Quase Dois Irmãos
Ciocler e Bauraqui: ótimos
Assisti ontem a um grande filme de Lúcia Murat: "Quase Dois Irmãos", dos melhores dramas brasileiros que vi em muito tempo. Um militante político de classe média e um bandido, amigos de infância e de samba, se reencontram na prisão durante a ditadura militar, um convívio tenso que levará à formação do Comando Vermelho. O político vira deputado e o criminoso, um dos líderes do crime organizado no Rio. Seus destinos voltam a se esbarrar quando anos depois a filha do parlamentar se envolve com um traficante do CV.
Nessa trajetória, que vai dos anos 50 aos dias atuais, temos um balanço das relações tensas entre favela e asfato, de uma fraternidade impossível que não consegue se concretizar nem mesmo no espaço confinado da cadeia. O roteiro, espertíssimo, não segue a cronologia, é antes um quebra-cabeça que se arma simultaneamente. O ponto alto é o convívio entre presos políticos e comuns na Ilha Grande, experiência vivida pela própria cineasta. Destaque também para o ótimo trabalho dos atores, em especial Flávio Bauraqui (de Madame Satã) e Caco Ciocler (que se redimiu do Prestes de "Olga") e incluindo a nova geração do "Nós do Morro".
O roteiro, em geral o ponto fraco dos filmes brasileiros, é primoroso. Vejam este diálogo entre a mãe do militante político ( interpretada por Marieta Severo) e o filho preso:
"Você é igualzinho ao seu pai."
"O negócio do pai era samba. O meu é revolução."
"É tudo a mesma coisa."
"Tudo tem povo, não é?"
"Povo, confusão e sofrimento."
A palavra mais pronunciada no filme é "igualdade". Um desejo que nunca consegue ser satisfeito, porque o apartheid social é tão grande que ultrapassa tudo: o amor pelo samba, a tentativa de um projeto político, a paixão sexual. Mas o filme é um trabalho estupendo que reuniu uma cineasta de classe média (Lúcia Murat), um roteirista vindo de Cidade de Deus (Paulo Lins) e jovens atores de favelas (Nós do Morro). A arte é a esperança que nos resta de tentar reunir as pontas desta cidade partida.
6 Comentarios:
Também amei esse filme!!! A montagem é espetacular, o Bauraqui é excepcional e o fim do filme é meio tapa na cara. Amei!
Maurício, tomara que chegue por aqui! Se não chegar, vai ser um dos primeiros na lista dos que vou ver depois da volta.
Pela sua descrição, parece maravilhoso!
Beijo grande!
Reitero o desejo da Julia de que o filme atravesse o Atlântico - foi assim que vi Carandiru... :)
Mauricio,
Também vi o filme ontem e achei ÓTIMO! Realmente ele te faz refletir sobre a integração favela-asfalto.
Saí correndo para ver o filme depois da indicação da Lol e desse seu post. Realmente, é um dos melhores que já vi. Consegue ser engraçado e contundente ao mesmo tempo, "sem perder a ternura". Mas me deu uma sensação de impossibilidade de ação. Lembrei do "Cidade Partida", onde Zuenir lista tantas ações da iniciativa privada, das Ongs, às vezes individuais, mas o cenário não se alterou.
Car@s,
vejo que todo mundo gostou do filme. É mesmo uma obra-prima. Eu e meu irmão tivemos altos papos sobre o lado político da trama.
BB, respondendo a sua pergunta, o filme toca fundo nas dificuldades de comunicação entre pessoas separadas pelo abismo social do nosso país. Não há saídas simples, nem na ficção nem na realidade.
Uma frase do ex-chanceler alemão Konrad Adenauer fica na minha cabeça como uma possível epígrafe a este filme: "As pessoas precisam não apenas viver sob o mesmo céu, mas enxergarem o mesmo horizonte."
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