terça-feira, abril 19, 2005

Europa: as dores do parto


Monnet e seu sonho Posted by Hello

No aeroporto de Brasília há uma pequena livraria da UnB onde sempre se encontram bons livros sobre relações internacionais. Da última vez em que estive na capital, há duas semanas, comprei as "Memórias", de Jean Monnet, que sequer sabia que estavam traduzidas para o português. Quando se pensa em grandes estadistas europeus do século XX, as pessoas lembram de Churchill ou De Gaulle, mas o velho Monnet é tão importante quanto eles - trata-se do pai da União Européia.

Monnet nasceu na cidade de Cognac, famosa mundialmente pela bebida produzida por lá. A família era de negociantes e ainda rapaz ele viajou e morou em diversos países da Europa e da América vendendo seus produtos. Ganhou uma visão cosmopolita dos problemas mundiais e uma atitude pé no chão típica de um bom comerciante. O salto para o serviço público veio na Primeira Guerra Mundial, quando usou seus contatos ingleses para negociar acordos de cooperação envolvendo transportes e infra-estrutura, no esforço conjunto para derrotar os alemães.

Depois serviu na Liga das Nações, foi para a iniciativa privada como banqueiro e voltou ao Estado na Segunda Guerra, trabalhando para franceses e ingleses em suas negociações com os EUA. Depois da catástrofe, foi o arquiteto de uma maneira de reunir França e Alemanha: a administração internacional conjunta do carvão e do aço, os dois recursos minerais vitais à indústria pesada e à guerra. Como ele mesmo anunciou, o primeiro passo rumo à uma comunidade econômica européia.

Monnet escreve bem, num estilo sóbrio e direto; raro entre franceses. O livro tem análises fascinantes de políticos como Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Adenauer, Léon Blum, Robert Schumann. Também há muitas passagens tediosas, burocráticas demais, sobre os problemas com os quais lidou. Monnet era mais um tecnocrata do que um político profissional - um homem de dados e análises, não de discursos e carisma.

Ao mesmo tempo, as memórias de Monnet (publicadas nos anos 70) prenunciam muitos dos atuais problemas da UE, em particular a dificuldade de abrir o processo de integração às forças sociais - partidos, sindicatos, movimentos políticos. Tudo fica na alta esfera dos negócios, das finanças e dos governos, e o resultado é que para muitos europeus a UE pouco interfere com suas vidas. Há um ótimo artigo de Mario Sergio Conti no NoMínimo falando da indiferença, senão hostilidade, dos franceses ao referendo para aprovar a recém-criada constituição européia.
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