quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Bono e a Filantropia


Assisti pela TV ao show do U2 em São Paulo. Gostei muito. Belas interpretações para canções como "One", "Where the Streets Have no Name", "Sunday Bloody Sunday", entre outras. Houve até leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Bono é bastante engajado na filantropia internacional. A Time o apontou como uma das pessoas do ano de 2006, ao lado de Bill e Melinda Gates, que presidem uma gigantesca fundação de caridade. Em que medida a filantropia ajuda a resolver problemas sociais?
Vou me concentrar na África, tema que até já rendeu post por aqui.

Existe um grande fluxo de caridade privada para o continente africano, em geral por agências ligadas a associações religiosas. E há também a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD), doações feitas por governos de países ricos. Numa série de conferências internacionais desde os anos 70, foi acordado que a AOD seria de 0,7% do PIB dessas economias, mas só os nórdicos cumprem a meta.

Recentemente o economista Jeffrey Sachs (na foto, com Bono) escreveu "O Fim da Pobreza", prefaciado pelo vocalista do U2, no qual defende que se os acordos relativos à AOD forem cumpridos, será possível erradicar a miséria no mundo nos próximos 25 anos. As teses de Sachs envolvem seu trabalho na ONU, como um dos responsáveis pelas Metas do Milênio. Li o livro durante minha viagem à Venezuela e acho que tem méritos, em especial ressaltar a relação entre saúde pública, degradação ambiental e desenvolvimento. Para Sachs, a AOD é vital para investir em infraestrutura, como estradas e eletricidade, e romper o círculo vicioso de doença e destruição dos solos que tem levado a quedas brutais da produtividade agrícola na África.

Ele afirma que o fim dos subsídios agrícolas nos EUA e na Europa não teria grande impacto entre os países africanos mais pobres, e beneficiaria sobretudo nações em desenvolvimento que são grandes exportadoras de alimentos, como Brasil e Argentina.

Outro ponto ressaltado por Bono e por Sachs, são as campanhas por abolição (ou diminuição) da dívida externa dos países africanos. O pagamento de juros consome a maior parte da receita dos governos do continente, em função de compromissos assumidos por ditaduras. O movimento tem ganhado força, sobretudo na Europa. O ministro da Fazenda do Reino Unido, Gordon Brown, tornou-se um dos principais defensores dessa idéia. Está capitalizando apoios para substituir Tony Blair como primeiro-ministro.

Tanto a AOD quanto a caridade privada freqüentemente seguem a agenda política definida pelos doadores. "Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão", diz o provérbio. Isso dá margem a conflitos, na medida em que as prioridades do mundo desenvolvido nem sempre são encaradas como tal na África. Mas o problema principal é a formação de uma cultura da dependência, envolvendo elites corruptas e as agências de financiamento. O escritor moçambicano Mia Couto é um mestre na sátira desse relacionamento.

Não existem soluções fáceis para nenhum dos grandes problemas que afligem à África. Ainda assim, acredito que a ajuda internacional - pela forma privada ou pela AOD - tem um papel a desempenhar. As atividades de um artista de projeção internacional como Bono são relevantes. Cada vez mais me convenço que a grande divisão política do mundo é entre os indiferentes e aqueles que se importam. Talvez por isso o ativismo de celebridades como o vocalista do U2 irritem tanta gente: ele força as pessoas a se defrontarem com a própria indiferença, o que nunca é agradável.

4 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Sempre que uma pessoa que tem o poder de influenciar a opinião pública e quem tem poder de decisão de maneira positiva o faz, deveríamos comemorar - e muito. Como você bem sabe, Mestre, é muito mais fácil encontrar gente engajada de fato entre os peixes pequenos do que entre os tubarões...

Admiro à beça o trabalho que o Bono faz neste sentido porque não é só da boca pra fora, ou pra melhorar sua imagem, já que ele não precisa disso. Ele realmente acredita nas causas que defende, especialmente se você compará-lo com o Gordon Brown, que obviamente toma decisões de acordo com o que for mais vantajoso politicamente. Bravo, Bono!

fevereiro 23, 2006 11:21 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

É, Nica, concordo... Quando mais a gente olha para o alto, mais difícil é encontrar autenticidade. Embora eu ache que artistas como Bono, Clooney ou Gore Vidal estejam fazendo um belo trabalho.

A Folha publicou um texto muito duro contra Bono que expressa bem as posições de indiferença que mencionei. Segue o link:

http://smartshadeofblue.brblog.com/archives/002463.html#more

Bjs

fevereiro 24, 2006 10:47 AM  
Blogger Lernanto said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Legal esse texto. É como a Nica disse: "é muito mais fácil encontrar gente engajada de fato entre os peixes pequenos do que entre os tubarões". mas é ótimo encontrar um bom tubarão por aí. :-)

fevereiro 28, 2006 9:09 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Lernanto,

sem dúvida! O texto que o BB indicou mostra que há muito tubarão investindo bastante em filantropia.

BB,

grazie por mais essa boa indicação. Está na nova seção de links aí ao lado.

Abraços

março 02, 2006 12:52 PM  

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