quinta-feira, abril 28, 2005

Rebelião Fiscal


Qualquer semelhança... Posted by Hello

O assunto da semana aqui no trabalho é o imposto de renda. Para o pessoal com os cargos mais altos, que geralmente têm um segundo emprego como professor, a mordida do leão veio muito, muito alta. Há quem precise pagar até R$10 mil de IR e falo daqueles profissionais da classe média apertada, sempre com contas na fila e fazendo malabarismo com o salário.

Claro que o IR é apenas a manifestão mais visível da alta na carga tributária brasileira, que raspa os 40% do PIB. O aumento vem dos anos 90, e continua no governo Lula. A choldra sustenta o Estado que tenta se financiar num quadro de envididamento extremo, em que mais da metade de seu orçamento segue para pagar o serviço da dívida e os gastos precisam ser restritos por conta das metas de superávit acordadas com o FMI.

Dito de outro modo, o Estado brasileiro se transformou num mecanismo de transferência de renda, só que às avessas do que esperaria Robin Hood. Ele taxa pesadamente seus cidadãos e repassa o dinheiro ao mercado financeiro, através dos juros que paga sobre a dívida pública.

Conversando com amigos e parentes no meu círculo de classe média, o clima é de rebelião fiscal contra o governo Lula. Difícil encontrar quem ainda apóie o presidente. Uns estão furiosos com os prejuízos no bolso, outros, desapontados com a ausência de mudanças sociais. E todos, indignados com o distanciamento crescente que Lula mostra da realidade - o avião milionário, as declarações infelizes atribuindo a alta taxa de juros aos brasileiros que "não mexem o traseiro" (parece um diálogo de Fucker & Sucker).

Aumentos nos impostos foram o estopim de muitas rebeliões importantes, da Inconfidência Mineira à guerra de independência dos EUA. Com Lula se comportando do ponto de vista fiscal pior do que a Coroa portuguesa na era colonial, não seria motivo de espanto se a carga tributária custasse ao presidente o apoio da classe média nas eleições do ano que vem.

quarta-feira, abril 27, 2005

Voltando...

O companheiro BB, que vos escreve da cidade de Montanha Fria, Carolina do Norte, estarah em Terra Brasilis na proxima semana. Depois de um semestre pouco produtivo em termos de papers mas muito produtivo em termos de ideias, volto para o ensolarado e feliz Rio de Janeiro, terra paradisiaca fundada por portugueses, disputada por franceses e destruida por cidadaos de Campos, no norte fluminense. Volto tambem para todas as suas mazelas sociais, economicas e politicas.

Nao vejo a hora.

domingo, abril 24, 2005

Ilusões Armadas


Abrindo os olhos... Posted by Hello

Vi em seqüência dois filmes que tratam dos movimentos armados nos anos 70: o brasileiro "Cabra-Cega" e o italiano "Bom Dia, Noite". Além do tema semelhante, a estrutura também é parecida, ambos são ambientados quase por completo em um apartamento, misturando ficção e imagens jornalísticas. O resultado é desigual: o brasileiro é ótimo, o italiano, ruim.

"Cabra-Cega", de Toni Venturi, é protagonizado por Tiago (interpretado pelo excelente Leonardo Medeiros) um guerrilheiro que foi ferido e se recupera no apartamento de um simpatizante de sua organização política. Tenso, mal-humorado e paranóico, ele aos poucos se abre para sentimentos mais ternos ao se apaixonar por Rosa, a militante encarregada de ser sua enfermeira.

Simultaneamente, a situação política se deteriora - é o governo Médici e a organização dos dois está sendo dizimada pela repressão - até o fim catártico que me deu um nó na garganta e que foi aplaudido de pé em festivais. O jogo de cabra-cega, além de render uma das mais belas cenas do filme, é também uma metáfora para as díficeis escolhas dos anos de chumbo, quando se caminhava na escuridão. Destaque para a ótima trilha sonora, como o dueto de Chico Buarque e Fernanda Porto em "Roda Viva".

"Bom Dia, Noite", de Marco Bellocchio, é a reconstituição do seqüestro e assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Poderia render uma grande história, mas o roteiro não decola, tratando os brigadistas como robôs fanáticos e Moro como um bom velhinho, quase santo. Saí do cinema sem entender como jovens de um país democrático (ainda que com um regime para lá de corrupto e ineficiente) pudessem cair na trágica ilusão armada das BVs.

sábado, abril 23, 2005

O Rebelde do Traço


Comentando as Indiretas... Posted by Hello

Meu irmão me chamou a atenção para a exposição dos desenhos de Henfil que o CCBB acabou de inaugurar. Aproveitei o feriadão para visitá-la e adorei. São cerca de 500 trabalhos, concentrados nos anos 70, que fazem o público rir, indignar-se e às vezes ficar com um nó na garganta.

Os personagens mais conhecidos de Henfil, o Fradim e a Graúna, tem um humor agressivo demais para meu gosto. Mas dei gargalhadas com seus tipos que satirizam o cotidiano dos anos de chumbo, como Ubaldo, o paranóico que vive apavorado com a repressão militar. Orelhão, o operário que comenta as principais notícias da época, também é ótimo.

Alguns cartuns são de arrepiar. Um deles mostra o túmulo de Vladmir Herzog e um sujeito chegando aos berros: "Vlado, saiu a anistia!". Outro é uma vista aérea do Rio de Janeiro tomado pela manifestação das Diretas Já e a estátua do Cristo dizendo "Pai, eu vou descer!".

