terça-feira, fevereiro 07, 2006

Cruzada em Cartuns


Em outubro de 2005, um jornal dinamarquês publicou cartuns ligando Maomé à violência e ao terrorismo. Nada aconteceu. Meses depois, muçulmanos que moram na Dinamarca divulgaram as charges em países islâmicos. Encontraram governos ansiosos para demonstrar seu suposto compromisso com a religião. O resultado foi uma explosão de protestos em várias cidades da Europa, África e Oriente Médio e a depredação de embaixadas na Síria, no Líbano, bem como choques entre cristãos e muçulmanos no Líbano.

Está em curso um debate acalorado sobre liberdade de expressão. Os cartuns dinamarqueses são ofensivos? Sim. Para o Islã, é proibido representar Deus ou os profetas, em qualquer circunstância. E as caricaturas são um humor grosseiro, que equipara os símbolos religiosos ao terrorismo. Os ativistas islâmicos reagiram na mesma moeda, publicando cartuns anti-semitas que questionam até a verdade histórica do Holocausto.

Pode-se argumentar que quase todo humor é ofensivo a alguém. Portanto o jornal dinamarquês tem todo o direito de publicar seus cartuns, mesmo que eles não agradem aos muçulmanos. Concordo que sim. Só que o mesmo jornal recusou-se a publicar caricaturas satirizando Jesus Cristo. Por que usar um padrão para o cristianismo e outro para o Islã? Reforça a crença dos muçulmanos na Europa de que são considerados cidadãos de segunda categoria.

Se eu fosse editor do jornal dinamarquês, não teria publicado os cartuns. Cervantes escreveu que preferia perder um braço a inspirar um mau pensamento em alguém. Quem trabalha com comunicação de massas precisa levar em conta o impacto de suas palavras. O ambiente internacional em que vivemos está carregado de tensões, preconceitos, falta de informação e ódios raciais e religiosos à flor da pele. Todo jornalista deveria pensar duas ou três vezes antes de contribuir para a difusão de um esteriótipo e para o fortalecimento do extremismo político.

Recebi por estes dias um telefonema de uma amiga que está nos EUA, com bolsa do governo americano, estudando segurança nacional. Ela me contou horrorizada sobre a radicalização das universidades locais, com todos os professores defendendo guerras (o alvo favorito é a China, para asco dos estudantes chineses do grupo, que falam das intenções pacíficas do seu país) e vendendo doutrinas baratas de imposição de valores culturais e econômicos.

A paz começa nas mentes humanas, diz o documento fundador da Unesco. As guerras também. Esse espírito de cruzada em cartuns é como uma profecia auto-realizável. Atribui-se aos muçulmanos as características mais violentas, quando reagem com agressividade é só exclamar com todo o conforto das certezas absolutas: “Eu não disse?”.

6 Comentarios:

Blogger Geraldo Zahran said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício,

A liberdade de expressão é só mais uma derivação do princípio iluminista de Liberdade. E como diz o dito: "A liberdade de um indivíduo termina quando começa a de outro."

Dê uma passada lá em nosso blog. Começamos agora. Por coincidência temos um post sobre o mesmo assunto.

picadeirobrasil.blogspot.com

Grande abraço,

fevereiro 07, 2006 9:37 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Oi, Maurício:
De todos os comentários que li em jornais, sites e blogs a respeito deste assunto dos cartuns, com certeza o seu foi o mais brilhante, como já era de se esperar.
Tomo a liberdade de reproduzir o texto com os devidos créditos no meu blog.
Abraço!

fevereiro 08, 2006 1:21 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá, Geraldo.

Não consegui acessar o seu blog aqui do trabalho, mas tentarei amanhã do Iuperj. Imagino que esteja ótimo!

Oi, Regina.

Obrigado, fico feliz em saber que você gostou. O assunto deve continuar quente pelos próximos dias.

Abraços

fevereiro 08, 2006 11:07 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Ainda acho que é mais um caso de um pequeno grupo de fanáticos aproveitando um fato polêmico pra causar confusão. Imagina se os católicos no Brasil fossem querer matar o Allan Sieber depois que ele fez Deus É Pai? Sou completamente a favor de protestos, desde que dentro dos limites da razão.

fevereiro 08, 2006 2:06 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Acho que a coisa é mais séria do que isso, Nica. Foram ondas de protestos da Somáli à Indonésia, atravessando desde regimes autoritários até democracias.

Claro que a questão das charges foi apenas o estopim que acendeu o barril de pólvora, mas a freqüência com que isso tem ocorrido mostra o acúmulo de tensões. Como diz um amigo, o mundo está parecendo em 1913, à beira de um grande conflito.

Bjs
Mauricio

fevereiro 09, 2006 10:42 AM  
Blogger Glauco Paiva said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Urbi omini vincit. Até o momento em que a casa cai.....

fevereiro 10, 2006 5:01 PM  

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