sexta-feira, abril 22, 2005

A Riqueza das Nacoes

A pior praga para qualquer cientista social serio eh condenar sem ter lido. E, infelizmente, fazemos isso a toda hora. A carga de leitura eh tao carregada de conceitos que remetem a autores do passado que nao pensamos muito em voltar no tempo. "Entendemos" os conceitos, "simplificamos" e seguimos em frente.

Tenho uma politica quanto a isso. Procuro reler os classicos de maneira sistematica, especialmente aqueles que, por uma razao ou outra, li apenas trechos selecionados em diversas ocasioes, mas nunca tive a chance de ler inteiros. Decidi fazer isso com um livro que eh dogma para alguns e defenestrado por outros: "A Riqueza das Nacoes" de Adam Smith.

Smith era um nerd escoces que sofreu de colicas cronicas durante toda sua vida. Nao podia sair muito de casa porque se contorcia de dor e, tambem por isso, nunca se casou. Nos periodos em que nao estava ensinando filosofia em Oxford, morou com a sua mae em Edinburgo. Foi amigo pessoal de Hume (que tambem era escoces, mas era um glutao extrovertido) e Locke (que tinha alguns escravos e investimentos nas Americas -- e, alias, escreveu a Constituicao das Carolinas).

Mas nosso amigo escreveu uma obra-prima, sim senhor. Recomendo a leitura sem preconceitos. O leitor de cabeca aberta vai ver que Smith (1) defende sim a participacao do estado na economia (mas nao o estado mercantilista); (2) preocupa-se com a populacao em geral e ve um perigo nas grandes "corporacoes" (que ele abertamente diz que tem incentivos para diminuir salarios e para tornarem-se monopolios); (3) escreve de maneira clara e legivel (mas nao simples); e (4) ainda tem muitas coisas importantes a nos dizer, apesar de ter publicado o seu livro em 1776.

Eh uma pena que Smith tenha sido demonizado pelos marxistas e beatificado por neo-liberais e conservadores. Colocando seu discurso em perspectiva, Smith era um revolucionario. E tenho a impressao de que ficaria bastante incomodado em ser transformado em icone do bem e do mal. Ele eh um dos poucos que conseguiram perceber a mudanca enorme em seu tempo e compreende-la em suas pecas fundamentais. E, no fim, morreu achando que a obra pela qual seria lembrado seria seu pequeno tratado filosofico "A Teoria dos Sentimentos Morais". Quem diria.

2 Comentarios:

Blogger Bruno Lopes said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Smith, ao falar que a "mão invisível do mercado" maximiza o bem-estar de toda a sociedade, está na direção certa, mas ainda era um pouco místico. Se você analisar com cuidado, vai perceber que, de certa forma, a tal mão invisível é... Deus!
O liberalismo e a teoria neo-clássica foram construídos mais formalmente e matematicamente ao longo do século XIX e início do século XX, por autores como Say (formulador da tal Lei de Say). Eles, é claro beberam em Adam Smith, mas nem tudo foi escrito por ele.
Mas a intuição que estava correta em Adam Smith era de que a COMPETIÇÃO livre, e mercados competitivos, maximizam o bem-estar da sociedade. Note que isso não significa que o Estado não deve interferir na economia: pelo contrário, muitas vezes ele deve interferir, justamente para promover a competição. Daí vem coisas como a leigslação anti-truste dos Estados Unidos e o Cade do Brasil.
Mas, de qualquer maneira, mercados competitivos garantem preços mais baixos que os mercados controlados do mercantilismo, e salários e lucros que traduzem com mais justiça a contribuição que cada agente traz à sociedade. A premissa para isso acontecer é que, se dois agentes são livres para fazer ou não determinada transação econômica, ao completarem-na cada um dos dois estará maximizando seu bem-estar. Se todos os mercados forem livres, logicamente todos os agentes maximizarão seu bem-estar e o da sociedade em geral.
Infelizmente, muitas vezes a concorrência perfeita não pode ser observada em todos os mercados, pois os agentes conseguem desenvolver poder de monopólio, apropriando para si parte da utilidade do outro agente - o chamado rent seeking. E o desenvolvimento tecnológico e industrial do século XX, onde grandes corporações e o Estado se deram as mãos, mostrou que, algumas vezes, mercados que não são competitivos podem gerar benefícios à sociedade. Olhe o paradoxo: os lucros obscenos de empresas de telecomunicação, por exemplo, permitiram que elas desenvolvessem equipamentos sofisticados como o telefone celular. E a existencia desses aparelhos melhorou a vida de todos, além de melhorar nossa produtividade.
De qualquer maneira, ler diretamente Adam Smith é uma ótima maneira de identificar as distorções que economistas atuais colocam em sua boca. E descobrir que sem as idéias desse inglês liberal Marx não poderia entender como funciona a economia. Aliás, nem Marx nem ninguém.

abril 22, 2005 6:14 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Caro,

Smith é muito, muito bom. Realmente, as percepções são brilhantes.

Estudando com o ubermeister Wanderley Guilherme, ele me fez ler os demais mestres do iluminismo escocês - Hume e Adam Fergunson. O conceito deles de "conseqüências não-intencionais da ação humana" foi a fonte par a "mão invisível" do Smith. Vale a leitura.

Abraços,
Maurício

abril 23, 2005 11:40 AM  

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