Um Poeta Sempre Jovem
Em abril, no Recife, eu participava de uma reunião de ativistas de direitos humanos que foi encerrada com uma colega recitando a altos brados “O Navio Negreiro”. O poema emocionou a todos nós. Impressionante seu poder de indignar e convocar para ação.
Devo ao João Daniel a dica para um dos melhores livros da temporada: “Castro Alves, um poeta sempre jovem”, do embaixador Alberto da Costa e Silva. É parte da recém-lançada coleção “Perfis Brasileiros” da Companhia das Letras.
Costa e Silva é um dos melhores especialistas brasileiros em África e no tráfico negreiro, além de grande conhecedor de poesia e literatura. A bagagem o torna o biógrafo ideal de Castro Alves, e ele analisa de maneira primorosa o modo como o talento vulcânico do artista baiano veio à tona num momento em que o escravismo brasileiro começava a ser questionado por intelectuais e estudantes, influenciados pelas correntes mais libertárias do liberalismo, do romantismo e do socialismo.
Castro Alves passou a infância e o início da juventude entre Bahia e Pernambuco, regiões que dependiam da escravidão para as tarefas mais cotidianas. A própria madrasta do poeta fez sua fortuna da herança que lhe deixou o primeiro marido, um traficante de escravos, embora Costa e Silva afirme que Castro Alves provavelmente alforriou seus cativos.
O poeta morreu muito jovem, com apenas 24 anos, e produziu a maior parte de seus poemas na década de 1860, quando o movimento abolicionista apenas engatinhava. Castro Alves foi fundamental para dar voz e legitimidade à causa e Costa e Silva reconstrói de maneira admirável o clima político e a sociabilidade daqueles tempos, onde se lia pouco mas as tradições orais – recitais, discursos, polêmicas em teatros – tornavam os poetas celebridades.
Poucos de nossos poetas foram tão orais quanto Castro Alves, que os contemporâneos descreviam como um ator nato, homem de grande beleza, carisma e uma voz poderosa, feita para os palcos. Tudo isso está no livro, bem como suas muitas paixões, em especial o amor trágico pela atriz Eugênia Câmara.
Costa e Silva examina em detalhes os poemas mais famosos de Castro Alves – meu favorito, “O Navio Negreiro” merece um capítulo inteiro – analisando a métrica, a “técnica cinematográfica” dos versos e até a visão distorcida que o poeta tinha da África – ele retratava o continente como formado por desertos, camelos e beduínos, algo que definitivamente não se aplica à região tropical da qual vieram a maior parte dos escravos que terminaram no Brasil. Mas que versos! Veja como ele chama a nós, brasileiros, a encarar nosso papel na escravidão:
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
(...)
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!
A poesia lírica de Castro Alves talvez tenha ficado um tanto pesada para o gosto contemporâneo – não dá para comparar seus exageros aos versos intimistas e bem-humorados de Vinicius de Moraes, por exemplo. Mas alguns de seus poemas de amor ainda emocionam, como “Adeus”, a despedida derradeira que escreveu a sua musa Eugênia:
Não quero mais teu amor! Porém minh'alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.
Para ler os poemas de Castro Alves, visite a Casa do Bruxo.