sábado, março 25, 2006

Trinta Anos Nesta Noite


“Nos sentimos protegidas, acompanhadas por tantos jovens. Não podia imaginar que viesse tanta gente”, conseguiu dizer uma emocionada Hebe de Bonafini no momento em que subia ao palco localizado no meio da Praça de Maio. Enquanto os rapazes gritavam “Madres de la Plaza, el pueblo las abraza”, León Gieco começou o recital. A canção que que todos lhe pediram não podia ser outra, foi La memoria.

Assim o jornal "Página 12" abriu sua reportagem principal no dia em que os argentinos comemoram 30 anos do golpe militar que instalou a mais sangrenta ditadura da América do Sul. Escrevo "comemorar" no sentido etimológico da palavra. Lembrar em conjunto.

A Argentina teve 6 golpes de Estado entre 1930 e 1976. O último veio como reação ao caótico governo de Maria Estela de Perón, uma dançarina de cabaré que dava expediente extra como terceira esposa de Perón, vice do marido na chapa à presidência e titular depois que ele faleceu durante seu segundo mandato. Dona Maria Estela governou com mão de ferro e um assessor bruxo, José Lopez Rega, que acreditava em duendes e na matança de inimigos, reais ou imaginários. A gestão da economia foi igualmente turbulenta, mesmo para os padrões do nighclub panamenho onde a presidente conheceu Perón.

Os militares instituíram o chamado "Processo de Reorganização Nacional", ou simplesmente o Processo. O objetivo era reconstruir a sociedade argentina e eliminar de vez as fontes de instabilidade ("subversão", como se dizia na época) através de reformas profundas. Politicamente, foi uma guerra suja com prisões clandestinas, torturas e 30 mil assassinatos. Economicamente, os argentinos foram pioneiros (ao lado dos chilenos de Pinochet) em aplicar na prática as idéias neoliberais. Lançaram o país num abismo recessivo de onde nunca saiu.

Na política externa, quase declararam guerra ao Chile por ilhotas no canal de Beagle. E foram às vias de fato com a Inglaterra, pelas Malvinas. "Dois carecas brigando por um pente", na célebre definição de Jorge Luís Borges.

Kirchner era um jovem ativista da esquerda peronista nos anos 70 e sua chegada à presidência trinta anos depois é um acerto de contas com o passado. Revogou leis de anistia anteriores e começou a julgar muitos dos militares acusados de crimes contra os direitos humanos. Transformou o mais infame centro de torturas do período, a Escola de Mecânica da Marinha, num Museu da Memória.

Declarou feriado nacional a data do golpe. Comemorar. Lembrar em conjunto.

Como sempre, a organização da sociedade civil argentina impressiona. As Mães da Praça de Maio, Pietàs de carne e osso. Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz por sua atuação contra a ditadura. A articulação dos artistas, transformando o drama dos desparecidos no filme ganhador do Oscar, "A História Oficial". São as pessoas que estão novamente nas ruas de Buenos Aires, para recordar e seguir vivendo. Num país diferente.

E criticando o governo Kirchner pela ocupação do Haiti. Aquela mesma que Lula diz ser exemplo de "diplomacia solidária". Adoro esses argentinos

2 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Você adora os argentinos e eu sou fã desse blog, compadre. Parabéns pelo belo post.

março 26, 2006 4:51 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Mestre Luiz,

Os Conspiradores e o Soy Loco por Ti são blogs irmãos, e quem sabe um sinal de esperança de que chegou ao fim o longo período em que o Brasil ficou de costas para nossa América.

Força sempre!

Abraços

março 27, 2006 10:26 AM  

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