O único problema da exposição é ser curta demais, limitada a uma pequena sala no segundo andar do CCBB, lotada pelo interesse do público de todas as idades, inclusive aqueles que, como eu, só conheceram o trabalho de Henfil através de livros (como a ótima biografia "O Rebelde do Traço", de Dênis de Moraes). Valeria a pena caprichar mais na explicação do contexto histórico. Poderia haver, por exemplo, um módulo sobre a relação do cartunista com o sindicalismo do ABC - ele foi amigo de Lula e chegou até a criar um personagem para o jornal dos metalúrgicos.

Novas do apartamento: a inspeção familiar não encontrou nenhum problema quanto à infra-estrutura, mas apareceram complicações jurídicas - a proprietária tem que pagar um imposto muito alto, pelo fato do imóvel ser foreiro. Agora ela busca uma alternativa com sua advogada, já deixei claro que só assino o contrato de compra e venda quando esse imbroglio burocrático for resolvido.

sexta-feira, abril 22, 2005

A Riqueza das Nacoes

A pior praga para qualquer cientista social serio eh condenar sem ter lido. E, infelizmente, fazemos isso a toda hora. A carga de leitura eh tao carregada de conceitos que remetem a autores do passado que nao pensamos muito em voltar no tempo. "Entendemos" os conceitos, "simplificamos" e seguimos em frente.

Tenho uma politica quanto a isso. Procuro reler os classicos de maneira sistematica, especialmente aqueles que, por uma razao ou outra, li apenas trechos selecionados em diversas ocasioes, mas nunca tive a chance de ler inteiros. Decidi fazer isso com um livro que eh dogma para alguns e defenestrado por outros: "A Riqueza das Nacoes" de Adam Smith.

Smith era um nerd escoces que sofreu de colicas cronicas durante toda sua vida. Nao podia sair muito de casa porque se contorcia de dor e, tambem por isso, nunca se casou. Nos periodos em que nao estava ensinando filosofia em Oxford, morou com a sua mae em Edinburgo. Foi amigo pessoal de Hume (que tambem era escoces, mas era um glutao extrovertido) e Locke (que tinha alguns escravos e investimentos nas Americas -- e, alias, escreveu a Constituicao das Carolinas).

Mas nosso amigo escreveu uma obra-prima, sim senhor. Recomendo a leitura sem preconceitos. O leitor de cabeca aberta vai ver que Smith (1) defende sim a participacao do estado na economia (mas nao o estado mercantilista); (2) preocupa-se com a populacao em geral e ve um perigo nas grandes "corporacoes" (que ele abertamente diz que tem incentivos para diminuir salarios e para tornarem-se monopolios); (3) escreve de maneira clara e legivel (mas nao simples); e (4) ainda tem muitas coisas importantes a nos dizer, apesar de ter publicado o seu livro em 1776.

Eh uma pena que Smith tenha sido demonizado pelos marxistas e beatificado por neo-liberais e conservadores. Colocando seu discurso em perspectiva, Smith era um revolucionario. E tenho a impressao de que ficaria bastante incomodado em ser transformado em icone do bem e do mal. Ele eh um dos poucos que conseguiram perceber a mudanca enorme em seu tempo e compreende-la em suas pecas fundamentais. E, no fim, morreu achando que a obra pela qual seria lembrado seria seu pequeno tratado filosofico "A Teoria dos Sentimentos Morais". Quem diria.

quinta-feira, abril 21, 2005

Vitória da Irmã Ediméia


Um pastor alemão Posted by Hello

Há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, eu estudava num colégio católico, experiência que me deixou agnóstico para o resto da vida. Havia uma velha freira na escola, a irmã Ediméia, que rondava os corredores soturnamente, como o espectro de uma punição ameaçadora. Ninguém sabia o que ela queria castigar, provavelmente só o fato de alguém estar se divertindo (um pecado, quase com certeza). Com o humor típico dos rapazes de 12 anos, a chamávamos de Irmã Diarréia. Ignoro sua influência no Vaticano, mas nesta semana a Irmã Ediméia obteve uma vitória expressiva e o Conclave escolheu o chefe da Inquisição como o novo papa.

Apesar de não acreditar nem em horóscopo, mantenho uma ligação forte com a Igreja Católica, por razões culturais, pessoais (a maioria dos meus amigos segue essa religião) e políticas - muitas das pessoas com quem convivo no trabalho e na pós-graduação foram ativistas nos movimentos sociais católicos dos anos 60 e 70, como JUC, Ação Popular e diversas comunidades eclesiais de base mais ou menos inspiradas pela teologia da libertação. Tempos em que os ventos de renovação que sopravam das ruas arejaram os salões paroquiais e as sacristias. Adoro ouvir suas histórias.

Me acostumei a ver na Igreja uma aliada que defendia as mesmas coisas que eu, guardadas certas reservas - nunca perguntei à irmã Ediméia o que ela achava do casamento gay. Por isso a eleição de Ratzinger foi um tapa na cara, como se os cardeais dissessem à sociedade: "Não damos a mínima para os desejos de mudança de vocês. Danem-se a camisinha, a liberdade sexual, a busca de formas menos rígidas de família e relações amorosas. Vamos voltar o relógio aos anos 50 e azar de quem não gostar disso." No fundo, é apenas acentuar o que o João Paulo II pregava, mas sem o atenuante do carisma pessoal do falecido papa.

Para mim, é o retrato de uma Igreja assustada, acuada diante de um mundo em transformação que ela parece ter dificuldades em compreender e aceitar. Pensei no magnífico sonho do grande inquisidor, do romance "Os Irmãos Karamazovi", de Dostoiésvki, na qual Torquemada prega a Cristo a necessidade de uma autoridade dogmática e inflexível para conter os perigos da liberdade e do questionamento humano.

Com 78 anos, é difícil acreditar que Bento XVI terá um pontificado longo. Esperemos pelo próximo conclave.

terça-feira, abril 19, 2005

O Mundo eh Plano?

