segunda-feira, abril 03, 2006

Vamos Invadir Sua Praia



Mi vida va proibida, dice la autoridad
Mano Chao, "Clandestino"

Uma das minhas melhores amigas acaba de voltar de uma temporada de três meses nos EUA, com bolsa de estudos do Departamento de Estado. Passamos horas e horas conversando sobre o terremoto político em curso nos Estados Unidos. Uma das coisas que mais nos chamou a atenção foi a questão dos imigrantes.

Estima-se que existam nos EUA cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais (entre 500 mil e 1 milhão de brasileiros). O tema provoca muitas discussões e bastante hipocrisia: uns falam dos riscos do crime, disputa de empregos aos nativos, disseminação do terrorismo e até destruição dos “valores tradicionais” americanos. Bem, cada rebolada da Jennifer Lopez significa sete puritanos a menos no país... Mas muitos se beneficiam da mão-de-obra barata dos clandestinos, dócil e não-sindicalizada. Não me refiro apenas a empresas, também há pacatas e ordeiras famílias de classe média, que aproveitam para contratar babás e jardineiros a preços baixos. Minha amiga contou casos de brasileiros já estabelecidos que exploram outros imigrantes assim, e os tratam tão mal ou pior do que os americanos.

Minha amiga fez uma visita oficial à fronteira com o México, conversando com a patrulha e fazendo um levantamento dos problemas locais: ação de milícias que caçam imigrantes, prostituição em Tijuana, deterioração ambiental. Sugeri a ela que escreva um artigo acadêmico sobre o assunto, impressiona como a fronteira concentra uma série de tensões da agenda contemporânea de relações internacionais.

Em 2005 a Câmara dos Deputados aprovou uma lei anti-imigração ilegal bastante dura, que transforma essa contravenção penal em crime, prevendo punições também para cidadãos americanos que ajudem um clandestino. Em tese, poderia significar prisão para um filho que quisesse auxiliar os pais, ou mesmo para pessoas que socorressem os imigrantes ilegais com comida, cobertores e outras medidas de caridade. A lei está sendo discutida no Senado e Bush está sob críticas por sua apatia e falta de liderança diante do assunto.

O lado bom da história é que a lei provocou enormes manifestações de repúdio – milhões de pessoas foram às ruas, nos maiores protestos populares desde 1968. A comparação mais freqüente é com o Movimento dos Direitos Civis, a intensa mobilização anti-racismo liderada por Luther King e Malcom X.

Uma vez que a população americana se mexa em defesa dos imigrantes, podemos esperar protestos semelhantes pela paz, como na guerra do Vietnã? Acho prematuro. Um dos temas que discuti com minha amiga foi porque o voto hispânico está migrando do Partido Democrata para o Republicano. Meu palpite é que tem a vez com a agenda conservadora com relação a aborto, casamento gay e religião. Ao menos é isso o que ocorre na Europa, dizem meus amigos dos partidos socialistas de lá.

Enfim, uma batalha de cada vez. A de hoje é pelos imigrantes.
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