sexta-feira, março 10, 2006

O Fator Humano


Um subproduto do meu trabalho em relações internacionais é um entusiasmo crescente com romances de espionagem. Minha santíssima trindade é John Le Carré, Frederick Forsyth e Graham Greene. Todos ingleses. Le Carré escreveu o clássico contemporâneo do gênero, "O Espião Que Saiu do Frio", e tem navegado com sucesso por novos mares, como em "O Jardineiro Fiel". Forsyth é o mais convencional dos três, com seus heróis capazes de proezas quase superhumanas. Mas penso que do ponto de vista da beleza literária, Greene
(foto) é o campeão.

Recentemente li seu "O Fator Humano", que sintetiza o que mais gosto nele. Maurice é um velho espião quase aposentado, que vegeta na seção africana do Serviço Secreto. Arthur é seu jovem e inquieto subordinado, irritado por passar os dias escrevendo relatórios sobre a produção de amendoim no Zaire, enquanto se compara desfavoravelmente a James Bond. Quer ação. Ambos acabam tendo mais do que desejam quando passam a ser suspeitos de vazar informações para os soviéticos.

Maurice é um veterano do MI6, mas nada tem de heróico. É um burocrata sério, competente no seu ofício. Mas o "fator humano" entra em ação: ao servir na África do Sul, então sob o apartheid, ele se apaixonou perdidamente por Sarah. Foi descoberto pela polícia secreta local, mas conseguiu fugir com a mulher, com quem se casou na Inglaterra. Ao mesmo
tempo que precisa lidar com o vazamento, Maurice tem que cooperar com seu antigo inimigo na África do Sul, que se tornou um importante aliado para os britânicos nos campos de batalha da Guerra Fria.

É um ótimo romance de espionagem, com as reviravoltas no enredo que se espera do gênero, e muito mais: humor, ótimos personagens, tensão psicológica... Greene foi do serviço secreto durante a Segunda Guerra Mundial, operando sob chefia de Kim Philby, um dos mais célebres agentes duplos que a KGB infiltrou na Europa. Greene manteve a amizade com o antigo chefe, que costumava lhe corrigir sobre detalhes acerca do cotidiano na URSS. Isso sem dúvida contribuiu para a interessantísisma discussão do livro sobre o que leva um homem a trair sua pátria, ou mesmo se o nacionalismo é mais importante do que outras relações humanas. Tenho minhas dúvidas. Há muitos países por aí que não valem nem um "bom dia".

Enquanto isso, no mundo real, o debate sobre a eficiência da espionagem está na ordem do dia nos EUA, dado o fracasso das agências de informação em lidar com o 11 de Setembro e os problemas com a Al-Qaeda e o Iraque. Um dos pontos mais debatidos é que os americanos resolveram apostar suas fichas na tecnologia, em detrimento da formação e infiltração de agentes no exterior. O fator humano continua a ser chave para o sucesso nas guerras, frias ou quentes. Greene entenderia muito bem.
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