quinta-feira, março 30, 2006

O Caleidoscópio de Israel



Arafat morreu, Sharon está em coma, o Hamas chegou ao poder na Palestina e Irã e EUA estão numa crise internacional pelo programa nuclear de Teerã. Neste contexto os israelenses foram às urnas e o resultado aumenta a instabilidade no Oriente Médio. Numa votação em que o "vencedor" levou 1/4 do parlamento, teremos pela frente um difícil governo de coligação no qual os pequenos partidos extremistas ganham peso desproporcional.

O partido mais votado foi o Kadima, agremiação de centro criada pelo primeiro-ministro Ariel Sharon pouco antes de seu derrame. O ponto principal do programa do Kadima é a retirada unilateral de Israel da Faixa de Gaza (realizada em 2005) e de algumas zonas da Cisjordânia. Claro que isso exclui Jerusalém e áreas-chave para a segurança do país, como as Colinas de Golã e o controle do rio Jordão. Mesmo essa proposta moderada foi suficiente para causar tal furor na direita que Sharon teve que deixar o tradicional partido Likud.

O segundo lugar ficou com o Partido Trabalhista, que muito provavelmente se aliará ao Kadima no programa das retiradas. Ambos, somados, tem 48 cadeiras em 120. Precisam de pelo menos mais 13 para ter a maioria parlamentar.

Aí entram os pequenos partidos, representantes do caleidoscópio étnico-religioso de Israel. O Shas (13 cadeiras) representa os ultra-ortodoxos, principalmente os que vieram de países árabes). O Yisrael Beitenu (12 deputados), Israel Nossa Terra, é a sigla dos imigrantes russos, que chegaram em massa após o colapso da URSS. É fortemente anti-árabe, assim como o Shas.

O Likud foi o grande derrotado das eleições. O outrora todo-poderoso partido da direita israelense chegou num humilhante quinto lugar, com 11 cadeiras. A razão não foi tanto a oposição à política linha-dura contra os palestinos, e sim uma rejeição do eleitorado mais pobre aos cortes nas políticas sociais realizados pelo Likud.

Esse descontentamento também explica o bom resultado do recém-criado Partido dos Aposentados (7 cadeiras) que quer mais proteção para idosos e pode ser um bom aliado à coligação Kadima-Trabalhistas. E tem muitos eleitores jovens, que acreditam em sua proposta. É engraçado pensar que enquanto jogam petecas ou disputam partidas de damas, os aposentados israelenses são também os fiéis da balança do processo de paz no Oriente Médio. O bizarro é que o líder do partido é um ex-agente secreto do Mosssad, que participou da captura de criminosos de guerra nazistas!

Em suma, o primeiro-ministro Ehud Olmert (na foto, acima de Shimon Peres e Sharon), líder do Kadima, vai precisar de muita habilidade para montar sua coalizão, convencer Israel da retirada unilateral de partes da Cisjordânia e ainda lidar com as tensões inevitáveis vindas do Hamas e da crise EUA-Irã. Seria uma tárefa árdua
mesmo para o rei Salomão, aquele de grande sabedoria e que preferiu a rainha de Sabá, que era mulata.

O comparecimento eleitoral foi de 63%, o mais baixo em muitos anos em Israel. Talvez isso se deva às denúncias de corrupção e caixa 2, que atingiram boa parte da elite política do país, inclusive o filho de Sharon. Deve ser terrível viver num país em que os governantes se dedicam a essas práticas!

***

Enquanto isso, na América Latina: um amigo repórter do Globo defendeu em 2005 dissertação de mestrado sobre mídia e relações internacionais. Resolvemos aplicar os conceitos que ele apresentou num estudo sobre a "diplomacia midiática" do governo Chávez, a partir da minha experiência de trabalho na Venezuela, durante o Fórum Social Mundial. Analisamos a retórica de Chávez, a criação da Telesur, e o patrocínio venezuelano ao FSM e à escola de samba Vila Isabel. Buscamos examinar as possibilidades e limites dessas estratégias. O artigo foi publicado no Observatório Político Sul-Americano e convidamos vocês a lerem e debaterem o tema.

4 Comentarios:

Blogger mariluca said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Queridos mestres ;)

Goastei bastante do texto sobre a eleição em Israel... realmente esclarecedor :) (Andei com preguiça de ler jornal nas últimas duas semanas).