Tenho uma brincadeira com os amigos. Durante a preparacao para os exames qualificatorios, costumavamos dizer que nao queriamos ser vitimas da "maldicao de Friedman". A maldicao diz que a cada livro escrito por Thomas Friedman (o mais famoso colunista do New York Times) ha uma queda proporcional de qualidade de analise. Brincadeiras a parte, Friedman eh um "popularizador" da pesquisa academica sobre globalizacao, o que faz com que ganhe relevancia e seja lido por um publico bem mais amplo do que aqueles que leem a obra de David Held.

Seu livro "The Lexus and the Olive Tree" eh muito, muito ruim. Escrito na metade da decada de 90, Friedman tenta "explicar" o processo de globalizacao. O livro eh acritico, paranoico e panfletario. Sua tese eh de que a globalizacao eh uma forca exclusivamente benefica e inevitavel, cujos efeitos sao sentidos por igual nao importa onde estajamos no mundo. Eh a popularizacao daquela visao de que "agora todo o mundo assiste a CNN e come no McDonalds". Friedman esquece que a maior parte do mundo vive com menos de 2 dolares por dia, nao fala ingles e nao tem sequer um McDonalds a quilometros de distancia de onde moram. Ainda fico revoltado quando este livro eh adotado como livro introdutorio nas aulas da graduacao em Politica Internacional daqui.

Escrevo este post porque acabei de ler seu novo livro, "The World is Flat". Novamente Friedman apresenta sua visao empobrecida e sem nuances da realidade global atual. Sua tese continua, mas em vez do tom otimista do primeiro livro, agora Freidman adverte a classe media norte-americana de que "o mundo eh plano", isto eh, India e China estao competindo diretamente com os EUA por empregos e a producao americana no campo tecnologico estah sendo terceirizada para estes paises. Algumas passagens do livro sao risiveis pela ingenuidade analitica, mas Friedman consegue perceber um problema que eh real: a cada dia, os EUA produzem menos engenheiros e tecnicos, enquanto India e China se preparam de maneira intensa para o desenvolvimento sustentado.

A Economist detestou o livro -- pelos mesmos motivos que eu. Mas se a revista recomenda que se leia Bagwati, eu nao. Por que eh tao dificil escrever um livro que seja popular e critico a respeito do processo de globalizacao? (Como recomendacao: entre os bons livros sobre globalizacao estao os livros recentes do Rubens Ricupero, recomendados pelo Mauricio para mim ha um ano atras -- leitura indispensavel).

Europa: as dores do parto


Monnet e seu sonho Posted by Hello

No aeroporto de Brasília há uma pequena livraria da UnB onde sempre se encontram bons livros sobre relações internacionais. Da última vez em que estive na capital, há duas semanas, comprei as "Memórias", de Jean Monnet, que sequer sabia que estavam traduzidas para o português. Quando se pensa em grandes estadistas europeus do século XX, as pessoas lembram de Churchill ou De Gaulle, mas o velho Monnet é tão importante quanto eles - trata-se do pai da União Européia.

Monnet nasceu na cidade de Cognac, famosa mundialmente pela bebida produzida por lá. A família era de negociantes e ainda rapaz ele viajou e morou em diversos países da Europa e da América vendendo seus produtos. Ganhou uma visão cosmopolita dos problemas mundiais e uma atitude pé no chão típica de um bom comerciante. O salto para o serviço público veio na Primeira Guerra Mundial, quando usou seus contatos ingleses para negociar acordos de cooperação envolvendo transportes e infra-estrutura, no esforço conjunto para derrotar os alemães.

Depois serviu na Liga das Nações, foi para a iniciativa privada como banqueiro e voltou ao Estado na Segunda Guerra, trabalhando para franceses e ingleses em suas negociações com os EUA. Depois da catástrofe, foi o arquiteto de uma maneira de reunir França e Alemanha: a administração internacional conjunta do carvão e do aço, os dois recursos minerais vitais à indústria pesada e à guerra. Como ele mesmo anunciou, o primeiro passo rumo à uma comunidade econômica européia.

Monnet escreve bem, num estilo sóbrio e direto; raro entre franceses. O livro tem análises fascinantes de políticos como Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Adenauer, Léon Blum, Robert Schumann. Também há muitas passagens tediosas, burocráticas demais, sobre os problemas com os quais lidou. Monnet era mais um tecnocrata do que um político profissional - um homem de dados e análises, não de discursos e carisma.

Ao mesmo tempo, as memórias de Monnet (publicadas nos anos 70) prenunciam muitos dos atuais problemas da UE, em particular a dificuldade de abrir o processo de integração às forças sociais - partidos, sindicatos, movimentos políticos. Tudo fica na alta esfera dos negócios, das finanças e dos governos, e o resultado é que para muitos europeus a UE pouco interfere com suas vidas. Há um ótimo artigo de Mario Sergio Conti no NoMínimo falando da indiferença, senão hostilidade, dos franceses ao referendo para aprovar a recém-criada constituição européia.

segunda-feira, abril 18, 2005

Maria, Maria


Bem-vinda à América Posted by Hello

"En nuestra America solo hay una cosa a hacer: emigrar", desabafou Bolívar após a amarga reflexão de que "fazer revoluções é como arar o mar". Pensei no velho general, e na crise latino-americana do momento (Equador) ao assistir ao ótimo filme colombiano "Maria Cheia de Graça".

Maria é uma adolescente do interior da Colômbia que engravida do namorado e fica sem emprego. Mora com a avó, a mãe, a irmã e o sobrinho - uma casa de três gerações de mulheres abandonadas por seus homens. Tudo leva a crer que ela terá o mesmo destino. Sem perspectivas, mas com um gênio inquieto e algo rebelde, ela acaba aceitando uma proposta para ser mula e transportar drogas em seu estômago até Nova York - processo doloroso e humilhante, descrito em detalhes no filme.

