escrito pelo César Chevrand no extinto blog "Clínica Tobias". É meio longo, mas há de agradar.
Abraço,
Renato Feltrin - de novo.
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"Feedback letter for a dead friend
Caro Renato,
Não seja temperamental. Ainda faltam onze minutos para o fim do seu aniversário. Tenho tempo ainda para uma modesta homenagem.
Quarenta e três anos? Quem diria...
Às vezes penso que se cumpriu a profecia, meu caro. Você mesmo disse que os bons morrem antes. Faltou dizer apenas que permanecem para sempre.
Para sempre? Sabe, Renato, nem sempre gosto de quem vai mais cedo. Nem sempre. Porra, faltou a melhor entrevista da sua e da minha vida. Aquele porre de uísque até o dia nascer feliz pelo seu aniversário não aconteceu....
Enfim, mal consigo imaginar o seu rosto envelhecido como a capa do segundo elepê da Legião que está guardado na estante. Você certamente não se recorda, mas nos conhecemos em 1986. Minha prima nos apresentou.
Fomos amigos desde então. Renato, como eu poderia agradecer por tudo? Por dizer o que eu queria, o que eu poderia e o que eu temia dizer. Por seu conforto dentro da noite veloz. Pelos papos ainda intermináveis.
Você sabe bem que jamais o perdoarei por ter escrito sobre a minha vida assim, tão despudoradamente. Você me deixou nu perante todos, camaradinha. Sorte que preservou minha identidade. Você nunca prestou e por isso tem a minha admiração.
Mas não vamos brigar por causa disso.
As coisas não estão boas por aqui, sabe. Ontem faltou água, anteontem faltou luz. Mataram o menino, tinha arma de verdade. A gente ainda não se respeita e está longe disso. Por isso tanto álcool e tanta nicotina. Na corda bamba da insanidade, a fim de equilíbrio. Mas é só tristeza. Ainda bem que você não está aqui para saber de algumas coisas.
Ah, uns amigos dizem que você está datado. Outros afirmam que você não fazia nada melhor do que três acordes. Você acha que eu deveria defendê-lo? Acha mesmo? Sabe o que é? Não acho que valha a pena, não. Vamos beber, fumar e rir da cara deles, bicho!
Estou com saudade. Já lhe disse que aprendi a rimar romã com travesseiro? Era tempo de começar a ficar livre, né? Espero. Acho que sim. Não se preocupe, hoje não dá, mas amanhã vai ser.
CRISTINHA também sente sua falta. Sempre falamos de você. Outros amigos mandam parabéns pelo aniversário.
De hoje em diante todo dia vai ser o dia mais importante, Renato. Obrigado também por isso. Vou comprar Jack Daniels, fumo, um disco do Coltrane e esperar o seu telefonema.
P.S.: É tão difícil cantar Andrea Doria...
Até mais ver. Beijos e abraços,
César"
Nossos ídolos da juventude refletem, de certa maneira, nossa própria ingenuidade à época. Tudo deve ser entendido dentro do contexto correto, afinal... :)
Meu Prelúdios e Noturnos (autografado!) também foi para o limbo dos clássicos emprestados... Sniff!
Beijos!
Car@s,
nosso nome é Legião, pois somos muitos. Renato, excelente a carta do César. Cheguei a pensar em escrever o post como uma carta ao seu xará - engraçado como a gente sente uma certa intimidade com ele, como se fosse um amigo de adolescência que não vemos há muito.
Abraços
Caramba!
Não sabia que vc era jornalista!
Fui ao show do Tributo, e o que mais me deixou triste foi justamente não ter sido trabalhado à altura do que merecia Renato. E a Legião. Porque Dado e Bonfá ficaram de fora. Foi decepcionante. De qualquer forma,valeu à pena. Não cheguei a ir em um show da Legião, por isso ver todas aquelas músicas tocadas ao vivo mexeu comigo.
Bjs
Mariana Antoun
Mari,
hoje em dia sou mais cientista político, mas ainda escrevo "jornalista" nas fichas profissionais dos hotéis e do imposto de renda. Velho vício.
Um dia RR terá o tribuo a altura do seu talento. Vamos esperar.
bjs
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