Li todo o artigo sobre a Diplomacia Midiática no Governo Chávez...dava horas de discussão. Pela minha experiência pessoal de Forum, por ter acompanhado a implementação da Telesul e por estar justamente estudando essa relação entre mídia e diplomacia (engatinhando, claro).
A idéia central do artigo vai de encontro ao que proponho analisar na minha mono de forma mais genérica: a idéia da informação como um instrumento de poder e como um objeto de desejo (e disputa) do poder.
A Telesul efetivamente não tem pretensão de concorrer com as grandes agências, mas justamente preencher uma lacuna há muito contestada, desde a iniciativa da Tanjung, agência iuguslava d ogoverno Tito, dentro do projeto da NOMIC. Iniciativas sufucientemente perturbadoras para a lógica hegemônica. O Forum não se deixaria ser instrumentalizado, mas ao mesmo tempo seus organizadores sabem que há o risco dele se perder( menos por não "agir" e mais pela pulverisazão exagerada de suas discussões).
Já a Vila, sem comentários. Compartilho da avaliação feita, sem tirar nem por. Foi um belo tiro certeiro!

bjs!
mariana antoun

março 30, 2006 3:49 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, car@s.

Igor, estou no meio de leituras sobre o conflito árabe-israelense. Semana passada li “Arafat, o irredutível”, uma biografia elogiosa do líder palestino, escrita por um jornalista do mesmo povo.

Agora devoro “Seis Dias de Guerra”, do historiador israelense Michael Oren. Excelente trabalho, bem objetivo e representando a nova geração de historiadores que tem reinterpretado a história de Israel.

O país é bem maior do que o Likud e do que a indústria do Holocausto. Já estou fã dos aposentados liderados pelo ex-agente do Mossad, tomara que os daqui também se organizem. O INSS que se cuide!

Mariana, espero que a gente possa conversar sobre seu projeto, porque o tema mídia e RI é quentíssimo. Quem sabe você não foca sua monografia na experiência do FSM? O seu trabalho na Ciranda da Informação pode render um trabalho bem interessante.

Aliás, o Leo, que escreveu o artigo comigo, pretende continuar a se dedicar ao assunto no doutorado, talvez pesquisando especificamente sobre o Chávez.

Abraços

março 31, 2006 10:00 AM  
Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Olá Maurício,

primeiro, permita-me dizer que fico muito contente em ver dois ex-colegas de redação militando com tanta desenvoltura na análise da política internacional, área a que também tenho me dedicado nos últimos anos, como vocês sabem.

Li a dissertação do Leo e concordo com a análise que vocês fazem da estratégia chavista. No entanto, creio que o projeto de diplomacia midiática que Chávez tenta implementar corre o mesmo risco que o FSM: virar folclore. A luta por um discurso contra-hegemônico a que o Leo se refere é uma luta pela imposição de enquadramentos (O Sul com pelos olhos do Sul)e deve-se considerar não só a força do hegemônico em sua autopromoção, mas também seu poder de desqualificar vozes divergentes. Ainda mais quando essa voz é uma figura facilmente caricaturável como Chávez. Abraças o Maradona e gritar do público "Alca, Alca al carajo" pode encher os olhos de uma parcela da esquerda (festiva?), mas pode também ser eficientemente aproveitado pelo bloco hegemônico para caracterizar o patético, o grotesco, o ofensivo. Na América do Sul, em geral, não se dá grande valor ao que é produção sul-americana. E embora o objetivo da diplomacia midiática seja justamente pressionar numa direção contrária a essa, o limite entre enfrentar esse discurso e corroborá-lo é tênue, sobretudo para Chávez.

Só para terminar: estou trabalhando aqui na UVV com a Evelyn, que faz doutorado contigo. Gente boa!

Granded abraço,

Rodrigo Cerqueira

março 31, 2006 3:01 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Grande Rodrigo,

já estava sabendo da sua ida para a UVV e fico muito contente por você. Acho que você vai gostar muito da universidade, dos alunos e da cidade. Boa sorte na nova empreitada!

Legal ter seus comentários aqui no blog. Concordo contigo: o risco da folclorização das iniciativas do Chávez é muito grande.

Mas minha experiência de trabalho na América Andina é que a esquerda de lá é fortemente anti-americana, e nesse sentido o presidente da Venezuela fala a língua de seu público. É impressionante a empatia entre orador/platéia.

Uma das minhas dúvidas é se a Telesur sobreviverá ao Chávez...

Enfim, aproveitando o embalo, você pode me mandar sua dissertação sobre a imprensa e a política externa do FHC? O e-mail é msantoro@iuperj.br.

Abração

março 31, 2006 4:11 PM  

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