O roteiro é simples, mas muito bem construído, e a protagonista é uma personagem rica, interpretada de maneira excelente pela jovem atriz Catalina Sandino Moreno. Maria oscila entre as qualidades de uma heroína (determinação, honra) e características menos admiráveis (mente muito, às vezes é um tanto egoísta). É fascinante como Catalina consegue aparentar várias idades - há momentos no filme em que ela parece pouco mais do uma menina, em outros tem o rosto de uma mulher bem mais velha e amadurecida.

Maria poderia vir de qualquer país latino-americano - não é assim tão diferente da trama da nova novela da 20h, por exemplo. Mas além de ser um filme sobre a falta de perspectiva dos jovens do nosso continente, é também uma bela demonstração da vontade de mudar de vida e de tocar o barco. Mesmo que a estranha mania de ter fé na vida tenha batido asas e a esperança se mudado para outra América, na forma de uma cidadania de segunda classe.

domingo, abril 17, 2005

Decisão no Horizonte

Estou bastante perto de comprar meu apartamento. Nesta semana visitei um imóvel muito bom, um três quartos em Santa Teresa, e consegui negociar o preço com a proprietária. Falta acertar detalhes jurídicos do contrato - concordei em lhe dar quatro meses para me entregar o imóvel, em troca de um bom desconto. Se tudo correr bem, fecho negócio na próxima quinzena.

Santa não era minha primeira opção, mas os apartamentos que visitei no Flamengo e no Catete eram ruins - caros, escuros, pequenos. O que negocio fica num prédio antigo, simples e sem luxo, mas é espaçoso, confortável e numa tranqüila e arborizada, com acesso fácil a transporte e serviços. E custa o mesmo que um quarto e sala de médio porte na zona sul.

Coisas de Santa. Quem é de fora tem medo de vir para cá e os preços dos imóveis caíram muito - embora continuem bastante caros em comparação com outras cidades, o Rio não é mesmo brincadeira. Passarei um aperto para comprar o apartamento à vista e pagar os impostos, mas acredito que é um sacrifício que vale a pena, um investimento para muitos anos.

Preparem-se para um belo open house no segundo semestre!

quarta-feira, abril 13, 2005

Cidade do Pecado


cliveowen
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Jah nao ia ao cinema fazia algum tempo (a ultima vez foi para assistir ao Almodovar). Quando um grupo de colegas me convidou para assistir a "Sin City", o ultimo filme de Robert Rodriguez, nao titubeei. Confesso que nunca havia lido as graphic novels do Frank Miller, apesar de conhecer o seu trabalho em "Ronin" e "O Cavaleiro das Trevas". Portanto, fui ao cinema sem saber o que esperar e com expectativa baixa.

Para quem nao sabe, o filme eh baseado em uma serie de pequenas historias que por sua vez sao influencias diretas da literatura "pulp" e do filme noir dos anos 30 e 40. A la Tarantino (que dirige uma das cenas do filme como "convidado"), os personagens se encontram em tres tramas paralelas, todas se desenrolando na tal "cidade do pecado". Aqui todo mundo eh bandido, traficante, policial corrupto ou em fim de carreira, prostituta, politico corrupto ou mafioso. Nao ha inocentes em "Sin City".

Ma noticia: se voce tem estomago fraco nao assista. Entre as malvadezas mostradas no filme, estao: tortura, canibalismo, violencia contra mulheres, sado-masoquismo, corrupcao e varios membros decepados. Sem brincadeira.
O que ajuda o filme eh que a fotografia se assemelha tanto a uma historia em quadrinhos que tendemos a relativizar a violencia da tela.

Posso recomenda-lo? Acho que sim. Os dialogos sao maravilhosos e o visual do filme nao se parece com nada do que jah assisti antes. Mais ainda: o elenco estah incrivel -- nao ha o que falar contra Clive Owen e Benicio del Toro, por exemplo. Ateh Mickey Rourke (lembram dele?) estah bem no papel de Marv.

Se voce leu e gostou da graphic novel, tenho quase certeza de que vai gostar do filme. Soh eh preciso um estomago forte e gosto por pulp. Entao eh divertimento garantido.

O Brasil na África


Lula com o presidente de Gana Posted by Hello

Lula está em sua quarta viagem pela África, marco de diplomacia presidencial. O que tenho lido sobre o continente aponta para o acerto dessa ofensiva. Para além da tradicional retórica sobre proximidade cultural e solidariedade, os africanos se transformaram em grandes parceiros comerciais do Brasil.

A África já é destino de 5% das exportações brasileiras. Parece pouco, mas impressiona quando lembramos que o Mercosul, com toda sua importância política e econômica, representa 9%. Multinacionais de nosso país como Petrobras, Odebrecht, Sadia e Vale do Rio Doce têm envolvimento de peso na África do Sul, Argélia, Angola, Moçambique, Nigéria.

O Itmaraty tem conduzido negociações com países africanos para angariar apoio ao G-20, a articulação do mundo em desenvolvimento pela liberalização dos mercados agrícolas na União Européia e nos EUA. E por fim, o Brasil busca aliados para suas pretensões de se tornar membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A importância crescente da África para o Brasil contrasta com a enorme carência de informações que temos sobre o continente. No mundo ONG, isso tem levado a problemas sérios na formulação dos projetos de cooperação. Por exemplo se subestima a importância da consolidação da democracia no outro lado do Atlântico. Eleições podem ser banais no Brasil ou na Argentina, mas não é o caso em Angola, na Nigéria ou no Zimbábwe. Os próprios diplomatas e empresários se queixam de que perdem muitas oportunidades por falta de conhecimento sobre a situação atual na África.

