The Buenos Aires Affair
Em abril de 2004, passei a semana santa na Argentina. Eu começara meu doutorado no mês anterior e estava em busca de um tema de pesquisa – como fiz a passagem direto do mestrado, não precisei apresentar projeto. Minha idéia era desenvolver algo na linha “relações Estados Unidos – América Latina” e achei que uns dias em Buenos Aires poderiam ajudar.
A cidade trazia as marcas e cicatrizes da crise ainda recente, com memoriais aos mortos nos conflitos do fim de 2001, bancos pichados e depredados em protesto ao corralito e o aspecto generalizado de uma velha senhora que tenta manter a dignidade apesar dos tempos difíceis. No último dia antes da volta ao Brasil, já tinha visitado os principais pontos turísticos e resolvi ir ao cinema. Estava em cartaz o documentário Memória Del Saqueo, de Fernando Solanas, tremendo registro do declínio da Argentina. A platéia, formada majoritariamente por respeitáveis casais de meia idade, vaiava e xingava os políticos. Chorava nas cenas que mostravam crianças passando fome, novidade brutal no país.
Estive em muitas sessões de cinema na vida, mas nenhuma tão importante quanto aquela. Ao sair da sala, disse a meu irmão: “Quero entender este país”. Adeus, EUA. Meu tema de tese de doutorado seria a política contemporânea da Argentina. Também foi o início da paixão por Buenos Aires, affair que completa agora dois anos, com boas novas no horizonte.
Qualquer estudante de doutorado no Brasil pode solicitar ao governo uma bolsa para estágio no exterior, mais conhecida como doutorado-sanduíche. O aluno passa até um ano numa universidade estrangeira, realizando pesquisas para sua tese. Poucos países têm um sistema tão sofisticado e eficiente de auxílio à pós-graduação, creio que nenhum deles no mundo em desenvolvimento. Muitos dos meus colegas de Iuperj fazem sanduíches, em geral nos EUA ou na Europa.
Recentemente, aumentou bastante no instituto o interesse por América do Sul. Foi criado um Observatório dedicado à política da região, assinados convênios com universidades do continente e iniciado um bom fluxo de professores-visitantes. O próximo passo no processo é o envio de doutorandos do Iuperj a outros países sul-americanos. A primeira foi uma amiga que seguiu em novembro para a Argentina, para estudar o Congresso de lá. É possível que eu seja o segundo da lista, em setembro.
A sugestão me foi feita por meu orientador, com apoio de outros professores. O projeto é cursar uma disciplina sobre política internacional na América do Sul, na Universidad Torcuato di Tella, em Buenos Aires, enquanto realizo entrevistas para a tese com políticos, diplomatas, acadêmicos e ativistas de movimentos sociais.
Além dos ganhos acadêmicos, penso na riqueza como experiência de vida. Viver um semestre num país estrangeiro, numa cidade com grande movimento cultural. Melhorar meu espanhol e tentar aprender um pouco mais sobre a hispano-américa que tanto me fascina.
Já tenho o OK do Iuperj e da Di Tella – as regras do sanduíche exigem uma orientadora local, e consegui uma excelente, por indicação do meu orientador brasileiro. Também já solicitei as licensas dos meus empregos. O que falta? Apresentar os documentos exigidos pela CAPES e esperar pela avaliação do pedido de bolsa, o que leva alguns meses – creio que a resposta definitiva só sai em julho. Se tudo correr bem, em breve Os Conspiradores será escrito de um café portenho, como o da foto.
5 Comentarios:
Te desejo toda sorte do mundo.Argentina para mim, por enquanto, apenas como turista.
Grande abraço
Salve, Igor.
Muito obrigado, um pouco de Fortuna nunca é demais, já dizia o velho Maquiavel. Estou cheio de projetos para a viagem, incluindo um livrinho que pretendo escrever. Depois conversamos sobre isso.
Julio,
acho que rola antes. E que tal um vinho com o alfajor?
Sérgio,
gracias, gracias. Mas quem sabe você não se empolga com a possibilidade de um trabajo en Argentina?
Abraços
A Mônica Hist como orientadora? Excelente é pouco! Vais bem, caro Maurício, sinta daqui a inveja (da boa, com votos de sucesso) do leitor contumaz.
Buenos Aires é uma belíssima cidade... Mas vinho com alfajor, faça-me o favor! só se for um porto. E, lembre-se, na Argentina, os melhores vinhos são os chilenos. Diga isso em voz alta em uma rua bem movimentada. Vai ser espetacular para sua vida social.
Espero que você passe o Natal no Rio, senão perderei a chance de conhecer a casa nova. ;)
Parabéns e boa sorte! :)
Grande Sergio,
alfajor numa ocasião, vinho na outra. Quanto aos comentários sobre a produção chilena, irei reservá-los para o dia em que gritar em plena calle Florida, "Las Malvinas son inglesas!".
Querida Nica,
estou com vontade de passar o finalzinho de dezembro viajando pela Patagônia e os Lagos Andinos. Talvez a gente se desencontre na sua estada no Rio. Vamos ver. :-(
Abraços
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