1979, México.
Desapareceu hoje a figura histórica mais importante da segunda metade do século XX. Colocando em perspectiva, talvez não seja possível compará-lo ao impacto de um Lênin, um Hitler, Ghandi, Stálin ou mesmo um Churchill, um Wilson. Mas não há quem lhe tire o posto no pós-guerra. Karol Wojtyla deu conta da pergunta de Stalin em Ialta: "Quantas Divisões tem o papa?". Sua vida foi a resposta.
Napoleão acreditava que era a maior e mais inacreditável instituição da terra. Para ele o papa equivalia sozinho a 100 mil soldados. Não conheceu João Paulo. Em 2001 foram 500 mil na Ucrânia. Mais de um milhão só na Polônia em 1979 e depois em 1983 naquele que seria o 'turning point' do fim do socialismo no Leste Europeu. Nunca antes num país comunista, tantos tinham se reunido para celebrar junto a figura então mais popular do planeta, o milagre da fé. Muitos países do leste Europeu fecharam suas fronteiras com a Polônia. Mesmo assim, foram milhares de peregrinos. Até então, multidões nas didaturas da cortina de ferro apenas em eventos organizados pelo partido, não para esfregar na cara dos herdeiros políticos do materialismo histórico a inacreditável força do ópio do povo.
Brejnev dizia que o segundo conclave de 1978 foi comprado pela CIA sob influência do acessor de Segurança Nacional do governo Carter, Zbigniew Brzezinski. A Cia não seria tão inteligente. Mas de fato, o papa foi o maior agente na desestabilização dos satélites soviéticos, tornando sua mera presença, foco de problemas para regimes autoritários. Tanto que nunca foi a Rússia, e não por falta de vontade.
Sob sua batuta, organizou-se na Polônia o primeiro sindicato não-estatal em um regime socialista. O
Solidargnosc, tão bem tratados pelos anti-comunistas da Europa e EUA a ponto de gerar protestos de ciúme no nosso Lech Walesa do ABC, foi a menina dos olhos do fotalecidíssimo clero polonês que o pôs sobre proteção (desde o início e mais ainda quando houve intervenção soviética no país, no início dos anos 80) por ordem de Roma. Uma década depois, o subversivo Walesa seria presidente da Polônia, e João Paulo sorria lembrando de Stálin, com a complacência e serenidade dos vitoriosos.
Conservador em questão de moral e fé, Wojtyla perseguiu os teólogos da chamada Libertação, por acreditar em Libertação de Cristo não de Marx. Famoso o pito dado em Ernesto Cardenal, ministro dos Sandinistas, oriúndo da Teologia da Libertação, que ajoelhado no aeroporto de Manágua, só respondia: "- Sim, santidade, sim, santidade", enquanto o papa gritava na frente das câmaras: "- Isto não pode continuar!". Via no comunismo, a semente do ateísmo e da opressão que tanto combatia na Europa. Não compreendia a multidão que gritava na Nicarágua ou no México por terra e comida, sem respeito ao Santo Padre que pedia por três vezes: "Silêncio, o papa fala".
Articulou em 1994 uma coalizão (que envolvia até países muçulmanos) conservadora e bem sucedida que paralizou a conferência da ONU sobre população no Cairo, impedindo resoluções de planejamento familiar, ou projetos da Organização para a distribuição de preservativos. Nunca aceitou o celibato, a ordenação de mulheres, o aborto, nem mesmo o uso de anti-concepcionais. Apesar do propalado ecumenismo, a Era Ratzinger, trouxe de novo a Igreja afirmativas como: "Só se chega a salvação por meio da Igreja Católica". No fundo, o papa que reabilitou Galileu Galilei, foi o papa que estancou as transformações do Vaticano II. Um papa conservador e centralizador, que enfraqueceu o espírito democrático e descentralizador que vinha do Bom papa João XXIII e permaneceu com Paulo VI, época de apogeu da Teologia da Libertação. João Paulo II pôs fim ao que o cardeal Congar chamava de maior evento religioso do milênio depois das teses de Lutero.
Conservador ou não, trata-se de um santo. Deu nova força e popularidade a uma igreja decadente e em constante perda de prestígio, e se tornou, depois de 1978, a figura mais querida da midia mundial. Fiel às suas idéias, coerente, místico, tem tudo para ser a canonização mais rápida da história. E não é por falta de milagres. Afinal o papa é pop, como diria um poeta gaúcho, enquanto a torcida do fluminense cantava "A benção João de Deus" virando de última hora um campeonato perdido. Quem sabe amanhã...
Sobre a sucessão e o futuro da cadeira de Pedro e da santa madre igreja, solicitado por meu amigo BB, prometo uma análise mais detalhada (dos papabiles) nos próximos posts, juro que antes da fumaça branca. Não tenho palpites (é impossível com 120 candidatos; Wojtyla era obscuro e improvável), mas tenhos preferências e algumas certezas. Por hora, ainda estou em pesar, triste mesmo.
Mas a morte de um homem de fé carrega em si mais alegrias que lamentos. Que dádiva maravilhosa e transformadora não é a fé. Sobretudo para nós que não a temos. Chorar por ele é vão. Mas é impossível não se afeiçoar a uma criatura tão carismática, ainda mais depois de pesquisar sua vida por quase dois anos. Enquanto aguardo o "Habemus Papa" (mais umas 2 semanas), entristeço-me a morte desta figura extraordinária, ator, operário, alpinista, que tão bem soube falar aos corações do povo, sobretudo dos jovens, indo diretamente a eles. Como disse em suas ultimas palavras: "Vi ho cercato e siete venuti, vi ringrazio".