Nas minhas leituras, me impressiono com a febre da integração regional africana. São 8 grandes organizações regionais e mais de 200 instituições supranacionais. Os resultados têm sido decepcionantes, bem menores do que na América do Sul, até pela fragilidade maior dos Estados e da infra-estrutura de transporte e comunicação. Mas o tema é interessante e tem potencial.

Entre os poderes deste mundo, o que mais se interessa pela África é a França, que tem a política externa para o continente formulada por um departamento especial da própria presidência. Na semana passada a embaixada francesa no Brasil organizou até um festival de cinema africano. Assisti a um filme muito simpático do Senegal - com uma trama que lembra as desventuras da minha tia!

O Brasil tem melhorado suas relações com a África e ainda pode fazer muito mais. Não apenas governo, mas também sociedade civil, imprensa, universidades. Fico com a declaração de mestre José Eduardo Agualusa num recente fórum de empresários e diplomatas: "Freqüentemente penso em Angola e no Brasil como dois irmãos que foram separados quando ainda eram crianças. Um partiu para terras distantes e prosperou. O outro permaneceu no vilarejo natal mas se manteve a par da vida do irmão através dos jornais e da TV. Quando um dia se encontraram novamente, o rico nada sabia sobre o parente pobre, enquanto este conhecia tudo sobre o rico, suas vitórias e dramas, e se ressentia da ignorância do irmão próspero a seu respeito."

segunda-feira, abril 11, 2005

Quase Dois Irmãos


Ciocler e Bauraqui: ótimos Posted by Hello


Assisti ontem a um grande filme de Lúcia Murat: "Quase Dois Irmãos", dos melhores dramas brasileiros que vi em muito tempo. Um militante político de classe média e um bandido, amigos de infância e de samba, se reencontram na prisão durante a ditadura militar, um convívio tenso que levará à formação do Comando Vermelho. O político vira deputado e o criminoso, um dos líderes do crime organizado no Rio. Seus destinos voltam a se esbarrar quando anos depois a filha do parlamentar se envolve com um traficante do CV.

Nessa trajetória, que vai dos anos 50 aos dias atuais, temos um balanço das relações tensas entre favela e asfato, de uma fraternidade impossível que não consegue se concretizar nem mesmo no espaço confinado da cadeia. O roteiro, espertíssimo, não segue a cronologia, é antes um quebra-cabeça que se arma simultaneamente. O ponto alto é o convívio entre presos políticos e comuns na Ilha Grande, experiência vivida pela própria cineasta. Destaque também para o ótimo trabalho dos atores, em especial Flávio Bauraqui (de Madame Satã) e Caco Ciocler (que se redimiu do Prestes de "Olga") e incluindo a nova geração do "Nós do Morro".

O roteiro, em geral o ponto fraco dos filmes brasileiros, é primoroso. Vejam este diálogo entre a mãe do militante político ( interpretada por Marieta Severo) e o filho preso:

"Você é igualzinho ao seu pai."
"O negócio do pai era samba. O meu é revolução."
"É tudo a mesma coisa."
"Tudo tem povo, não é?"
"Povo, confusão e sofrimento."

A palavra mais pronunciada no filme é "igualdade". Um desejo que nunca consegue ser satisfeito, porque o apartheid social é tão grande que ultrapassa tudo: o amor pelo samba, a tentativa de um projeto político, a paixão sexual. Mas o filme é um trabalho estupendo que reuniu uma cineasta de classe média (Lúcia Murat), um roteirista vindo de Cidade de Deus (Paulo Lins) e jovens atores de favelas (Nós do Morro). A arte é a esperança que nos resta de tentar reunir as pontas desta cidade partida.

domingo, abril 10, 2005

Eterno Enquanto Dura

Tio Ricky voltou. Está aos beijos e abraços com minha tia. Parentes que testemunharam a cena foram convidados a se juntar ao casal num passeio à praia.

Não tenho comentários. Cartas à redação.

sexta-feira, abril 08, 2005

Mutatis Mutandis

Quando te perguntam qual eh a sua ideia de diversao, o que vem a sua mente? Alpinismo? Raves eletronicas? Bungee Jumping? Surf nas ondas gigantes do Havai? Bom, se voce respondeu sim a qualquer das opcoes acima, nao estamos no mesmo grupo. Minha ideia de diversao se aproxima mais de um bom livro, uma poltrona confortavel, um cha ou cafe espresso e uma boa companhia. Eh, infelizmente as aventuras de BB nao sao tao movimentadas assim.

Sendo um animal de habitos bastante definidos, tenho problemas serios com a perspectiva de mudar de apartamento. Mas como dessa vez nao tenho escolha, soh me resta colocar o livro de lado, levantar da cadeira confortavel e comecar a empacotar tudo que tenho. Sabem aquele adesivo de para-choques -- "nao tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho"? Eh mais ou menos assim que opero.

A ultima semana foi completamente caotica, mas entre poeira, livros e moveis, acredito que todos estao sobrevivendo, inclusive eu. Livros sao (infelizmente) as piores coisas para uma mudanca. O peso do conhecimento (literalmente) me ajudou a conseguir uma dor nas costas, uma potencial crise de meia-idade precoce e a repentina consciencia de que compro porcaria demais. Obrigo-me entao a desfazer-me de varios deles, mas parece cortar na carne. O que empacoto antes: a serie pela metade do "Lobo Solitario" em manga? Os classicos de Relacoes Internacionais que aumentam a cada ano? Ou aqueles livros de Descartes que estavam empoeirados no canto do armario?

