sábado, junho 03, 2006

A Mosca Azul




Não sou fã incondicional de frei Betto. Gosto muito das suas Cartas da Prisão, do livro sobre educação popular em parceria com Paulo Freire, do perfil de Fidel Castro. Mas muito do que o frade dominicano escreveu sobre o PT e Lula é bastante ruim, visão maniqueísta da política. “A Mosca Azul – reflexão sobre o poder”, é sua obra mais recente. Belo acerto de contas de frei Betto com seu histórico de 40 anos de ativista de esquerda. O ponto de partida é a frustrada experiência do autor no governo Lula, onde ocupou por dois anos o cargo de coordenador de mobilização social do Fome Zero.

O melhor do livro são os capítulos sobre a formação das Comunidades Eclesiais de Base nos anos 70, e de como essa mobilização da Igreja popular foi a base para o renascimento do movimento sindical e para a fundação do PT. A descrição de seu primeiro encontro com Lula impressiona, bem como as dificuldades da esquerda marxista em entender aquele líder operário carismático.

Há episódios saborosos, como o convite que um FHC recém-retornado do exílio faz a frei Betto fundar um partido socialista no molde europeu, em reuniões regadas a vinho chileno. O dominicano responde que não, que prefere continuar com o movimento católico de base. Fez bem: os sonhos Quartier Latin do príncipe dos sociólogos terminaram no abraço dos coronéis mais reacionários do país.

O pior do livro é que frei Betto simplesmente não consegue criticar Lula e só se refere ao PT de maneira idealizada. Parece que o partido era um poço de pureza até a eleição de 2002, e que os problemas posteriores se deram unicamente por causa de desvios individuais, de pessoas que fraquejaram diante da ambição, cobiça etc. E tome retórica de sacristia contra consumismo, culto ao corpo, sexualidade na mídia, por aí vai.

Aqui e ali há passagens lúcidas e precisas. Por exemplo: “Não é a corrupção que mais ameaça o PT. É o risco do partido não cumprir seu papel histórico de agente da transformação social.” Ou a constatação de que perdeu muitos amigos de militância “não apenas à direita, mas sobretudo à indiferença”.

As recomendações do livro são no sentido de fortalecer a autonomia dos movimentos sociais, com muito trabalho de base. É consenso entre os ativistas, mas a prática é complicada. Falta povo na rua, falta pressão sobre o governo. Quem sabe importando uns estudantes chilenos e uns índios bolivianos...

5 Comentarios:

Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Nos dias de hoje, nem se o Congresso fosse no Rio ou em São Paulo a pressão popular seria suficiente pra fazer uma diferença real... :P

junho 03, 2006 7:52 PM  
Anonymous Anônimo said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

O Fernando Henrique participou de algumas reuniões dos fundadores do PT, na casa do Eduardo Suplicy. Quando ele abandonou o barco, o Marta disse ao Lula: "mas eu pensei que ele estaria conosco".

Ao que Lula respondeu: "e eu tinha certeza de que ele não ficaria".

As divergências estavam muito claras desde o início.

junho 03, 2006 7:57 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Querida Nica,

falta pressão popular em todo país. O Herbert Viana dizia do Congresso que "se essa palhaçada fosse na Cinelândia, ia juntar muita gente para pegar na saída". Mas a Câmara dos Vereadores do Rio fica por lá e nem por isso adianta alguma coisa. O mesmo para a Assembléia Legislativa do Rio, que é ainda pior do que o Congresso federal.

Caro Marcus,

FHC e os fundadores do PT caminharam juntos por muito tempo, na USP dos anos 60, na resitência à ditadura. Acho que o ponto de ruptura é no início dos anos 80, quando ele prefere ficar com o PMDB em vez de arriscar uma opção partidária baseada nos sindicatos e movimentos sociais.

Abraços

junho 04, 2006 8:34 AM  
Blogger Rodrigo Cerqueira said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Maurício e amigos,

a questão do Frei Beto e do Lula com FHC me parece muito mais um exemplo antecipado de um problema que o PT tornaria claro nos anos 90: o partido são vários. Muitos dos fundadores do PT (alguns até hoje na legenda) estariam muito mais bem acompanhados ao lado de FHC num partido de esquerda à européia que ao lado de Lula.

Os últimos anos têm reforçado em mim uma opinião que eu já tinha há dez anos, quando a esqueda na ECO-UFRJ e no IFCS considerava FHC um traidor: o amálgama em que o PT se transformou e a força da figura de Lula (o operário que quer ser presidente) têm responsabilidade direta na ausência de um partido de esquerda coerente e renovador no Brasil. Enquanto a esquerda mundial debatia atordoada seus rumos pós Muro de Berlim, o PT, essa pretensa esquerda brasileira, pensava apenas em como fazer Lula ganhar a eleição presidencial depois de duas ou três derrotas seguidas. Deu no que deu.

Lendo o diálogo de Frei Beto com FHC não posso deixar de pensar que os chamados intelectuais do PT estariam mais confortáveis ao lado do ex-presidente (sem ACM e Maciel, é claro) do que do atual, de figuras como Gushiken e do aparato sindical que sempre foi forte no partido e agora é forte em Brasília. O sindicalismo brasileiro, desde o ABC dos anos 70, é paternalista. Por que um governo de seu maior representante não seria?

junho 04, 2006 12:01 PM  
Blogger Maurício Santoro said... Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

Salve, Rodrigo.

Sem dúvida o carisma do Lula serviu como "cola" para as diversas tendências do PT e até para evitar debates mais sérios sobre o programa partidário e o tipo de reforma que seria implementada.

Semana passada eu conversava com um amigo e dizíamos que os sindicalistas atuam em função de um interesse setorial, de classe ou categoria profissional, mas não têm um projeto político de país.

Os resultados estão aí. A turma do Alto Comissariado pegou a política econômica do FHC. Alguns estão tão confortáveis que passaram para a direita do ex-presidente.

abraços

junho 05, 2006 10:54 AM  

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