Ser, Verbo Transitivo
Nos anos 80, Israel transferiu para o país cerca de 8 mil judeus etíopes - supostos descendentes de Salomão e da Rainha de Sabá. Foram levados da África numa ambiciosa operação de resgate, mas sua adaptação à sociedade israelense é problemática, marcada por choques culturais, preconceitos e altas taxas de suicídio. Desse material histórico Radu Mihaileanu realizou um interessantíssimo filme. Em português tem o título de "Um Herói de Nosso Tempo", no original é algo como "Vá, Veja e Transforme-se" (Va, Vis et Deviens).
O protagonista é um menino etíope, cristão, cuja mãe faz com que se passe por judeu para poder sair do país, fugir da miséria e ter a possibilidade de uma vida melhor. Em Israel, é adotado por uma família de classe média e cresce com profundas dúvidas de identidade, com o agravante de que precisa esconder sua verdadeira história.
Ser ou não ser é uma das perguntas fundamentais de qualquer pessoa, bem sabia o príncipe Hamlet, mas talvez não haja região do mundo em que ela seja mais importante do que no Oriente Médio, onde define as fronteiras e a linha de amigo/inimigo nos conflitos de vida e morte.
A resposta a esses questionamentos nunca é simples. Na gramática psicológica, ser é verbo transitivo, que exige muitos complementos. A família israelense que adota o menino etíope é judia, evidentemente, mas secular, de origem francesa - é esse idioma, e não o hebraico, que falam em casa. Também são militantes de esquerda, o que influi profundamente em suas escolhas de vida e posições políticas. Todos esses elementos se combinam com a herança etíope para formar a identidade do protagonista, que convive ainda com pessoas de diversas nacionalidades e correntes religiosas, num ambiente de tensões constantes que com freqüência explodem em confrontos e racismo.
Claro que também há lugar para amor, afeto e compreensão. Radu inovara ao tratar o Holocausto com humor em seu filme anterior, "Trem da Vida" e neste injeta pitadas de diversão que ajudam a relaxar e ganham a empatia do público. Às vezes o diretor parece nos dizer que problemas de identidade tornam a vida mais complicada, mas igualmente mais rica, como nas festas multiculturais do filme e num estupendo concurso de retórica numa sinagoga sobre o tema da cor de Adão.
Com exceção do final melodramático, "Um Herói de Nosso Tempo" é um filme extraordinário sobre as possibilidades de conjugação do verbo ser, no turbulento pano de fundo do Oriente Médio durante a Guerra do Golfo, os acordos de Oslo e a segunda intifada. Por coincidência, vi-o no mesmo dia em que morreu o ex-presidente iuguslavo Milosevic - figura que exemplifica como poucas as conseqüências trágicas dos massacres étnicos cometidos em nome de uma "identidade pura".
4 Comentarios:
Mestre, 'housewarming parties' são o que nós conhecemos na Tupilândia como open house, ou festa de inauguração de casa nova. ;)
Querida Nica,
eu ia deixar no meu comentário a pergunta se housewarming "em português" seria open house. Gostei mais da idéia de esquentar a casa. Vou adotar e difundir o termo por aqui!
Bjs
Caro Igor,
meu amigo Glauco Paiva certa vez me recitou um verso de Pessoa que era mais ou menos assim:
"Porque é preciso viver, e não apenas existir"
Ao que meu amigo Fábio Vale retrucava:
"A gente precisa existir até encontrar uma razão para viver"
Em todas as conjugações e geografias.
E o nosso almoço?
Abraços
O Fábio Vale em questão sou eu?
Não estou lembrado dessa história. Mas, se fui eu, até que falei bonito! Meio deprê, mas bonito. :)
Ah, e quando é que vai marcar uma bagunça aí na casa nova?
Abraços!
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