Tenho ateh o final do mes para desocupar o apartamento e parece que ainda nem cheguei a metade. Entre o caos do meu apartamento e a necessidade de fechar varias tarefas antes de voltar ao Brasil, vou levar o resto deste mes. Mais noticias em breve.

quinta-feira, abril 07, 2005

Na Política

Ontem fui a Brasília dar uma palestra a um grupo de jovens de movimentos sociais e organizações da sociedade civil. O governo federal acabou de criar uma secretaria nacional de juventude, com um conselho associado a ela, e há expectativa sobre como esse órgão irá funcionar.

Falei sobre a experiência dos espaços de participação social do governo Lula, resumindo o tipo de problema que vem aparecendo nas relações entre Estado e sociedade, a partir de um levantamento organizado pelo IBASE. O público me recebeu de maneira excelente e várias pessoas vieram conversar comigo pedindo mais informações - as dificuldades que apontei são as mesmas que eles enfrentam no cotidiano.

Além de falar, fui ouvir. O nível do debate foi excelente. Me surpreendi com a alta maturidade política daqueles jovens (em sua maioria, entre 20-25 anos), com a diversidade de suas experiências de vida e com visões de mundo abertas. O Brasil está cheio de gente assim, apenas à espera de oportunidade. Aprendi bastante.

Hoje saiu publicado no Globo um artigo meu sobre as atividades da Petrobras e do BNDES na Bolívia e em outros países sul-americanos. É uma crítica a essa atuação, ressaltando que ela reproduz o modelo econômico da ditadura militar, baseado em grandes empreendimentos mas sem dar atenção às questões sociais e ambientais. O texto repertcurtiu bem no meio da sociedade civil e da academia, embora ainda não tenha havido uma reação governamental.

Estes foram os pontos altos de uma semana bastante agitada. Na segunda, tive uma reunião do grupo de estudos sobre desenvolvimento montado aqui no IBASE. Discutimos o sistema financeiro brasileiro e foi bem interessante, em particular porque no dia seguinte apresentei um seminário no doutorado sobre o mesmo assunto, só que no século XIX. Havia muitos pontos em comum, o principal é que comprar títulos da dívida pública é um investimento tão sólido e rentável que suga recursos que deveriam ir para o setor produtivo da economia.

Na terça-feira expus à direção o projeto de cooperação com a África, que dividiu opiniões. Apesar da solicitação dos nossos financiadores holandeses, há relutância do instituto em trabalhar com Angola e Moçambique, devido ao alto grau de corrupção existente por lá. Mas uma parte da direção acha que é uma excelente oportunidade. Ainda haverá muitas discussões sobre o projeto.

Na tarde de terça fui para um seminário sobre comércio exterior no Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Impressionante como o empresariado brasileiro despertou para a África e Ásia como a terra prometida para as exportações. Estou com uma pilha de livros e estudos sobre esse tema, porque vou preparar algo para o IBASE nesse sentido. O instituto quer saber como estão se comportanto as multinacionais brasileiras, que existem cada vez em maior número.

Integracao Sul-Americana

Comeco este post fazendo o jaba necessario e elevando a qualidade do blog: o Mauricio publicou hoje um excelente texto no Globo, discutindo a parte problematica da atuacao brasileira na integracao sul-americana. Questoes que para os brasileiros sao meio distantes, mas para os colegas sul-americanos sao extremamente importantes. Esta discussao deve comecar a ser feita jah, para que nao nos arrependamos no futuro sobre posicoes tomadas pelo governo brasileiro das quais nao queremos ser cumplices.

Em materia de novidades, ha alguma empolgacao no ar. Esta semana, fiz uma proposta para conseguir financiamento para um projeto de medio prazo. A ideia eh criar um grupo de trabalho sobre o Cone Sul, gerando uma cooperacao institucional entre a Duke University e a UNC em Chapel Hill. Duas universidades de peso estudando um tema muitissimo caro para mim.

Entre as questoes a serem trabalhadas estao: qual o papel da esquerda no processo de integracao? Quais sao os desafios sistemicos para garantir economias saudaveis na regiao? Quais os efeitos da integracao em materia de politicas publicas? Pode-se fazer mais do que estah sendo feito?

Se tudo der certo, garantiremos uma verba para o proximo ano letivo e poderemos convidar palestrantes e produzir papers sobre a regiao. Manterei os amigos informados sobre o progresso deste projeto.

terça-feira, abril 05, 2005

Boletim de Ocorrência

Minha tia construiu seus castelos e sonhou ser salva do dragão. Mas as coisas deram errado. Após outro rompimento definitivo com tio Ricky, ele bateu nela. Na versão que nos chegou, o crime foi premeditado: Ricky esperou um domingo em que todos estávamos fora e foi acertar as contas com minha tia. A discussão terminou em tapas e em mais uma expulsão. A vítima nada contou, mas não existem segredos neste mundo, muito menos nesta Família.

Os Santoro não exatamente acolhedores com mulheres vítimas de violência. A tendência é sempre atribuir a elas tanta culpa quanto ao agressor, senão mais. A frase para o caso tem sido "que coisa horrível, mas... ela não é uma menininha... nisso é que dá se envolver com um homem primitivo... etc". Defendi o registro de uma queixa junto à Delegacia da Mulher. Tio Ricky já mostou que é imprevisível e além disso, anda armado. Uns 90% dos homicídios acontecem nessas condições, só falta a cachaça para temperar.

O melodrama tem rondado a Família. A mais insuportável das minhas primas está ameaçada de morte pelo ex-namorado ("Como é que você foi se aproximar de um cara assim?", lhe perguntou o implacável Coro) . Como ela mora em frente a minha tia, podemos até economizar os parcos recursos da segurança pública do estado e requisitar somente uma viatura. A bruxa anda mesmo à solta, até o Lorde apanhou na rua - de um vira-lata de três pernas que tem metade de seu tamanho.

