segunda-feira, abril 17, 2006

O Labirinto Peruano



Há uma onda de transformações e conflitos sociais em curso na América Latina, que ganha visibilidade com as eleições presidenciais que acontecem este ano em quase todos os principais países do continente. No momento, esses fatos se concentram no Peru, onde a disputa pelo poder é particularmente turbulenta.

O candidato mais votado no primeiro turno foi Ollanta Humala, militar que tentou um golpe contra o ex-presidente Fujimori. Foi preso, mas anistiado pelo presidente Toledo. Virou símbolo da oposição radical ao sistema político, com um discurso intensamente nacionalista. Há semelhanças com Chávez, que segundo denúncias financia Humala.

Se Chávez já é um sujeito complicado, seu aliado peruano é ainda mais. O pai de Humala é fundador de um movimento ultra-nacionalista (alguns dizem xenófobo) voltado contra estrangeiros (americanos, chilenos) e judeus. O irmão, também militar, tentou um golpe contra Toledo. Está preso e da cadeia ameaça guerra civil se o irmão perder as eleições. A mãe dos rapazes declarou que o país precisa restaurar a moralidade com fuzilamentos públicos de corruptos e homossexuais, não necessariamente nessa ordem.

A votação ocorreu no dia 9 de abril, mas a apuração lenta ainda não indicou quem irá disputar o segundo turno contra Humala. O ex-presidente Alan García tem uma ligeira vantagem para a candidata Lourdes Flores. García é sociólogo e membro do Apra, um dos mais importantes partidos da esquerda latino-americana. Mas fez um péssimo governo que terminou em hiperinflação, corrupção e o Sendero Luminoso no auge do terror. Flores é uma solteirona conservadora que mora com os pais e defende a Opus Dei. Pobre Peru. Labirinto sem saída, cheio de minotauros.

Os jornalistas, acadêmicos e diplomatas ficam surpresos com o fato de que o bom crescimento do PIB peruano nos últimos anos (cerca de 4%, 5%) não tenha se refletido em maior apoio ao presidente Toledo, cuja popularidade anda em incríveis 2%. Óbvio ululante: é um modelo de desenvolvimento concentrador de renda, em setores ligados à mineração e ao agronegócio. Os lucros não alcançam a maioria da população, que em realidade pode estar pior devido à degradação ambiental, aumento da informalidade etc. Num quadro de desconfiança generalizada dos políticos, os eleitores tendem a escolher candidatos que se apresentem como desafiantes do sistema, outsiders sem compromissos. Foi assim com Fujimori, Humala segue o mesmo caminho.

Por que a esquerda peruana não conseguiu formular alternativas, à exemplo do que ocorreu na Bolívia e no Equador? A pergunta é difícil, creio que a resposta passa pelo estrago que o terrorismo do Sendero Luminoso e do Tupac Amaru provocou nas lideranças populares do país. Muitos foram mortos, torturados ou exilados na guerra suja de vinte anos. Destruição de toda uma geração, que deixou a população assustada e disposta a topar qualquer homem forte que combata a violência. Humala participou da repressão ao Sendero e é acusado de torturas e assasinatos do tempo que comandou uma base militar na Amazônia.

O Brasil tem muitos interesses no Peru: acordo de livre comércio, via de escoação do agronegócio ao Oceano Pacífico, várias empreiteiras em grandes obras no país, exploração das reservas de gás em Camisea, necessidade de combate conjunto ao narcotráfico. O contexto é o de defesa da estabilidade. Humala representa um perigo, exarcebando tensões sociais dentro do país e com vizinhos como o Chile.

3 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Será ingenuidade demais acreditar que as populações dos países da América Latina já deveriam ter aprendido a lição? Ou será que o problema é a falta de opção mesmo?

abril 18, 2006 8:40 AM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Mestre, um adendo: a rádio BBC4 produziu um documentário em duas partes sobre os governos populares (e populistas) da América do Sul, e você pode ouvir online através do site da rádio - http://www.bbc.co.uk/radio4/

Você vai ver do lado direito uma barrinha escrito Listen Again, e logo embaixo o nome do programa, "A New Axis of Power". :)

abril 18, 2006 10:03 AM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Querida Nica,

acho que está mais para uma mistura de falta de opção e valores que permanecem autoritários. O que ando ouvindo pelos ônibus e filas de banco é de arrepiar. A Vox Populi às vezes soa mais como a voz do diabo.

A BBC - TV tem um programa muito bom chamado Inside Latin America, passa domingo de manhã e traz noticiário interessante e atualizado sobre vários países do continente. Obrigado pela dica do rádio, espero algo tão legal quanto.

Beijo

abril 18, 2006 6:25 PM  

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