Vitória da Irmã Ediméia
Um pastor alemão
Há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, eu estudava num colégio católico, experiência que me deixou agnóstico para o resto da vida. Havia uma velha freira na escola, a irmã Ediméia, que rondava os corredores soturnamente, como o espectro de uma punição ameaçadora. Ninguém sabia o que ela queria castigar, provavelmente só o fato de alguém estar se divertindo (um pecado, quase com certeza). Com o humor típico dos rapazes de 12 anos, a chamávamos de Irmã Diarréia. Ignoro sua influência no Vaticano, mas nesta semana a Irmã Ediméia obteve uma vitória expressiva e o Conclave escolheu o chefe da Inquisição como o novo papa.
Apesar de não acreditar nem em horóscopo, mantenho uma ligação forte com a Igreja Católica, por razões culturais, pessoais (a maioria dos meus amigos segue essa religião) e políticas - muitas das pessoas com quem convivo no trabalho e na pós-graduação foram ativistas nos movimentos sociais católicos dos anos 60 e 70, como JUC, Ação Popular e diversas comunidades eclesiais de base mais ou menos inspiradas pela teologia da libertação. Tempos em que os ventos de renovação que sopravam das ruas arejaram os salões paroquiais e as sacristias. Adoro ouvir suas histórias.
Me acostumei a ver na Igreja uma aliada que defendia as mesmas coisas que eu, guardadas certas reservas - nunca perguntei à irmã Ediméia o que ela achava do casamento gay. Por isso a eleição de Ratzinger foi um tapa na cara, como se os cardeais dissessem à sociedade: "Não damos a mínima para os desejos de mudança de vocês. Danem-se a camisinha, a liberdade sexual, a busca de formas menos rígidas de família e relações amorosas. Vamos voltar o relógio aos anos 50 e azar de quem não gostar disso." No fundo, é apenas acentuar o que o João Paulo II pregava, mas sem o atenuante do carisma pessoal do falecido papa.
Para mim, é o retrato de uma Igreja assustada, acuada diante de um mundo em transformação que ela parece ter dificuldades em compreender e aceitar. Pensei no magnífico sonho do grande inquisidor, do romance "Os Irmãos Karamazovi", de Dostoiésvki, na qual Torquemada prega a Cristo a necessidade de uma autoridade dogmática e inflexível para conter os perigos da liberdade e do questionamento humano.
Com 78 anos, é difícil acreditar que Bento XVI terá um pontificado longo. Esperemos pelo próximo conclave.
5 Comentarios:
Adorei o texto, Maurício. Aquela parte dos Irmãos Karamázovi é arrepiante mesmo; li o livro na adolescência e até hoje tenho esse trecho na memória, bem como a descrição das atrocidades na conversa entre Alieksei e Ivan.
Concordo com tudo o que você disse, embora não seja mais agnóstico. O que me deixa triste é tanta gente querer tirar dos não-católicos a legitimidade para criticar a Igreja...
Essa discussão é estéril. Qualquer papa que assumisse o trono de Pedro não reformaria nada. São dogmas e não um estatuto sindical. Essa história de progressistas e conservadores é conversa fiada!
A experiência de estudar 11 anos em colégio católico também me deixou agnóstico pro resto da vida. No meu caso, a vitória foi da maligna Irmã do Céu (nome irônico, não?). Que Tutátis nos proteja.
Marcus,
"Os Irmãos Karamázovi" é um dos melhores livros que já li e o trecho do Grande Inquisidor, o ponto alto do romance. Concordo: de arrepiar.
Helvécio,
As divisões políticas dentro da Igreja são profundas, sempre foram. E certas coisas que parecem existir desde sempre são bem recentes, como a doutrina da infabilidade papal (fim do século XIX).
Não existe nenhum motivo sagrado que impeça, por exemplo, as mulheres de se tornarem sacerdotes. Isso é apenas uma disputa política sobre o papel feminino na sociedade.
Papas com visões diferentes podem mudar a Igreja. Pense em João XXIII e suas reformas, como o uso das línguas nacionais no lugar do latim nas missas, e o padre voltado para o público em vez de ficar de costas.
Vítor,
E se a irmã Ediméia e a irmã Maria do Céu forem a mesma pessoa, certamente a soldo da Opus Dei?
Abraços,
Maurício
Maurício,
me referia aos dogmas herdados da tradição. houve momentos de retrocesso e avanços como em toda instituição. a infalibilidade está relacionada a questões de fé e não do papa como super-homem. agora quanto ao aborto, casamento de homosexuais...não mudaria, pois como eles mesmo gostam de dizer. "não temos autoriadade para isso." com ou sem divisões!
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