O fato é que ando cercado por situações de tensão psicológica e social que quase sempre degeneram em violência. Os vizinhos do lado brigam ao ponto de quebrar móveis e chamar a polícia pelo menos uma vez por mês. No ônibus em que venho ao trabalho, sai briga toda semana, desde que a linha foi convertida num minúsculo microônibus. Como diria Lobão, "as pessoas enlouquecem calmamente, viciosamente, sem prazer".

segunda-feira, abril 04, 2005

Terrorismo na Baixada

Policiais pertencentes a grupos de extermínio vagam durante duas horas na Baixada Fluminense e assassinam ao acaso mais 30 pessoas em represália às ações do novo coronel da PM em Duque de Caxias, que vem perseguindo a banda podre em seu batalhão. O mesmo grupo havia jogado uma cabeça decepada no pátio do quartel, alguns dias antes.

Ataques aleatórios a inocentes, com o objetivo de criar um clima de pânico que facilite a obtenção de uma meta qualquer é quase a definição clássica de um ato terrorista. Não vejo outra classificação para o que houve na Baixada.

No sábado assisti no festival É Tudo Verdade a um documentário sobre os atentados de Madri. Conversando com minha professora de espanhol, ela me contou que a Espanha mudou muito após os ataques, com medo e traumas generalizados. Contudo, o que mais me impressionou no filme foi a capacidade da população em reagir e se organizar no repúdio à violência e à manipulação do governo, em particular através das novas tecnologias de informação, como o celular e o e-mail.

No Brasil, é comum escutarmos queixas sobre a falta de politização dos nossos compatriotas. Não acho que seja o caso. Percebo que as pessoas em geral estão razoavelmente informadas e quase sempre se interessam em saber mais. Nossa grande dificuldade é a mobilização. A indignação e as preocupações sociais tendem a ficar restritas ao pequeno círculo dos amigos e parentes. Articular-se com o "mundo da rua" é mais complicado. Há uma grande desconfiança das instituições do governo, dos partidos, dos sindicatos, o que se traduz num comportamento apático ou cínico ("Não adianta, nada vai mudar, vou cuidar do meu"),

As enormes desigualdades de nosso país são fundamentais para esse quadro. Asfalto e favela, pobres e classe média/elite percebem-se mais como inimigos do que como cidadãos que compartilham uma sociedade. A imprensa tem coberto com destaque a chacina, mas praticamente não ouvi comentários sobre ela em várias rodas de conversa (incluindo de acadêmicos e cientistas sociais) por onde passei no fim de semana.

De certo modo, espera-se que na Baixada a violência seja a norma. Ela nos choca apenas quando o tamanho do massacre ultrapassa o habitual, ou quando o conflito extrapola para lugares simbólicos ou da classe média, como a Igreja da Candelária ou o ônibus 174 no Jardim Botânico. A morte de uma moça de nossa classe social, como Gabriela ou de uma freira americana, provoca muito mais repercussão do que a chacina de seis, sete, oito rapazes pobres e negros.

Na quarta-feira irei a Brasília falar a um grupo de jovens de várias partes do país, num evento da recém-criada secretaria de juventude do governo federal. Não sei se o programa permitirá, mas penso em levar essas idéias para o debate.

domingo, abril 03, 2005

João de Deus


1979, México. Posted by Hello

Desapareceu hoje a figura histórica mais importante da segunda metade do século XX. Colocando em perspectiva, talvez não seja possível compará-lo ao impacto de um Lênin, um Hitler, Ghandi, Stálin ou mesmo um Churchill, um Wilson. Mas não há quem lhe tire o posto no pós-guerra. Karol Wojtyla deu conta da pergunta de Stalin em Ialta: "Quantas Divisões tem o papa?". Sua vida foi a resposta.

Napoleão acreditava que era a maior e mais inacreditável instituição da terra. Para ele o papa equivalia sozinho a 100 mil soldados. Não conheceu João Paulo. Em 2001 foram 500 mil na Ucrânia. Mais de um milhão só na Polônia em 1979 e depois em 1983 naquele que seria o 'turning point' do fim do socialismo no Leste Europeu. Nunca antes num país comunista, tantos tinham se reunido para celebrar junto a figura então mais popular do planeta, o milagre da fé. Muitos países do leste Europeu fecharam suas fronteiras com a Polônia. Mesmo assim, foram milhares de peregrinos. Até então, multidões nas didaturas da cortina de ferro apenas em eventos organizados pelo partido, não para esfregar na cara dos herdeiros políticos do materialismo histórico a inacreditável força do ópio do povo.

Brejnev dizia que o segundo conclave de 1978 foi comprado pela CIA sob influência do acessor de Segurança Nacional do governo Carter, Zbigniew Brzezinski. A Cia não seria tão inteligente. Mas de fato, o papa foi o maior agente na desestabilização dos satélites soviéticos, tornando sua mera presença, foco de problemas para regimes autoritários. Tanto que nunca foi a Rússia, e não por falta de vontade.

Sob sua batuta, organizou-se na Polônia o primeiro sindicato não-estatal em um regime socialista. O Solidargnosc, tão bem tratados pelos anti-comunistas da Europa e EUA a ponto de gerar protestos de ciúme no nosso Lech Walesa do ABC, foi a menina dos olhos do fotalecidíssimo clero polonês que o pôs sobre proteção (desde o início e mais ainda quando houve intervenção soviética no país, no início dos anos 80) por ordem de Roma. Uma década depois, o subversivo Walesa seria presidente da Polônia, e João Paulo sorria lembrando de Stálin, com a complacência e serenidade dos vitoriosos.

Conservador em questão de moral e fé, Wojtyla perseguiu os teólogos da chamada Libertação, por acreditar em Libertação de Cristo não de Marx. Famoso o pito dado em Ernesto Cardenal, ministro dos Sandinistas, oriúndo da Teologia da Libertação, que ajoelhado no aeroporto de Manágua, só respondia: "- Sim, santidade, sim, santidade", enquanto o papa gritava na frente das câmaras: "- Isto não pode continuar!". Via no comunismo, a semente do ateísmo e da opressão que tanto combatia na Europa. Não compreendia a multidão que gritava na Nicarágua ou no México por terra e comida, sem respeito ao Santo Padre que pedia por três vezes: "Silêncio, o papa fala".

Articulou em 1994 uma coalizão (que envolvia até países muçulmanos) conservadora e bem sucedida que paralizou a conferência da ONU sobre população no Cairo, impedindo resoluções de planejamento familiar, ou projetos da Organização para a distribuição de preservativos. Nunca aceitou o celibato, a ordenação de mulheres, o aborto, nem mesmo o uso de anti-concepcionais. Apesar do propalado ecumenismo, a Era Ratzinger, trouxe de novo a Igreja afirmativas como: "Só se chega a salvação por meio da Igreja Católica". No fundo, o papa que reabilitou Galileu Galilei, foi o papa que estancou as transformações do Vaticano II. Um papa conservador e centralizador, que enfraqueceu o espírito democrático e descentralizador que vinha do Bom papa João XXIII e permaneceu com Paulo VI, época de apogeu da Teologia da Libertação. João Paulo II pôs fim ao que o cardeal Congar chamava de maior evento religioso do milênio depois das teses de Lutero.

Conservador ou não, trata-se de um santo. Deu nova força e popularidade a uma igreja decadente e em constante perda de prestígio, e se tornou, depois de 1978, a figura mais querida da midia mundial. Fiel às suas idéias, coerente, místico, tem tudo para ser a canonização mais rápida da história. E não é por falta de milagres. Afinal o papa é pop, como diria um poeta gaúcho, enquanto a torcida do fluminense cantava "A benção João de Deus" virando de última hora um campeonato perdido. Quem sabe amanhã...

Sobre a sucessão e o futuro da cadeira de Pedro e da santa madre igreja, solicitado por meu amigo BB, prometo uma análise mais detalhada (dos papabiles) nos próximos posts, juro que antes da fumaça branca. Não tenho palpites (é impossível com 120 candidatos; Wojtyla era obscuro e improvável), mas tenhos preferências e algumas certezas. Por hora, ainda estou em pesar, triste mesmo.

Mas a morte de um homem de fé carrega em si mais alegrias que lamentos. Que dádiva maravilhosa e transformadora não é a fé. Sobretudo para nós que não a temos. Chorar por ele é vão. Mas é impossível não se afeiçoar a uma criatura tão carismática, ainda mais depois de pesquisar sua vida por quase dois anos. Enquanto aguardo o "Habemus Papa" (mais umas 2 semanas), entristeço-me a morte desta figura extraordinária, ator, operário, alpinista, que tão bem soube falar aos corações do povo, sobretudo dos jovens, indo diretamente a eles. Como disse em suas ultimas palavras: "Vi ho cercato e siete venuti, vi ringrazio".

sexta-feira, abril 01, 2005

Agualusa e Pepetela


Agualusa na Feira Literária de Paraty Posted by Hello

Paulo Coelho, sai deste blog: ele não te pertence! Juro que não tenho nada a ver com isso, mas a capa do Segundo Caderno do Globo desta sexta é uma entrevista com o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Perdi a conta de para quantas pessoas o descrevi como sendo "o melhor autor vivo em língua portuguesa".

A literatura angolana é um imenso tesouro que só agora os brasileiros começamos a descobrir. Meu contato com ela veio por acaso, quando trabalhava como repórter cultural para o Cadê?. Fui cobrir a Bienal do Livro e minha ex-chefe na Editora Nova Fronteira me recomendou o romance "A Geração da Utopia", de Pepetela, que estava sendo lançado no evento.

Entrevistei o Pepetela - um simpático senhor de cabelos brancos - que me contou histórias fantásticas de seu tempo como militante do MPLA na guerra de libertação de Angola e como vice-ministro da Educação. "A Geração da Utopia" é um épico da independência angolana, narrado através da amizade de quatro jovens que seguem caminhos divergentes diante dos acontecimentos. Uns se corrompem, outros se tornam céticos e há os que continuam a alimentar a esperança, porque "só os ciclos são eternos". Romance de primeiríssima categoria, que rendeu o Prêmio Camões ao autor. De vez em quando se menciona sua possível adaptação ao cinema. Vale ler também "A Gloriosa Família", bem humorado relato da ocupação holandesa em Angola, que foi simultênea àquela realizada em Pernambuco.

"A Estação das Chuvas", do Agualusa, é uma respécie de contraponto sombrio à "Geração da Utopia". O tema é o mesmo, mas a independência angolana é narrada do ponto de vistas de dissidentes do MPLA, que são presos, torturados e mortos. O livro é estruturado como uma biografia da poeta Lídia Ferreira do Carmo, escrita por um colega de cárcere. A persongem é fictícia, mas o retrato é tão realista que Agualusa vira e mexe é procurado por pessoas que garantem tê-la conhecido e lhe dão novos detalhes dela.

Outro ótimo romance de Agualusa é "Nação Crioula - a correspondência secreta de Fradique Mendes". O personagem do título é de Eça de Queirós, que o descreve como "o último autêntico português", homem que correu mundo e viveu várias aventuras. Uma delas seria uma permanência de alguns anos na África, que Eça não narra. Agualusa aproveitou o gancho e escreveu o périplo de Fradique ao se apaixonar por uma angolana. Na sua versão, o personagem perde o sarcasmo e a sofisticação de Eça e se torna um homem que vive intensas paixões.

Viva a África!
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